27 Novembro 2024
"O tema já está desenvolvido na própria palavra 'recordar', ou seja, o “trazer de volta ao coração”, em uma espécie de batida que permite que nossa existência e consciência vivam", escreve o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, em artigo publicado por Il Sole 24 Ore, 24-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sabei que não há nada mais elevado, nem mais forte, nem mais saudável, nem doravante mais útil para a vida que uma boa lembrança, sobretudo aquela trazida ainda da infância, da casa paterna.... Se o homem traz consigo muitas dessas lembranças para sua vida, está salvo pelo resto da existência.
Essas são algumas linhas do epílogo daquela obra-prima que é Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, uma verdadeira catedral literária e teológica. O tema já está desenvolvido na própria palavra “recordar”, ou seja, o “trazer de volta ao coração”, em uma espécie de batida que permite que nossa existência e consciência vivam. Compreende-se, portanto, como é arriscado a deriva para o esquecimento típico de nossos dias, debruçados apenas sobre o futuro, incapazes de redescobrir as raízes que nutrem o tronco do presente, com o perigo de secar interiormente. O escritor russo exalta justamente a fecundidade das “belas lembranças”, especialmente aquelas da infância confiante e inocente.
São lembranças muitas vezes desfocadas e acabam sendo enterradas sob outras emoções, ou cobertas pelo véu da superficialidade. No entanto, devemos reconhecer que nós também guardamos lembranças negativas que podem, é claro, ser uma lição ética, mas também um trauma que atravessa toda a nossa jornada humana. A esse respeito, é interessante citar uma passagem daquele supremo e atormentado mestre que cultua a memória do tempo perdido, Marcel Proust, que - talvez de forma pessimista, mas também realista - escreveu: “Encontramos tudo na nossa memória, é uma espécie de farmácia, onde você coloca a mão ao acaso, ora em um remédio calmante, ora em um veneno perigoso”.
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#lembrança. Artigo de Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU