27 Novembro 2024
“Um pedaço do caminho foi feito, mas o trabalho ainda é longo”. Como ministra e em seus 31 anos no Parlamento, onde sempre se sentou nas bancadas de esquerda, do PCI ao PD, Anna Finocchiaro lidou frequentemente com questões de gênero.
A entrevista é de Francesca Schianchi, publicada por La Stampa, 24-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em comparação com a época em que foi ministra da Igualdade de Oportunidades, entre 1996 e 1998, o que mudou?
Definitivamente, há mais conscientização, estamos começando a perceber que a origem do problema está na afirmação da liberdade feminina. Ainda me lembro do clima no Comitê de Justiça quando discutimos pela primeira vez o afastamento do homem violento de sua casa.
Qual era o clima?
Uma desorientação em alguns colegas homens, uma resistência que não conseguiam descrever. Alguém interveio e disse: não há problema em afastar o homem abusivo, mas não se ele for o dono da casa.
Ou seja, a propriedade privada vinha antes da segurança da mulher.
Sim, mas veja bem, quem disse aquela frase certamente era uma pessoa de bem que era contra a violência. No entanto, estava passando por uma desorientação cultural: a liberdade das mulheres estava entrando com força e desarrumando toda sua ordem social e de valores.
Houve algum progresso desde então?
Alguns, certamente. Mas estamos falando de uma longa guerra: não entre os sexos, mas entre modelos culturais, sociais e econômicos. Algumas batalhas são vencidas, mas em outras questões se perde terreno, como, por exemplo, na aplicação da lei sobre a interrupção da gravidez. Ou para as mulheres presas que são mães: o projeto de lei de segurança retrocede não apenas em comparação com a lei que criei como ministra, depois ampliada e melhorada pelas boas ministras que me sucederam, mas até mesmo em comparação com o código Rocco.
Mas o patriarcado ainda existe ou, como diz o ministro Valditara, foi substituído juridicamente pelo novo direito de família de 1975?
É claro que existe, só o fato de o negar, invocando uma lei que implementou a Constituição várias décadas depois, prova sua existência. O ministro provavelmente não refletiu adequadamente sobre como ele persiste como impulso, como vocação, como modelo cultural.
Na manifestação desta semana a foto do ministro foi queimada, da direita dizem: isso também é violência.
Já participei de centenas de manifestações, a ponto de gastar as solas dos sapatos e as cordas vocais. Eu não teria queimado aquela foto: "nada de fogo, bastam os slogans”.
Como foi ser uma magistrada muito jovem em um mundo então muito masculino?
Entrei na magistratura aos 26 anos. Lembro-me de minha chegada ao tribunal de Leonforte, na província de Enna, era meu primeiro cargo: cheguei no carrinho azul do meu pai, subi as escadas e, diante de advogados e funcionários, me apresentei: 'Bom dia, sou a nova magistrada'. Vi a consternação nos rostos dos presentes.
Como mulher sofreu discriminação na política?
Mais como paternalismo, que é uma forma irritante, mas não violenta, de masculinismo. Mas sei que nunca fiz parte do círculo interno: fui gratificada com cargo de prestígio, mas nunca exerci o poder em sua forma clássica masculina.
O fato de ter uma primeira-ministra pela primeira vez ajuda a batalha das mulheres?
Embora Giorgia Meloni seja uma adversária política, considero que é uma mulher inteligente. Mas sua bagagem cultural e de valores é a da direita, que só até certo ponto se preocupa pelos direitos das mulheres.
A primeira-ministra diz: “Não me importa ser chamada de ‘presidenta’, mas que comigo exista o máximo de ocupação feminina”.
Se fosse verdade, eu ficaria feliz, e não sou apaixonada pelas questões linguísticas. Mas se as coisas existem, devem ser nomeadas. E me preocupa uma cultura que tem em si uma espécie de limitação da liberdade feminina.
Mas o patriarcado também está presente na esquerda, não é?
É claro que existe, está em toda parte. Mas me parece ser com uma orientação cultural diferente daquela da direita.
Ajuda ter uma secretária mulher?
É simbolicamente importante, mas as coisas só melhoram se houver milhões de mulheres por trás da secretária. A política é um fato coletivo, não individual, como se quer fazer crer nestes tempos de exasperado culto à liderança.
E o que a política pode fazer para resolver o problema da violência contra as mulheres?
As batalhas contra um sistema cultural tão sedimentado são complicadas. As leis são necessárias, é claro, mas infelizmente nenhuma lei, nem mesmo a mais rigorosa, jamais deterá um homem que decidiu matar a mulher que o rejeitou. É por isso que é importante envolver professores, famílias e todos aqueles que atuam nos locais de crescimento das crianças e dos jovens. Uma revolução cultural não pode ser confiada apenas às leis.
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“O patriarcado existe, negá-lo é a prova. É uma longa guerra entre modelos culturais”. Entrevista com Anna Finocchiaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU