26 Novembro 2024
Organizações católicas na cúpula das Nações Unidas sobre mudanças climáticas criticaram duramente uma nova meta de financiamento de US$ 300 bilhões, alcançada pelos países no fim de semana, considerando-a insuficiente e sem garantias de que não aprofundará a dívida dos países em desenvolvimento.
A informação é de Brian Roewe publicada por EarthBeat, 24-11-2024.
Quase 200 países na COP29, realizada em Baku, Azerbaijão, concordaram nas primeiras horas do dia 24 de novembro com a nova meta de financiamento para ajudar os países em desenvolvimento a descarbonizar suas economias, adaptar-se e se recuperar dos impactos climáticos, como tempestades e secas cada vez mais intensas. No entanto, esses países, juntamente com grupos ambientalistas e líderes religiosos, afirmam que os US$ 300 bilhões estão muito aquém dos trilhões necessários.
"A COP29 falhou em honrar seus compromissos com o financiamento climático, deixando as nações mais vulneráveis suportarem o peso de uma crise que não criaram", diz Dom Gerardo Alminaza, vice-presidente da Caritas Filipinas, ao EarthBeat. "Essa negligência não é apenas uma falha política, mas um profundo fracasso moral."
"O que vimos na COP29 foram passos de bebê quando precisamos de passos de adulto", afirmou Gina Castillo, consultora de políticas climáticas e pesquisa da Catholic Relief Services, a agência de desenvolvimento internacional dos bispos católicos dos EUA.
A conferência climática da ONU em Baku terminou mais de 30 horas após o horário previsto. A principal disputa na chamada "COP do financiamento" foi sobre dinheiro.
O Acordo de Paris exigiu que os países, neste ano, substituíssem a meta de financiamento anterior definida em 2009, que buscava garantir 100 bilhões de dólares anualmente, até 2020, de países industrializados para países em desenvolvimento. Esse objetivo teria sido alcançado em 2022, embora algumas organizações ambientais questionem como os financiamentos foram contabilizados.
O Papa Francisco tem afirmado frequentemente que os países desenvolvidos, responsáveis pela grande maioria das emissões de gases de efeito estufa que retêm calor, têm a responsabilidade de pagar a "dívida ecológica" a outras nações, principalmente do Sul Global, que menos contribuíram para as mudanças climáticas, mas sofrem alguns dos piores impactos.
As nações em desenvolvimento na COP29 se uniram em torno de uma análise de economistas que fixou o piso de financiamento em 1,3 trilhão de dólares anuais, até 2035, para os países desenvolvidos, caso o mundo queira alcançar a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris de limitar o aumento médio da temperatura a 1,5 grau Celsius (2,7 graus Fahrenheit). Cientistas alertam que ultrapassar esse limite resultará em impactos climáticos mais graves, como secas, tempestades extremas e ondas de calor.
Para manter a meta de 1,5 °C ao alcance, os países precisam reduzir as emissões quase pela metade até 2030. Sob os planos climáticos atuais, as emissões devem cair aproximadamente 2,6% até esse prazo.
O texto final sobre financiamento da COP29 — referido como a nova meta coletiva quantificada — fixou o valor de 300 bilhões de dólares anuais até 2035, provenientes de países desenvolvidos, bancos e do setor privado. O texto menciona o valor de 1,3 trilhão de dólares, mas apenas recomenda que o financiamento seja ampliado até esse nível por meio de fontes públicas e privadas. Além disso, direciona a criação de um roteiro para arrecadar o 1 trilhão adicional até a próxima cúpula do clima, que será realizada no Brasil.
Ainda não está claro como os 300 bilhões serão entregues, se na forma de doações ou empréstimos — sendo os últimos a maior parte do financiamento climático até agora. O texto também não estabelece metas específicas de financiamento para medidas de adaptação ou para perdas e danos.
David Munene, cofacilitador da recém-formada Rede de Atores Católicos para o Clima e o Meio Ambiente e gerente de programas da Rede de Jovens Católicos pela Sustentabilidade Ambiental na África, disse que a COP29 falhou até mesmo em atender suas baixas expectativas para novos financiamentos.
"Um acordo ruim estaria na casa dos 800 bilhões de dólares. Este é um acordo horrível", afirmou Munene sobre a meta de 300 bilhões.
"É como jogar amendoins para uma pessoa muito faminta, esperando que ela os mastigue e recupere as forças, o que não vai acontecer", disse ele à EarthBeat.
Os Estados Unidos, a União Europeia e outros países desenvolvidos pressionaram para que China, Arábia Saudita e outras grandes economias classificadas como países em desenvolvimento pela ONU fossem obrigadas a contribuir com a nova meta. No entanto, o texto sobre financiamento apenas "encoraja" esses países a fazê-lo de forma voluntária.
As negociações na COP29 foram tensas, descritas por representantes católicos, em diferentes momentos, como lentas e caóticas. Delegados de pequenos Estados insulares e dos países menos desenvolvidos abandonaram temporariamente as negociações em 23 de novembro, em protesto contra os debates sobre financiamento. O local do evento, o Estádio de Baku, chegou a ficar sem comida.
O ministro da Ecologia do Azerbaijão e presidente da COP29, Mukhtar Babayev, aprovou a meta de financiamento antes que houvesse oposição formal. A Índia imediatamente levantou objeções, seguidas por protestos de delegados da Bolívia e da Nigéria.
Dom Geraldo Alminaza afirmou que, a cada ano, comunidades vulneráveis em seu país e ao redor do mundo "perdem suas vidas e entes queridos devido aos impactos crescentes da crise climática, sem contar a imensa perda de biodiversidade".
"O texto final é cruel, atribuindo um preço de 'pelo menos' 300 bilhões de dólares anuais a esse sofrimento", disse ele em uma mensagem de texto.
Representantes católicos também criticaram a meta de financiamento por não especificar recursos para adaptação e para o Fundo de Perdas e Danos, que atualmente depende de contribuições voluntárias, além de não garantir que os novos financiamentos sejam em forma de doações, e não de empréstimos.
"Isso levará os países vulneráveis a contrair dívidas ainda maiores para se prepararem adequadamente ou a falharem em se adaptar, enfrentando as consequências", disse Damian Spruce, diretor da Caritas Austrália.
Durante a COP29, o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, transmitiu uma mensagem do papa pedindo que os países ricos perdoem as dívidas de outras nações no próximo ano jubilar de 2025.
A cúpula da ONU não abordou a transição para longe dos combustíveis fósseis — a principal causa do aquecimento global —, reconhecida pela primeira vez em negociações da ONU no ano passado, na COP28, em Dubai. Relatórios indicaram que delegados da Arábia Saudita trabalharam para bloquear qualquer menção a isso nos textos da COP29.
Os países devem alinhar seus novos planos climáticos nacionais, previstos para fevereiro, com o compromisso assumido na COP28 de reduzir a dependência de combustíveis fósseis.
Desde o final do século XIX, o planeta aqueceu entre 1,1 °C e 1,2 °C e está no caminho de ultrapassar 1,5 °C em algum momento da década de 2030. O último relatório da ONU sobre lacunas de emissões estimou que as temperaturas aumentarão entre 2,6 °C e 3,1 °C até o final do século, mas poderiam ser reduzidas para 1,9 °C se todos os planos e promessas climáticas atuais fossem plenamente implementados.
As nações reunidas em Baku finalizaram a criação de um mercado de carbono sob a ONU, onde os países podem negociar créditos de emissões de carbono. A decisão inclui métodos para autorizar e rastrear os créditos, bem como verificações obrigatórias em projetos para proteger os direitos ambientais e humanos.
Iyo destacou que a inclusão de povos indígenas e comunidades locais na tomada de decisões sobre os mercados de carbono foi um passo na direção certa. No entanto, alertou que o potencial para "greenwashing" exigirá uma vigilância cuidadosa.
"Resta saber se os mercados de carbono cumprirão suas promessas sem exploração ou má gestão", afirmou.
Os países também concordaram com ferramentas de transparência para ações climáticas nacionais, estenderam um programa sobre clima e gênero e forneceram orientações adicionais sobre resiliência e adaptação climática.
A COP29 foi a segunda a contar com um pavilhão de fé, onde foi lançada uma Aliança Global de Líderes Religiosas Mulheres para mobilizar e ampliar a influência das líderes religiosas femininas em questões climáticas.
Ao longo da COP29, as discussões foram marcadas pela sombra da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que já declarou que retirará novamente o país — a maior economia do mundo e maior emissor histórico — do Acordo de Paris.
Em comentários na plenária de encerramento, Wopke Hoekstra, comissário de ação climática da UE, afirmou que "vivemos em um momento de geopolítica verdadeiramente desafiadora" e descreveu a meta de financiamento como realista e alcançável.
Ben Wilson, diretor de engajamento público do Fundo Internacional de Ajuda Católica da Escócia, disse que os países não podem usar o possível retorno de Trump à Casa Branca como desculpa para não alcançar a meta de financiamento de 1,3 trilhão de dólares, já que sabiam há anos que uma nova meta seria definida em 2024. Ele destacou que os países já demonstraram a capacidade de mobilizar rapidamente recursos financeiros para salvar bancos, responder à pandemia de COVID-19 e travar guerras.
"Não investir na ação climática da mesma forma é uma escolha política, e temo que nossos líderes estejam tomando a decisão errada", afirmou.
A COP30 será realizada na cidade de Belém, na Amazônia brasileira, durante o décimo aniversário da encíclica histórica de Francisco, Laudato Si', sobre o cuidado da Casa Comum.
Representantes católicos esperam que a coincidência entre o aniversário da Laudato Si' e o cenário amazônico leve a compromissos mais substanciais para a redução das emissões e o aumento do financiamento, especialmente por parte dos países ricos do Norte Global.
"É mais do que hora de fazer o dinheiro trabalhar, não para a destruição de nossa casa comum, mas para sua proteção e para a dignidade da vida humana", afirmou Alminaza.
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Funcionários católicos criticam meta de US$ 300 bilhões em financiamento climático da COP29 como insuficiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU