25 Novembro 2024
Com 52,1%, o candidato superou o direitista Delgado, que obteve 47,9% no segundo turno. “Vou ser um presidente que constrói uma sociedade mais integrada”, disse o líder da Frente Ampla.
A reportagem é de Mercedes López San Miguel, publicada por Página/12, 25-11-2024.
O passeio da Ciudad Vieja estava repleto de bandeiras vermelhas, azuis e brancas, hasteadas por uma multidão de fervorosos apoiadores. O partido não foi surpresa: a Frente Ampla (FA) venceu o segundo turno no Uruguai e, com a volta ao poder, a América Latina se volta ainda mais para a esquerda. Yamandú Orsi venceu com 52,1% dos votos contra o direitista Álvaro Delgado com 47,9%, do Partido Nacional, segundo a Justiça Eleitoral (99% dos votos foram apurados).
A FA regressa após cinco anos de um julgamento pró-mercado que interrompeu a sua hegemonia de 15 anos. Quase às 22h, Orsi dirigiu-se a um grande público que o esperava sob uma chuva leve. “Hoje triunfa o país da liberdade e da fraternidade. Nunca há espaço para queixas e desqualificações. Nós que abraçamos essas bandeiras estamos muito felizes. Há uma parte do povo que também precisamos”.
O discípulo de José Mujica disse que a sua mensagem era clara: “não pode ser outra coisa senão debater ideias” e felicitou-se pela longa vida dos partidos políticos uruguaios. "Serei um presidente que clama continuamente pelo diálogo nacional. Serei um presidente que construirá uma sociedade mais integrada. Um país que caminha para o desenvolvimento, que avança. Abracemos a ideia de que o Uruguai é um".
Antes, às 21h30, Delgado havia reconhecido a vitória de Orsi. Ele disse aos seus seguidores: "Não estamos derrotados. Aqui há uma coalizão composta por cinco partidos que veio para ficar. Ninguém terá maioria no Parlamento aqui. Teremos uma atitude republicana. Yamandú tem a chave para encontrar acordos”.
O candidato da direita referia-se ao fato de a Frente Ampla ter recuperado o controle no Senado, mas não ter alcançado a maioria nos Deputados – obteve 48 lugares num total de 99.
O calçadão de Montevidéu vibrou com a festa. Também houve palavras emocionantes do vice-presidente eleito. “A alegria voltará a se enredar na sua voz”, disse Carolina Cosse. A ex-prefeita de Montevidéu disse estar orgulhosa da Frente Ampla. “Vamos construir um rumo progressista para o Uruguai e vamos unir o país”.
Cosse disse a este repórter há algum tempo que o governo Lacalle Pou refez o caminho que Tabaré Vázquez iniciou em 2005. “Alguns pilares da nossa essência foram desmantelados. Mudou a matriz elétrica para fontes quase inteiramente renováveis e investiu em educação”.
Para o analista Diego Buquet, a Frente Ampla conseguiu captar 10 ou 15 por cento dos votos do Partido Colorado para este segundo turno, que faz parte da coalizão governista. “Orsi mirou no eleitorado mais progressista dentro da coalizão, fazendo referências a Batlle y Ordóñez, um líder progressista do Colorado. Ele também conseguiu se conectar com as pessoas que estão mais insatisfeitas com o atual governo, o que deixa um legado de indicadores medíocres. O fato é que o voto em branco diminuiu em relação ao primeiro turno", explicou à Página/12.
Desde cedo, o apoio à Frente Ampla prevaleceu no bairro central de Cordón, segundo testemunhos recolhidos por diversas escolas. Como o de Erica Pintos, 36 anos, administradora de empresas que já havia decidido votar em Orsi. "No meio da pandemia, perdi o emprego e o meu companheiro também. Não tivemos nenhuma ajuda do Estado. Sou asmático e era paciente de risco e havia livre arbítrio na rua, tive que me trancar. Acho que tudo foi levado muito a sério".
O governo Lacalle Pou teve um desempenho aceitável no início da pandemia, mas no final a conclusão não foi boa, como explica à Página/12 Camilo López Burian, cientista político e professor da Universidade de La República. “O governo não estava disposto a assumir as recomendações dos cientistas se estes ameaçassem ir contra o discurso ideológico liberal. Lacalle Pou apelou à ‘liberdade responsável’ e aumentou o imposto sobre os rendimentos elevados do Estado, não tocou o mundo privado". López Burian acrescenta: “o governo recebeu um Estado sólido, com proteção social robusta”.
Paula Vázquez, 43 anos, saiu para votar e afirmou que sua ideologia estava mais alinhada com a da Frente Ampla. “Compartilho mais os pensamentos, as propostas, o modo de vida, da Frente, da esquerda, toda a parte da abordagem das questões sociais, da saúde e da educação”. A pediatra sustentou que “tem havido mais atrasos nas enfermarias de saúde, tem havido uma maior diminuição de recursos em termos de medicação, o acesso à paraclínica tem sido muito mais atrasado”, mas ainda assim acredita que cinco anos é demasiado pouco para destruir coisas que são bem feitas.
Em Pocitos, zona tranquila de Montevidéu, Milagros, uma advogada que pediu para não usar o sobrenome “porque trabalho para uma multinacional”, votou em Delgado. “Tem sido um governo excelente no manejo da pandemia, no nível educacional e no aumento da empregabilidade”. Outra advogada chamada Adriana Calvo concordou com seu voto branco. “Voto no Delgado porque quero a continuidade deste governo, que para mim foi muito bom. Em tudo, a questão da covid-19, a segurança melhorou, apesar de dizerem que está mau neste momento, mas é mais do que nada para o tráfico de drogas, certo? No plano social o país é muito melhor, pelo menos do que pensam países como a Argentina, que sempre nos parabeniza por esse governo".
No fim das contas, ficou claro que a maioria deste lado da lagoa apostava mais uma vez num projeto que promete melhorar as condições de vida dos mais desfavorecidos.
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Orsi venceu e a Frente Ampla governa novamente o Uruguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU