21 Novembro 2024
O candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi, leva vantagem nas pesquisas. O elevado número de indecisos e a ausência de maiorias no parlamento e no senado marcam estas eleições.
A reportagem é de Martina Di Paula López, publicada por El Salto Diário, 21-11-2024.
No dia 27 de outubro, o Uruguai concluiu sua “maratona eleitoral” com uma nova distribuição das duas câmaras – senadores e deputados – e a rejeição da população aos dois plebiscitos. Nem a votação da reforma da Previdência proposta pelo PIT-CNT (Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores) em conjunto com diversos setores da Frente Ampla, partido que unifica a diversidade da esquerda, nem a votação do os Night Raids, propostos pelo Partido Nacional, atualmente no poder e cujos resultados no primeiro turno estão muito aquém das expectativas.
Os resultados das duas câmaras mostram um equilíbrio difícil. No Parlamento encontramos 48 representantes da Frente Ampla (FA), 29 do Partido Nacional ou Branco (PN), 17 do Partido Colorado (PC), dois do Cabildo Abierto (CA), dois da Identidade Soberana (IS) e um do Partido Independente (PI). No Senado a maioria é da FA com 16 deputados, seguida de 9 do PN e 5 do PC. O que esses números nos dizem? Que nos encontramos numa situação muito inusitada para um país com um Parlamento onde não há maioria de nenhum dos blocos.
Tendo um sistema eleitoral presidencialista e não tendo alcançado maioria suficiente no primeiro turno, no segundo ou também denominado Votação do dia 24 de novembro, serão escolhidos os dois candidatos presidenciais mais votados, Yamandú Orsi da Frente Ampla e Álvaro Delgado da o Partido Nacional. Os quase três milhões e meio de uruguaios votarão na fórmula presidente-vice-presidente entre Yamandú Orsi-Cristina Cosse e Álvaro Delgado-Valeria Ripoll. As perspectivas são as esperadas, um segundo turno competitivo com tendência favorável para a Frente Ampla e com a probabilidade de que, como em 2019, a vitória seja definida por uma margem estreita.
O debate eleitoral do último domingo, 17 de novembro, mostrou dois homens brancos, com mais de 55 anos e ternos, debatendo em tom sereno sobre o futuro do país. Este foi o único debate exigido pela lei da campanha eleitoral, fundamental numa eleição onde a decisão final continua a depender de votos indecisos. Nas duas horas que durou, foram abordados cinco blocos: desenvolvimento humano (saúde, habitação, cultura...), segurança, economia, educação e trabalho. O candidato Álvaro Delgado encerrou a sua última intervenção no debate afirmando que “aqui as pessoas podem comparar dois modelos de país e de liderança”. E ao longo do debate ficou clara a visão empresarial do candidato branco relativamente à governação do país, destacando o que foi feito na legislatura anterior face à longa lista de propostas sociais do progressista Orsi. Ambos concordaram com o lema “governar para todos os uruguaios” e que quem for eleito presidente deverá continuar apoiando o diálogo com os demais partidos.
A correlação de forças no Parlamento já está definida e nenhum dos dois blocos tem maioria. A Frente Ampla (FA) como representação da esquerda, por um lado, e a multicolorida coalizão conservadora – se for formada novamente – por outro. O Partido Blanco (Nacional) e o Partido Colorado como principais partidos, juntamente com o Cabildo Abierto (CA) e o Partido Independiente (PI) unem forças neste segundo turno presidencial como um bloco conservador, apesar de não compartilharem muitas posições. São dois direitos diferentes, que arrastam um governo com vários casos de corrupção.
O que os une e em que se baseia a campanha é “não ser esquerdista”. Marcela Schenck, cientista política da Universidade da República, estudou como a fórmula progressista Orsi-Cosse está mais consolidada do que a fórmula conservadora Delgado-Ripoll, embora o elemento identitário que une a coligação seja cada vez mais importante: “fazer parte da coalizão.” “Não é da FA.” A união é o confronto com a Frente Ampla como partido que une as diferentes posições de esquerda. O senador nacionalista Sebastián da Silva publicou no X (antigo Twitter) uma imagem que dizia “Voto da coalizão. Meu país sem esquerda” com a mensagem “É assim que vai ser”. Mais tarde, ele excluiu o tweet.
Schenck tem estudado as mudanças desde a legislatura anterior para compreender este novo panorama. Por um lado, há menos partidos com representação do que após as eleições de 2019, pois “embora um novo partido tenha entrado nestas eleições, há outros dois que já não têm deputados”. Todos os partidos da próxima legislatura já tinham representação, excepto a Identidade Soberana (IS) como partido que recuperou o voto anti-sistema anteriormente recolhido pelo Partido Animalista Verde. Por outro lado, o Cabildo Abierto (CA), que parecia o partido da direita – militar – dos brancos e vermelhos, perdeu representação numa das câmaras e tornou-se um partido pequeno na outra. As razões que Schenck analisa são “a perda do factor novidade para os eleitores, o custo de governar, a postura rebelde face à liderança do Presidente Luis Lacalle Pou, as divisões internas e o distanciamento dos líderes”. Também “uma oferta mais conservadora de vários atores do sistema, que contestaram a visibilidade da CA naquele espaço”.
Eduardo Bottinelli, sociólogo da Universidade da República (Udelar) e diretor da Factum, também aponta a Identidade Soberana (SI) como um ator-chave fora dos blocos, o que deu lugar a “uma formação parlamentar sem precedentes nos últimos anos, desde a A FA tem maioria própria no Senado, mas nem a FA nem a soma dos partidos da coligação têm maioria nos Deputados.” Em suma, parece que “os pequenos partidos terão um papel central”, situação muito nova no modelo de governo uruguaio. Bottinelli explica que “estamos a meio caminho entre o que foi a eleição de 2014 [com maioria da Frente Amplista] e o que foi em 2019 [com a perda de poder da FA contra a coalizão conservadora após 15 anos de governo]” ver que a FA recupera votos e a soma dos partidos da coligação diminui.
E o Partido Nacional nunca se saiu tão mal numa eleição. Muitos centram a explicação na eleição do candidato à vice-presidência Ripoll, um conhecido sindicalista que deu uma guinada ao ingressar no Partido Nacional há um ano. Além disso, o Partido Colorado ganha nova relevância graças ao seu ex-candidato presidencial, Andrés Ojeda, que conseguiu se conectar com o eleitorado jovem com uma campanha fortemente baseada nas redes sociais. Mateo Guarnaschelli, jornalista uruguaio que tem acompanhado toda a campanha eleitoral, analisa os três aspectos do programa do Partido Nacional se são melhorias ao que já foi feito nesta legislatura, orientações gerais e promessas. Encontramos propósitos como “continuar a avançar na adaptação e mitigação das alterações climáticas” e “a defesa dos direitos humanos não é uma opção, mas um imperativo”, que contrastam com o aumento dos salários dos militares ou a construção de uma prisão. de segurança máxima no âmbito da estratégia de colocar a segurança no centro.
O desafio da Frente Ampla é superar a base de 44% obtida no primeiro turno para chegar ao governo. Do partido declaram que “a Frente venceu pela primeira vez em alguns departamentos”, sinal de que a visita de Orsi às cidades e a estratégia “voto a voto” podem estar a surtir efeito. Esta estratégia “voto a voto” centra-se em bairros e territórios específicos que procuram eleitores indecisos. Os possíveis eleitores da FA neste segundo turno estão nos votos do Partido Colorado, desencantado com a liderança da coalizão feita pelo atual presidente Lacalle Pou, nos que votaram pela reforma da Previdência mas não na FA e nos quem Eles votaram na Identidade Soberana (SI). Além disso, a complementaridade entre o candidato presidencial e o candidato a vice-presidente é altamente valorizada, destacando a “atitude dialógica” do candidato da Frente Ampla, Yamandú Orsi. No entanto, as divisões dentro do partido continuam por superar, cristalizadas no plebiscito sobre a segurança social.
Schenck destaca que “nesta eleição tivemos uma elevada percentagem de votos em branco e anulados: 4,9%”, com a particularidade de parte deste voto em branco ter sido posicionado numa das consultas populares (batidas nocturnas ou segurança social). Isto é tomado como “um possível sinal de alerta em relação ao descontentamento com o que os partidos representam”. Em suma, parece que, tal como no primeiro turno, o resultado depende mais uma vez dos votos indecisos. Segundo as últimas pesquisas divulgadas, entre os que não votaram nem no Partido Nacional nem na Frente Ampla em outubro, 38% votariam na FA, 24% no PN e há 38% de votos indefinidos. Isso pode se traduzir em uma vitória da FA. A pesquisa da Opción Consultores mostra que a Frente Ampla tem 48,5% de intenção de voto, o PN tem 45,1% e 6,3% seriam votos em branco ou anulados. Se aprofundarmos os dados de quem votou na coligação para além do Partido Nacional, encontramos 82% dos votos que iriam para Delgado na segunda volta, 12% para Orsi e 6% indefinidos. A pesquisa anterior da Central de Percepção Cidadã estimou que 46% votariam em Orsi e 43% em Delgado.
Para a leitura das pesquisas foi realizada uma análise com base nas 36 pesquisas de intenção de voto publicadas pelas empresas Equipos Consultores, Cifra, Opción Consultores, Del Plata, Factum e Nómade, em 1º de abril de 2024. Essa estimativa dá 48 % para Orsi, 44% para Delgado e dá aos indecisos, votos em branco e anulados 8%. A chave do resultado estará neste último.
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Esquerda começa como favorita no segundo turno das eleições no Uruguai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU