12 Novembro 2024
As bombas atômicas lançadas em agosto de 1945 sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki marcaram de forma irreversível as modalidades da guerra contemporânea que foram se aperfeiçoados no viés atômico nos últimos oitenta anos. E então?
O artigo é de Alberto Olivetti, pintor italiano, publicado por no Il Manifesto, 08-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, citando o poeta John Donne (1572-1631), "a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Não costumava acontecer, mesmo no passado recente, que as guerras em sua ferocidade diária fossem pontualmente documentadas como são hoje. Não podem ser comparadas às campanhas fotográficas e as filmagens feitas na década de 1940 nos fronts militares da Segunda Guerra Mundial com o que mostram as reportagens e os vídeos transmitidos nos telejornais de hoje. Sem parar, as imagens de massacres e devastação são transmitidas dia após dia, quase no exato momento em que a violência assassina está em ação.
Os teatros de guerra se expandem. Enquanto continuava o conflito armado que desde 24 de fevereiro de 2022 coloca os exércitos da Federação Russa e da Ucrânia um contra o outro e, a partir de 7 de outubro de 2023, a guerra que explodiu no Oriente Médio. E assim, nos últimos três anos, imagens de morte têm passado diante de nossos olhos diariamente.
De uma hediondez ainda maior, se possível, tivemos no último ano um testemunho chocante do andamento dos fatos bélicos da guerra feroz no Oriente Médio. Antigas disputas, inimizade crescente, vinganças que geram ódios implacáveis colocam israelenses e palestinos uns contra os outros e, há mais de cem anos, repetidos confrontos, desde os mínimos e pessoais até os gerais e compartilhados, cobrem de sangue as regiões do Antigo Testamento. De uma forma que não deixa dúvidas, há doze trágicos meses os dois contendores vêm adotando uma estratégia norteada pelos princípios da Endlösung, ou seja, o extermínio final e a aniquilação do adversário. Uma estratégia que exige operações táticas voltadas para o puro massacre do inimigo. E o inimigo não é reconhecido como tal porque possui um território ou exerce leis julgadas injustas ou causa ofensa e, portanto, deve ser combatido até vencê-lo e o obrigar a se dobrar às nossas razões. Não, a vitória está na aniquilação do inimigo. Ele deve ser apagado do mundo. O inimigo é um povo inteiro.
Então, matar, junto com os armados, os indefesos. Trucidar as crianças, as mulheres, os idosos perseguidos casa por casa, às dezenas e dezenas de milhares. Derrubar fábricas, hospitais, escolas. Devastar campos, estradas, portos, aquedutos, ferrovias. Arrasar vilarejos e cidades e queimar seus habitantes como em uma desinfestação radical.
Essa cena apocalíptica se desenrola diante de nossos olhos. De manhã, com a xícara de café; à noite, com a xícara de chá de camomila.
Os filósofos ensinam que só temos conhecimento de nossa própria morte se a assumirmos na morte dos outros. É claro acontecerá a cada um de nós morrer. E é certo que se morre de muitas maneiras. Agora, todos os dias vemos homens sendo mortos enquanto realizam suas atividades pacíficas cotidianas, como nós mesmo fazemos todos os dias. Pergunto: é essa morte, esse morrer sob os escombros de nossa casa bombardeada, então, que também está reservado para nós? Essa é uma pergunta (que para o bom senso pareceria taxativa) que não parece surgir espontaneamente entre aqueles que, nos últimos três anos, escutam os boletins diários das guerras e constatam suas horrendas carnificinas. Não deveríamos nos tranquilizar dizendo, insensatamente, que os bombardeios estão longe dos nossos prédios, dos nossos hospitais e das escolas das nossas cidades. Não é do conhecimento de todos nós que uma densa rede de dispositivos militares envolve todo o planeta e que os meios de destruição podem ser acionados a qualquer momento e atingir todos os cantos dos cinco continentes?
As bombas atômicas lançadas em agosto de 1945 sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki marcaram de forma irreversível as modalidades da guerra contemporânea que foram se aperfeiçoados no viés atômico nos últimos oitenta anos. E então?
Meu pensamento se volta para o famoso poema de John Donne (1572-1631), que convido o leitor a reler comigo. “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; cada ser humano é uma parte do continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa ficará diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
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“A morte de cada homem me diminui”. O artigo é de Alberto Olivetti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU