11 Novembro 2024
Nesta segunda-feira começa a XXIX Cúpula sobre a Mudança Climática das Nações Unidas, um encontro crucial para frear uma mudança climática que fará de 2024 o ano mais quente da história humana, superando o ano passado.
A reportagem é de Pablo Ribas, publicada por El Salto, 11-11-2024.
Não é uma constatação absoluta, pois faltam pouco menos de dois meses para o fim do ano, mas é oficial que estamos caminhando diretamente para isso, sem margem de dúvida. É o que afirma o Serviço de Mudança Climática Copernicus do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas, especializado em monitorar as mudanças globais nas temperaturas do ar e do mar: “2024 será, com toda certeza, o ano mais quente e o primeiro acima de 1,5°C”. O anúncio foi feito após a adição dos dados anuais de outubro, o segundo mês de outubro mais quente da história em nível global, com uma temperatura 1,65°C acima do nível pré-industrial, sendo o décimo quinto mês em um período de 16 no qual a temperatura média global do ar na superfície superou 1,5°C.
O número é crucial, pois 1,5ºC é o limite a ser evitado, estabelecido no Acordo de Paris, adotado na COP21 de 2015 pelas 195 nações que então formavam — hoje são 197 — a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (UNFCCC), o instrumento criado pela humanidade para enfrentar a maior ameaça à sua existência. Quase uma década depois e após sete Cúpulas do Clima (COP), ainda restam várias áreas do acordo a serem desenvolvidas. Além disso, enquanto a crise climática se acelera, como mostram os eventos recentes, o Acordo de Paris já está desatualizado, razão pela qual o foco das últimas cúpulas tem sido aumentar a ambição climática.
Uma cúpula financeira para um planeta em chamas Embora as palavras sejam sempre cruciais — recorde-se o acalorado debate na COP28 sobre incluir ou não o conceito de “abandono dos combustíveis fósseis” no texto final —, o financiamento necessário para conter a crise climática sempre é um dos temas centrais. Na COP29, ou Cúpula das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Baku, que ocorre de 11 a 22 de novembro, no entanto, é o tema, o que já lhe rendeu o título de “cúpula financeira”.
O Fundo Verde para o Clima é o principal instrumento acordado pelas Partes da UNFCCC para ajudar os países em desenvolvimento com adaptação e mitigação das mudanças climáticas. O montante que deveria ser arrecadado, principalmente pelos países do norte global, foi estipulado já em 2010 em 100 bilhões de dólares anuais entre 2020 e 2025, embora esse valor só tenha sido atingido em 2023, segundo dados preliminares ainda a serem confirmados. Agora, o debate gira em torno de como continuará o financiamento a partir de 2026. Para isso, foi criado um novo instrumento, o Novo Objetivo Coletivo Global Quantificado (NCQG). Muitas das discussões girarão em torno desse objetivo.
“Uma das poucas coisas em que parece haver consenso é que o financiamento precisa escalar de trilhões — no sentido anglo-saxão, onde um trilhão equivale a 1.000 bilhões — a quatrilhões”, aponta Javier Andaluz, responsável de Clima e Energia da Ecologistas em Ação, que já está em Baku para participar da COP. Embora a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, tenha estimado em três trilhões de dólares — no sentido usual do termo em português — anuais os necessários para o Fundo Verde, organizações do movimento climático mencionam um valor entre essa quantia e oito trilhões.
Além disso, em termos de financiamento público, “deve haver um mínimo de um trilhão, com uma meta aspiracional de entre três e cinco trilhões”, acrescenta Andaluz, que irá a Baku também em representação da Aliança pelo Clima. É uma quantia similar à que exigem outras organizações da sociedade civil focadas na luta climática: Pascale Hunt, da 350.org, ressalta que esta COP deve estabelecer “um novo objetivo de financiamento climático que deve chegar a pelo menos um trilhão de dólares em financiamento público, baseado em subsídios e nas necessidades financeiras, climáticas e sociais das nações em desenvolvimento do Sul Global”.
O Norte global, sua responsabilidade climática histórica e as consequências no Sul Claro, quem arca com o dinheiro é outro dos problemas centrais. É um clássico das cúpulas climáticas que as grandes potências ricas do norte tentem desviar sua responsabilidade financeira buscando envolver o financiamento privado. É o caso dos EUA, Japão e Austrália. E se o Norte global não contribui com sua parte, China, Índia e outras potências emergentes utilizam esse argumento para não acrescentar dinheiro extra a um Fundo Verde que precisa de recursos de todas as partes.
“Provavelmente, essa decisão sobre o quantum [a quantia final destinada ao Fundo Verde] será agonizante e de última hora, como estamos tão acostumados nas COP”, aponta Andaluz. Este ativista e especialista nas negociações das cúpulas climáticas acrescenta que “isso vai gerar uma enorme desconfiança e a guerra de blocos entre o Norte e o Sul global vai se repetir, além de agora, com a eleição de Trump, isso ser muito pior, e a verdadeira razão de tudo isso é que não existe um compromisso real para aportar esse financiamento necessário”. E financiamento necessário, neste caso, significa multiplicar por dez as contribuições, se se quiser aportar um trilhão de dólares, a quantia mínima indicada pelo Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível sobre Financiamento Climático para 2025 (para 2030 seriam 2,4 trilhões, excluindo os gastos com a China).
“À medida que aumentam os custos humanos da inação, os trilhões em subsídios que a indústria de combustíveis fósseis recebe e os lucros que ela obtém eclipsam o financiamento climático para os países do Sul Global”, aponta a esse respeito Tracy Carty, especialista em política climática da Greenpeace Internacional. “O NCQG deve corrigir essa injustiça e fazer com que os poluidores paguem pelos danos e prejuízos que causaram”.
No caso espanhol, a quantia vigente anunciada por Pedro Sánchez na COP26 de Glasgow é de 1.350 milhões. Com os novos objetivos, o Estado espanhol deveria aportar 13.500 milhões anuais, embora as organizações ambientalistas denunciem que, por enquanto, “não há nenhum sinal nem nenhum movimento por parte do Governo espanhol”, conforme indicam da Ecologistas en Acción, para ampliar a quantia.
No plano europeu, não ajuda a anunciada ausência da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que, nos últimos tempos, tem feito concessões à direita e à extrema direita em matéria ecológica e climática. Para Sven Harmeling, responsável pelo Clima do Climate Action Network Europe, “a ausência de Von der Leyen é notável, mas o que importa agora é que a delegação da UE em Baku assuma compromissos ousados, especialmente em relação ao financiamento da luta contra as mudanças climáticas e à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis”. Também não estará presente outro peso pesado europeu, o chanceler alemão Olaf Scholz, após a crise governamental derivada da ruptura, nesta sexta-feira, da coalizão semáforo que mantinha o Executivo alemão.
Tempos que se esgotam e crises que se aceleram Diante da aceleração da crise climática, que se junta à escalada de crises sociais, geopolíticas e financeiras que o mundo atravessa, a necessidade de compromissos e ações concretas na COP29 parece mais urgente do que nunca. A expectativa sobre o que se decidirá em Baku deve ser encarada com realismo, visto que a história tem mostrado que as grandes palavras são sempre acompanhadas de uma falta de ação efetiva quando se trata de destinar recursos. “O número de vidas perdidas e as catástrofes nos últimos anos são imensos, mas, para além disso, está em jogo a nossa própria existência”, alerta Andaluz, concluindo que “a desigualdade de responsabilidades entre o Norte e o Sul não é uma questão de justiça moral, mas de sobrevivência humana”.
No entanto, em 2023, a humanidade atingiu um novo recorde de emissões, que foram 1,4% superiores aos níveis pré-pandemia, o que dá uma ideia do imenso caminho a percorrer e do que está em jogo em Baku. Na mesma linha, o país que foi anfitrião da última COP, os Emirados Árabes Unidos, outra nação petrolífera como o Azerbaijão, foi um dos primeiros a anunciar seus planos atualizados de redução de emissões, indicando que reduzirá suas emissões em 47% até 2035, uma cifra bem distante dos objetivos necessários para cumprir com Paris.
O Balance Global, ou Global Stocktake, é o instrumento do Acordo de Paris pelo qual são monitorados os esforços de cada país para reduzir suas emissões, implementados em planos nacionais chamados Contribuições Determinadas a Nível Nacional ou NDC. Nesse processo, a COP29 tem como missão incorporar indicações claras para que os compromissos dos países que devem ser apresentados na COP30 incluam compromissos claros para tornar possível o cumprimento do Acordo de Paris.
“Nesta COP29, serão debatidas algumas observações adicionais sobre os NDCs, requisitos que podem ser interessantes de se ter. É fundamental pressionar para que esses planos estejam alinhados com a ciência e com o objetivo de manter o aquecimento abaixo de 1,5ºC em média”, aponta Sofía Fernández, da Área de Clima e Energia de Ecologistas en Acción, que também se deslocou para Baku.
Além disso, a COP29 tem como objetivo fechar um capítulo que vem sendo debatido em várias cúpulas, mas no qual ainda não há acordo: a criação de um mecanismo para enfrentar as perdas e danos já causados pela crise climática, que se tornaria o terceiro pilar das finanças climáticas, após os fundos existentes para mitigação e adaptação. A criação desse mecanismo foi aprovada na COP27, mas a COP28 não conseguiu um acordo completo para o desenvolvimento real de um Fundo de Perdas e Danos, além de sua criação formal.
Embora o Norte global defendesse a gestão do fundo pelo Banco Mundial (BM), o Sul desconfiava dessa instituição, financiadora histórica da indústria fóssil controlada pelas grandes potências e baseada em um modelo de empréstimos. Ainda assim, o BM foi escolhido para gerenciá-lo temporariamente, como uma concessão do Sul, para que o Fundo continuasse a avançar. Agora, a COP29 deve ser um fórum que amplie o financiamento desse Fundo e consiga que as Perdas e Danos se mantenham como ponto central da agenda, frente à inércia e aos interesses dos países do Norte, que preferem deixar esse tema em espera.
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COP29, a cúpula mais crítica no ano em que a Terra ultrapassará 1,5ºC de aquecimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU