17 Outubro 2024
Israel pode vencer todas as batalhas contra os palestinos por gerações, mas nunca vencerá uma guerra que os subjugue para sempre. Tanto uns quanto os outros deveriam reconhecer a inevitabilidade da coexistência
O artigo é de Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais no Center for Global Affairs da New York University, publicado por Chiesa di Tutti Chiesa dei Poveri, 11-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ano que se passou desde o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 e a retaliação de Israel que se seguiu mostrou mais uma vez que nenhum dos lados aprendeu nada com décadas de horrível violência, enquanto continuam a se equivocar quanto às intenções e decisões um do outro.
As relações entre israelenses e palestinos chegaram ao seu ponto mais baixo. Nunca, desde a fundação de Israel em 1948, haviam chegado a tamanho derramamento de sangue em uma tentativa de destruição completa um do outro.
Tanto Israel quanto o Hamas calcularam mal as intenções do adversário do qual decidiram se livrar ao longo dos anos. Os repetidos confrontos e as guerras ao longo das décadas não mudaram nada, apenas envenenaram uma geração após a outra e plantaram as sementes para o seguinte ciclo de violências, que levou ao terrível ataque de 7 de outubro.
Embora o Hamas esperasse uma grande retaliação por parte de Israel, calculou muito mal o ponto até onde Israel iria em resposta à selvageria sem precedentes infligida pelo Hamas às comunidades civis israelenses em um dia sagrado que evocava as terríveis lembranças do Holocausto. O cruzamento dessa linha vermelha rompeu qualquer restrição à destruição do Hamas por parte de Israel.
Por sua vez, Israel subestimou a capacidade do Hamas de realizar um semelhante ataque. Israel subestimou a resiliência e as capacidades de combate do Hamas, algo que o primeiro-ministro Netanyahu deveria saber, tendo possibilitado ao Hamas armar-se, treinar dezenas de milhares de combatentes e construir centenas de quilômetros de túneis, dando-lhe tempo para se preparar para realizar um ataque tão violento.
Por sua vez, o Hezbollah calculou mal as intenções e a estratégia de Israel. Embora logo após o início da guerra de Israel contra o Hamas, o Hezbollah tenha saído em defesa do Hamas empenhando Israel em um violento confronto, calculou mal a abordagem que melhor se adequava à estratégia de Israel. Deu a Israel o tempo necessário para dizimar as forças de combate e as infraestruturas do Hamas, permitindo que ele voltasse sua atenção para o Hezbollah.
Por fim, o Hezbollah subestimou irremediavelmente o poder tecnológico e a capacidade insuperável de inteligência de Israel, que lhe permitiram “eliminar” a maioria de seus comandantes de alto escalão, entre os quais o secretário-geral do Hezbollah, Nasrallah, e paralisar a capacidade de combate da organização, pelo menos nesta fase do conflito. O Irã percebeu rapidamente que seus pesados investimentos no Hamas e no Hezbollah ao longo dos anos não renderam os benefícios esperados. O Irã também amargamente percebeu que seus arsenais, feitos de mísseis balísticos e drones, não são páreo para os sistemas de defesa aérea de Israel e que seus sistemas de defesa aérea são ineficazes diante da superioridade da Força Aérea israelense e dos mísseis de precisão que podem penetrar em seu espaço aéreo impunemente.
Os EUA também tiveram sua parcela de erros de cálculo.
O governo Biden apoiou firmemente Israel, mas não teve nenhuma estratégia sobre como encerrar o conflito antes que engolfasse toda a região. Os EUA cumpriram seu empenho de proteger a segurança nacional de Israel, mas permitiram que Israel, tanto no governo republicano quanto no democrata, agisse conforme seu arbítrio contra os palestinos, ignorando o fato de que a verdadeira segurança nacional de Israel estaria na paz entre israelenses e palestinos.
Fiz essa breve análise dos erros de cálculo cometidos por todos os lados, diretos e indiretos, no conflito para mostrar que, independentemente de como essa guerra contra o Hamas e o Hezbollah termine, pouca coisa mudará na dinâmica do conflito israelense-palestino, a menos que ambos os lados aceitem a inevitabilidade da coexistência. Embora o Hamas esteja agora militarmente paralisado, continua sendo uma organização vital e se reconstituirá, simplesmente porque Israel não pode erradicar um movimento nacionalista. Um número cada vez maior de palestinos aplaudiu o ataque do Hamas porque não via outra maneira de pôr um fim aos seus sofrimentos a não ser se rebelando contra a ocupação israelense.
Uma nova geração de palestinos está agora pronta para continuar a luta contra Israel e passará o bastão para a geração seguinte até que os palestinos realizem sua aspiração de obter um Estado.
Israel pode vencer todas as batalhas contra os palestinos por gerações, mas nunca vencerá uma guerra que subjugue os palestinos para sempre. Os palestinos estão lá para ficar, e nenhum poder ou circunstância os fará sair. Israel precisa chegar a um acordo sobre os direitos dos palestinos. Se há algo que os israelenses deveriam ter aprendido nos últimos 57 anos, é que a ocupação não é e nunca será sustentável.
Mais de sete milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia, em Gaza e em Israel, ou seja, um número quase igual ao dos judeus israelenses, jamais aceitarão ser submetidos aos ocupantes, reduzidos a um status de segunda classe, por mais dolorosa e longa que seja a luta contra Israel.
Da mesma forma, embora o Hezbollah saia ferido e derrotado do atual confronto violento com Israel, ele também se reorganizará e se preparará para a próxima rodada de hostilidades até que seja encontrada uma solução para o conflito israelense-palestino.
A experiência de Israel com o Hezbollah nas últimas duas décadas oferece uma boa lição para todos os israelenses: enquanto o Irã considerar o Hezbollah como a primeira linha de defesa contra os ataques israelenses e/ou estadunidenses em seu território, Teerã continuará a financiar e armar o Hezbollah, independentemente da extensão de suas perdas no conflito.
O Irã também perceberá, caso ainda não tenha aprendido, que sua aspiração de destruir Israel não passa de um perigoso pesadelo. O Irã deve se reconciliar com a realidade irrevogável de Israel e entender que qualquer ameaça crível à existência de Israel equivale a um suicídio. O Irã teve a oportunidade de assistir a como os dois principais membros de seu “Eixo de Resistência” se saíram: o Hamas foi dizimado e o Hezbollah está desmoronando diante de seus olhos.
Por fim, chegou a hora de os EUA compreenderem que, embora seu férreo empenho pela segurança israelense seja necessário não apenas para proteger Israel, mas também para salvaguardar seus interesses estratégicos na região, eles precisam parar, deixar de pregar a solução dos dois Estados e começar a agir de acordo.
Os EUA deveriam condicionar seu apoio político, militar e financeiro contínuo a Israel ao fato de o país avançar seriamente em direção a uma solução.
Em última análise, o empenho incondicional dos EUA à segurança de Israel não produziu a paz. Apenas prolongou o conflito israelense-palestino, enquanto Israel confiou no apoio incondicional dos EUA durante suas quase seis décadas de brutal ocupação.
A pergunta é: será que Israel, os palestinos e os atores que os apoiam aprenderam alguma coisa do ataque do Hamas de 7 de outubro? Se não o fizerem, o terrível ataque do Hamas e a retaliação israelense permanecerão como apenas mais um trágico capítulo nos anais sombrios e tristes do conflito israelense-palestino.
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Israel, Estados Unidos, Hezbollah, Irã: tantos erros para uma guerra infinita. Artigo de Alon Ben-Meir - Instituto Humanitas Unisinos - IHU