12 Setembro 2024
A delegação da CGT será presidida por Héctor Daer e Pablo Moyano. Na mesma semana, o Papa falará num simpósio com representantes de movimentos sociais do mundo inteiro, encontro no qual também estará presente Juan Grabois.
A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página|12, 12-09-2024.
Ao retornar da viagem mais extensa e desgastante de seu pontificado, um percurso de 32.814 quilômetros, em que visitou quatro países da Ásia e da Oceania durante doze dias, o Papa Francisco terá um encontro com os principais dirigentes da CGT argentina. Uma delegação liderada por dois dos três secretários-gerais do sindicato dos trabalhadores, Héctor Daer (saúde) e Pablo Moyano (caminhoneiros), aos quais se juntará Maia Volcovinsky (judiciário), chegará à residência papal em Santa Marta no início da próxima segunda-feira, Marina Jaureguiberry (SADOP), Andrés Rodríguez (UPCN), Gerardo Martínez (UOCRA), José Luis Lingeri (Obras Sanitárias) e Rodolfo Daer (alimentação). Embora durante os seus anos no Vaticano o Papa tenha recebido líderes sindicais individuais em diferentes momentos, esta é formalmente a delegação com o mais alto nível de representatividade do movimento operário organizado que se reúne com Francisco em Roma.
A audiência estava prevista há muito tempo, mas surge num momento em que a relação entre a CGT e o governo de Javier Milei se encontra num ponto de grande tensão visto que, mesmo no meio de algumas divergências internas, a direção sindical avança em solidariedade com outros setores da sociedade, como os aposentados e a educação, que também sofrem ataques da administração de La Libertad Avanza (LLA), e quando o governo acelera para aprovar uma reforma na legislação trabalhista.
É sabido que, para além das suas obrigações como autoridade máxima da Igreja Católica, Francisco não descura o que se passa na Argentina, acompanha de perto as informações e, em certas ocasiões, produz gestos de forte impacto político. Um evento de relevância política ocorreu no dia 12 de junho, quando recebeu Juan Pablo Brey, secretário-geral da Associação Argentina de Aeronautas e concordou em ser fotografado com o líder atrás de uma bandeira da Aerolíneas Argentinas no momento em que se debatia a possível privatização da companhia aérea no âmbito do chamado “lei básica”. Por fim, a Aerolíneas foi retirada da lista de empresas a privatizar, mas nos últimos dias, face às reivindicações dos trabalhadores por reajustes salariais, a questão de uma possível privatização voltou a ser levantada como uma ameaça.
No dia 7 de agosto, em meio ao escândalo gerado pela visita dos legisladores da LLA aos genocidas presos em Ezeiza, o Papa recebeu Anita Fernández, filha de Ana María Careaga e neta de Esther Ballestrino de Careaga, na residência de Santa Marta, desapareceu durante uma operação clandestina cuja inteligência anterior estava a cargo de Alfredo Astiz. “Não desistam, preservem a memória”, disse aos visitantes, no que foi lido como um apoio à luta das organizações que defendem a Memória, a Verdade e a Justiça.
Jorge Bergoglio receberá agora da direção sindical um documento que resume a posição da CGT relativamente à política económica do governo e que analisa também as dificuldades enfrentadas atualmente pelos trabalhadores. Nem a questão da reforma trabalhista, um dos assuntos que mais preocupa os sindicalistas, ficará de fora do diálogo com o pontífice. Haverá uma foto conjunta e isso já implica uma mensagem política. Contudo, dado o nível de representação da delegação que chega de Buenos Aires, presume-se que não será apenas uma visita protocolar.
Enquanto foi arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio manteve uma relação assídua com a direção sindical, embora em alguns momentos não tenha poupado críticas ao funcionamento das organizações sindicais. No seu ensinamento de Roma, o Papa Francisco reafirmou a importância dos direitos dos trabalhadores no quadro da doutrina social da Igreja e insiste na sua pregação a favor dos direitos dos pobres e daqueles descartados pelo sistema económico capitalista.
Poucos dias depois, na sexta-feira, dia 20, Francisco também liderará em Roma, um seminário no qual participarão representantes de movimentos sociais de todo o mundo e que será realizado em comemoração ao décimo aniversário do encontro que o Papa realizou em 2014 em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) com essas mesmas organizações.
Foi nessa ocasião que se popularizou a exigência dos “3Ts” (terra, abrigo e trabalho), que Bergoglio mais tarde incorporou como parte da sua pregação social.
O simpósio, cujo título é “Plantar a bandeira contra a desumanização”, é organizado pelo Dicastério (ministério do Vaticano) para o Desenvolvimento Humano e pelo Encontro Mundial dos Movimentos Populares (EMMP). Entre os participantes do evento está o líder argentino Juan Grabois, um dos fundadores da UTEP (Sindicato dos Trabalhadores da Economia Popular), neste caso na qualidade de assessor da organização vaticana que trata em particular de questões relacionadas com a a defesa dos direitos dos pobres e marginalizados.
Além do prefeito do dicastério organizador, cardeal Michael Czerny, estarão presentes também o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) do Brasil, João Pedro Stedile e o espanhol Xaro Castelló, do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos (MMTC).
Francisco terá a intervenção central no encontro e será também apresentado um livro que recolhe as mensagens do Papa ao longo dos últimos dez anos de diálogo com os movimentos populares de todo o mundo.
Segundo os organizadores, o simpósio será “uma boa oportunidade para refletir sobre o caminho percorrido neste período com os nossos colegas de todo o mundo, fincando a bandeira da justiça social e da paz na nossa casa comum”.
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Francisco, um encontro em Roma com a CGT e um seminário com movimentos sociais do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU