30 Agosto 2024
"Qualquer crítica ao governo de Israel é apontada como atividade antissemita ou de defesa dos terroristas do Hamas. A defesa de dignas condições humanas está acima de qualquer Gre-Nal a favor deste ou contra aquele. O que está em jogo são VIDAS!", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Desde o início da guerra, há dez meses, repórteres internacionais reclamam que não têm autorização para entrar em Gaza, “exceto para viagens raras e escoltadas organizadas pelo exército israelense”, para realizar o seu trabalho: reportar.
Setenta e uma organizações de comunicação e veículos da imprensa internacional endossaram carta elaborada pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas, dos Estados Unidos, pedindo que “Israel cumpra seus compromissos com a liberdade de imprensa, fornecendo à mídia estrangeira acesso imediato e independente em Gaza”.
Por que Israel proíbe a circulação da imprensa estrangeira em Gaza? O que é preciso esconder? Relatos de representantes de organizações que atuam na região são estarrecedores. Em entrevista à revista +972 e à Local Call, seis soldados, cinco sob anonimato, contaram, após serem dispensados do serviço ativo, o que viram em Gaza.
Viram uma paisagem de cadáveres de civis, deixados assim como morreram para apodrecerem ou servirem de carne para animais de rua. O exército se limita a escondê-los antes da chegada de comboios de ajuda internacionais, para que “não apareçam imagens de pessoas em estado avançado de decomposição”, relatou um dos soldados.
De vez em quando, admitiu outro entrevistado, “se veem cachorros andando por aí com partes de corpo em decomposição. Há um cheiro horrível de morte”. Um terceiro soldado contou que civis se dirigiam para as áreas por onde passavam os comboios de ajuda humanitária para procurar restos que pudessem cair dos caminhões. “No entanto, a política era de atirar em qualquer um que tentasse entrar” nesses corredores.
São relatos que confirmam o que testemunhas que trabalham no local, como médicos sem fronteiras, médicos palestinos, religiosos e representantes das Nações Unidas mostram ao mundo. Como é difícil distinguir os civis dos combatentes em Gaza, revelou ou soldado entrevistado pela +972, “todo homem entre 16 e 50 anos é suspeito de ser um terrorista”.
É isso que Israel precisa esconder! Uma relação que cresce dia a dia, o conflito em Gaza matou mais de 40 mil pessoas, incluindo 16 mil crianças – que, nas contas das forças de ocupação, elas seriam os terroristas de amanhã – e ferindo outras 88 mil pessoas. Eram todas terroristas do Hamas?
O consultor de saúde Dr. Bassam Abu Hamad, ao participar de uma conversa virtual promovida pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), informou que algo em torno de 70% das unidades de saúde em Gaza foram destruídas e que 400 mil pessoas com doenças crônicas ficaram sem tratamento. “A guerra não tem regras. Não há respeito pelos direitos humanos, e a matança é indiscriminada”, disse.
Onde fica a humanidade dos que se reportam às contribuições éticas, morais, espirituais, do arcabouço judaico-cristão que dá suporte à sociedade ocidental? Qualquer crítica ao governo de Israel é apontada como atividade antissemita ou de defesa dos terroristas do Hamas. A defesa de dignas condições humanas está acima de qualquer Gre-Nal a favor deste ou contra aquele. O que está em jogo são VIDAS!
Dá para acusar profetas do Antigo Testamento, que questionaram o comportamento do povo hebreu e de suas lideranças como uma atividade antissemita, embora essa ameaça não existisse na época? Não foi Daniel que ouviu a palavra do Senhor queixando-se da teimosia do povo? O rei Saul não foi questionado? O profeta Natã não se apresentou de dedo em riste diante de Davi? E quem se atreve a apontar o dedo para Netanyahu?
Ora, quantos já imploraram pela paz em Gaza? Quantos apelos são necessários para que as Forças Armadas Israelense (IDF) cessem sua ceifa de matanças? Quantos apelos o Papa Francisco terá que apresentar, ou quantas orações terá que erigir, para que seja atendido um cessar-fogo em Gaza? Quantos apelos o Conselho Mundial de Igrejas precisará emitir para que o povo palestino consiga retomar a normalidade? Quantos judeus ainda terão que levantar a voz contra essa matança? Quantos traumas, em ambos os lados, essa guerra entre primos já não provocou e como será o futuro das crianças que estão sem lar?
A conta é sem fim.
O fundamentalismo está presente nos dois lados. Teofacistas, reunidos no Partido Religioso Sionista e apoiadores de Netanyahu, encaram a guerra em Gaza como o prelúdio para o domínio total sobre a terra bíblica de Israel, que se estende do Rio Jordão ao Mediterrâneo. O Hamas define, na sua carta de fundação, em 1988, a terra da Palestina como um legado inalienável de acordo com a lei islâmica, uma habiz islâmico, como explica Shlomo Bem-Ami, doutor em História pela Universidade de Oxford, em matéria para a revista Nueva Sociedad.
É a religião sendo usada, mais uma vez entre tantas na História, para justificar a guerra, a matança, o extermínio. Enquanto persistirem tais fundamentalismos, a loucura no Oriente Médio não terá descanso.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Guerra no Oriente Médio elimina qualquer traço de humanidade. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU