16 Agosto 2024
"Agora é o momento das lágrimas por essa perda gravíssima, mas também de agradecimento a Deus por ter tido a oportunidade de percorrer um pedaço do caminho com ele", escreve Brunetto Salvarani, teólogo, escritor, professor de Teologia de missão e do diálogo na Faculdade Teológica da Emilia Romagna e nos institutos de ciências religiosas de Modena, Bolonha e Rimini, em artigo publicado por Rocca, n. 08, publicado por Setimanna News, 15-08-2024.
Morreu na noite entre 13 e 14 de agosto, em Roma, o teólogo valdense Paolo Ricca. Aluno de Oscar Cullmann e Karl Barth, Ricca havia participado como observador do Concílio Vaticano II, criando, ao longo dos anos de sua vida e estudos, um forte consenso ecumênico. Honramos sua memória através das lembranças e palavras do colega e amigo Brunetto Salvarani.
“Faz sentido falar sobre o além, sabendo que não sabemos nada a respeito? Desde a antiguidade mais remota, muitas teorias sobre o assunto foram formuladas, todas hipotéticas, algumas talvez mais plausíveis, outras menos, que merecem ser conhecidas antes de eventualmente serem descartadas. O fato incontestável de que não há certezas... não impede de considerar que algo, embora não seja certo, seja possível, começando pela possibilidade de que exista um além, no sentido de uma vida além da morte. Não há provas de que um além ou a vida após a morte existam, mas também não há provas de que não existam. O além não é certo, mas é possível”.
Assim se expressava, na ocasião da publicação de um de seus livros preciosos intitulado Dell’aldilà e dall’aldilà e publicado pela Claudiana em 2018. Enquanto, há poucas semanas, ao ser questionado sobre como estava, respondeu:
“Estou bem, obrigado, estou em pé. À minha idade (88 anos completos) isso não é garantido, e cada dia é recebido e vivido como um presente, se estiver em boas ou pelo menos discretas condições de saúde... Certamente, o peso dos anos, como se diz, é sentido. Mas a vida continua sendo um milagre cotidiano. Cada despertar matinal é uma parábola da ressurreição dos mortos. No Novo Testamento, o mesmo verbo ‘despertar’ descreve tanto o despertar diário do sono quanto o definitivo da morte...”.
É impossível para mim não relembrar essas reflexões realistas agora que Paolo Ricca faleceu, em um luto unânime cujas marcas são perceptíveis também nas redes sociais, e que pode constatar diretamente o que se perguntava no subtítulo desse volume: O que acontece quando se morre?
Devo admitir, entretanto, que me é difícil pensá-lo no passado, por isso escolho usar aqui, à revelia da gramática, o presente do indicativo. Por outro lado, Paolo foi ativo até suas últimas semanas, participando pelo menos online de congressos e seminários de todo tipo, com uma generosidade e disponibilidade que qualquer um que teve contato com ele não pode deixar de reconhecer.
Tento escrever algo sobre ele, bem sabendo que será necessário tempo e uma distância destas horas dolorosas para dar conta, pelo menos parcialmente, da sua indiscutível relevância na história do cristianismo italiano, europeu e mundial do último meio século. Porque o pastor Ricca representou a imagem do protestantismo nacional como nenhum outro, seu rosto mais conhecido e apreciado, com uma autoridade decididamente indiscutível.
Nascido em 1936 no coração das Vales Valdenses, em Torre Pellice, e após concluir o ensino clássico em Florença, ele começa os estudos teológicos, que o levam primeiro à Faculdade Valdense de Roma e depois aos Estados Unidos e a Basileia. Na cidade suíça, encontra o teólogo luterano Oscar Cullmann, de quem se torna aluno, e o próprio Karl Barth, talvez o teólogo-chave do segundo século XX (em uma entrevista, admitirá que de Barth lembra muitas coisas, mas a que mais lhe ficou na mente é a sua capacidade de rir de si mesmo, ou seja, de não se levar muito a sério, porque apenas os grandes atingem esse nível de sabedoria).
Após exercer o ministério pastoral na Igreja Valdense no Lácio e no Piemonte, acompanha os trabalhos do Concílio Vaticano II como jornalista credenciado. Por muitos anos lecionará, predominantemente história da Igreja na Faculdade Valdense: mas ao lado da atividade acadêmica é fundamental para ele a de divulgador e conferencista em toda a Itália e no exterior.
Muito apreciadas, entre outras, foram suas participações nas sessões de verão do SAE (Secretariado de Atividades Ecumênicas), nas transmissões de Protestantes e nas de Uomini e profeti. Lembro, entre outras coisas, de seu relato sobre a colaboração com Roberto Benigni, em 2014, para a realização dos dois episódios da leitura e explicação dos Dez Mandamentos na Raiuno, e o animado jantar do ator toscano, com sua esposa, na casa de Ricca...
Sempre envolvido com lúcida paixão no diálogo ecumênico, Paolo gosta de afirmar que se sente parte daquela Igreja invisível, da qual ele se tornara “servo, para anunciar na sua totalidade a palavra de Deus” (Col 1,25). Lamentando, se acaso, o fato de que, apesar das diversas iniciativas de diálogo em curso, o condomínio cristão ainda está estruturado em apartamentos separados onde cada confissão vive por conta própria.
Com uma atenção especial à questão, ainda não resolvida, da intercomunhão entre as igrejas, a questão da participação comum de todos os cristãos na única mesa do Senhor é, como se sabe, um dos mais graves nós ecumênicos, há muitos séculos, e não parece que uma solução esteja próxima. A esse respeito, Ricca se aventura a falar na revista oficial do protestantismo histórico italiano, Riforma, de apartheid eucarístico, sublinhando que se trata de um dramático paradoxo: justamente a ceia que Jesus celebrou para unir os discípulos a si e entre si, no dom de sua vida e de sua pessoa, essa ceia instituída para ser o mais alto sinal e instrumento de unidade e comunhão, tornou-se, nas mãos dos cristãos, ocasião e motivo de disputas infinitas, excomunhões recíprocas, divisões.
Por sua parte, ele sempre sustentou que o caminho para o ecumenismo é aquele indicado, já nos anos 80, por seu mestre Cullmann, a unidade através da diversidade (também evocada pelo Papa Francisco em Evangelii Gaudium):
“De acordo com a sua própria natureza, o Espírito Santo exerce uma ação diversificadora. No entanto, essa ação não leva a uma fragmentação. Cada membro do corpo continua sua missão voltada para a unidade; o mesmo ocorre para os membros da comunidade de fiéis. É nessa diversidade que reside a profusão da plenitude do Espírito Santo. Quem não respeita essa riqueza e deseja a uniformidade, peca contra o Espírito Santo. Também a uniformidade é um pecado contra o Espírito Santo”.
Autor de numerosos escritos, livros e textos de estudo, mas também divulgativos, Paolo Ricca contribuiu para formar gerações de crentes e também de não crentes. Seu trabalho foi, de fato, apreciado por muitas pessoas de diversas crenças.
Pessoalmente, são várias as lembranças que me ligam a ele, confirmando sua abertura em 360 graus, sem desdenhar também das pequenas plateias e iniciativas provinciais: assim, à memória vêm suas presenças em conferências de QOL (e sua felicidade ao saber que passaria a noite hospedado nas irmãs menores capuchinhas do eremitério de Salvarano, no primeiro Appennino Reggiano, ao qual tinha grande afeição).
Seu escrito sobre a onipotência e a fragilidade de Deus que me deu em 2012 para o livro La fragilità di Dio, inspirado pelo nosso terremoto em Emilia de maio daquele ano; e sua participação na fundação, junto com Bruno Segre, da recém-criada Fundação Pietro Lombardini para estudos judaico-cristãos; e muitas outras vezes...
Ou quando, anos atrás, aceitou participar, tornando-se um convidado fixo até poucas semanas atrás, de uma corajosa iniciativa que acontece em julho – organizada pela diocese piemontesa de Acqui Terme – em Garbaoli, casa de verão da Ação Católica, uma jornada ecumênica.
Em 2021, o tema da iniciativa é a “sinodalidade”, em ocasião do iminente Sínodo da Igreja Católica Italiana. Conectado de casa, Ricca reflete sobre um assunto não trivial: o que esperam do Sínodo as Igrejas irmãs que estão na Itália. Destacando desde o início como era a primeira vez, para ele (mas não apenas para ele, provavelmente), que a Igreja Católica fazia um pedido desse tipo; e que um pedido semelhante, após a experiência dos observadores não católicos dos chamados irmãos separados no Vaticano II, marcava para ele uma verdadeira mudança no âmbito ecumênico.
Seu é um discurso precioso (recuperável no site da associação disponível aqui) e nada retórico, no qual ele se detém sobre o sentido autêntico da sinodalidade, elemento característico da tradição valdense, destacando duas questões prévias, a seu ver cruciais: a composição do Sínodo (ou do caminho sinodal, como os bispos italianos escolheram chamá-lo), por um lado, e seus poderes e prerrogativas, por outro.
Ricca admite abertamente que, entre suas expectativas, está a de ser convidado, obviamente como Igreja e não apenas como simples observador sem direito a palavra (como acontece regularmente, de forma invertida, na ocasião do anual Sínodo Valdo-Metodista). Nunca esquecendo que, na verdade, nós cristãos pertencentes a igrejas divididas entre si, já somos “uma só coisa”, segundo a esperança de Jo 17,20-26, no que podemos chamar de essencial cristão.
Qual é esse essencial cristão? Para ele, é a fé no Deus trinitário e em Jesus verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus: essa é a fé comum a todos os cristãos. Em sua opinião, isso deveria ser suficiente para nos declararmos unidos no que é constitutivo do nosso ser cristãos, ou seja, no que realmente conta, vale e qualifica como cristãos… mas as igrejas, muitas vezes, parecem não acreditar nisso: acreditam mais em sua divisão do que em sua unidade.
Certamente, existem diferenças, até grandes, mas são realmente essenciais, ou seja, vitais para a fé cristã? Por exemplo: o papado é essencial para a fé cristã? Para os católicos, talvez sim, mas não para os ortodoxos nem para os protestantes. Assim como no século apostólico, na história da Igreja surgiram diferentes tipos de cristianismo: é possível ser diferente sem estar dividido; porém, é indispensável que cada um aceite a diversidade do outro. Caso contrário, não se avança em direção à unidade…
Nos últimos anos, sua reflexão se concentra na questão decisiva, a questão de Deus: em 2022, publica um volume poderoso, Dio. Apologia, pela editora Claudiana. Sua tese direta é que hoje as igrejas falam pouco sobre Deus. No plano litúrgico, falam até demais, como sempre: missas, cultos, batismos, funerais, cerimônias e ritos diversos continuam como antes, e tudo acontece em nome da Santíssima Trindade. Mas esse Deus litúrgico, por assim dizer, lhe parece um Deus domesticado, funcional ao funcionamento da Igreja, um Deus reconfortante que não incomoda ninguém.
É no anúncio público da Igreja que ele sentia dever registrar um impressionante silêncio sobre Deus: "Preocupamo-nos tanto com um presunto silêncio de Deus, mas talvez deveríamos nos inquietar mais com o silêncio sobre Deus".
É até banal afirmar que Paolo Ricca fará falta, e muito, não apenas aos seus irmãos e irmãs da igreja valdense, mas a todos que tiveram o privilégio de conhecê-lo ou de ouvi-lo em sua extraordinária eloquência. Mas seu legado permanece, sua herança é enorme, e é fácil prever que ela durará no tempo.
Agora é o momento das lágrimas por essa perda gravíssima, mas também de agradecimento a Deus por ter tido a oportunidade de percorrer um pedaço do caminho com ele. Com um cristão que, respondendo a uma pergunta sobre por que ele se tornou valdense, declarava:
“Nasci em uma família valdense, na verdade, meu pai Alberto também era pastor. Porém, não basta nascer em um contexto familiar valdense para se tornar valdense. Passei toda a vida tentando me tornar cristão porque, como dizia Kierkegaard, somos todos cristãos aspirantes. Tornar-se valdense faz sentido como uma etapa para se tornar cristão. Mas nunca se torna completo. Somos cristãos em processo. É necessário que Cristo venha e, em sua misericórdia, faça também de mim, com seu perdão, aquele cristão que não consigo me tornar”.
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Paolo Ricca, in memoriam. Artigo de Brunetto Salvarani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU