13 Agosto 2024
Um estrondo e depois a explosão do devastador cogumelo atômico. Setenta e nove anos atrás foi o annus horribilis do uso da bomba atômica para fins bélicos, o primeiro na história da humanidade. Para os Estados Unidos, o lançamento dos dispositivos em Hiroshima e Nagasaki marca a vitória na Segunda Guerra Mundial. Para o Japão, a bomba Little Boy, lançada em 6 de agosto de 1945 em Hiroshima, não só destrói a cidade japonesa, mas causa 74.000 vítimas, a maioria civis. Os EUA lançam a Fat Man, a segunda bomba atômica que devasta Nagasaki em 9 de agosto. Estima-se que os dois dispositivos tenham matado de 150 a 220 mil pessoas.
A reportagem é de Serena Console, publicada por Il Manifesto, 09-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 15 de agosto de 1945, o imperador Hirohito anuncia a rendição incondicional do Japão, marcando o fim do conflito e dando origem a uma nova ordem de relações diplomáticas e a uma concepção diferente de guerra, esta última expressa em uma nova Constituição japonesa.
Setenta e nove anos depois, Hiroshima e Nagasaki ainda representam um símbolo traumático para os japoneses, que agora olham com preocupação os desdobramentos devastadores dos dois conflitos abertos na Ucrânia e no Oriente Médio, as ameaças nucleares da Coreia do Norte e a assertividade da China no Indo-Pacífico.
Hoje, Hiroshima é uma metrópole próspera de 1,2 milhão de pessoas, mas as ruínas de um edifício com sua cúpula permanecem no centro da cidade como um lembrete dos horrores do ataque. A memória não é confiada apenas aos esqueletos urbanos. Quase oito décadas depois, os hibakusha, ou seja, os sobreviventes, ainda representam a memória coletiva daquele terrível parêntese de toda a humanidade. Com uma idade média de 85 anos, os hibakusha estão se tornando cada vez menos numerosos. E seu legado do passado está correndo o risco de desaparecer. Suas vidas parecem ter parado naqueles 6 e 9 de agosto, mas seu constante compromisso diário de contar o trauma, o estigma social e até mesmo o sentimento de culpa por ter sobrevivido ao bombardeio se traduz em um apelo para que as armas nucleares nunca mais sejam usadas. Justamente enquanto o mundo está entrando em uma nova era nuclear.
Cada vez mais países estão participando da corrida armamentista, tanto que em 2023 os gastos militares globais aumentaram para 2.240 bilhões, +6,8% em relação a 2022, de acordo com estimativas divulgadas pelo Sipri em Estocolmo (abril de 2024). Os maiores gastadores são os Estados Unidos, a China, a Rússia, a Índia e a Arábia Saudita, que estão destinando centenas de bilhões de dólares para a modernização de seu arsenal.
Os números do instituto de Estocolmo são preocupantes: os gastos militares dos EUA aumentaram 2,3%, chegando a US$ 916 bilhões em 2023, representando 37% dos gastos militares globais e 68% do total da OTAN. A China aumentou sensivelmente seus gastos militares pelo 29º ano consecutivo em 6,0%, para US$ 296 bilhões, mais do que o dobro do orçamento estruturado pelo Partido Comunista Chinês antes de Xi Jinping se tornar Secretário. A Rússia aumentou seus gastos em 24% em relação a 2022, chegando a US$ 109 bilhões: com gastos correspondentes a 5,9% do PIB, o equivalente a 16% do orçamento total do governo russo, 2023 marcou os níveis mais altos registrados desde a dissolução da União Soviética. Há também a corrida global ao rearmamento nuclear, estimulada pela guerra na Ucrânia. Em 2023, o orçamento total quase atingiu US$ 100 bilhões, igual a um aumento de 13% em relação ao ano anterior. Os EUA e a Rússia possuem 90% das ogivas nucleares existentes (cerca de 12.251, das quais cerca de 9.585 estão à disposição no arsenal militar para uso potencial).
A China está aumentando significativamente seu arsenal nuclear, passando de 410 ogivas no início de 2023 para 500 em janeiro de 2024, de acordo com as estimativas do Sipri. Números que provocaram uma alfinetada do prefeito de Hiroshima, Kazumi Matsui, que durante a cerimônia de comemoração expressou sua preocupação com o prolongado conflito na Ucrânia e com as operações de Israel na Faixa de Gaza. Não por acaso, enquanto o primeiro-cidadão fazia uma crítica velada à "tendência de confiar nas forças armadas para resolver problemas internacionais" que ceifam "a vida de inúmeras pessoas inocentes", a câmera da televisão pública japonesa enquadrava o rosto impassível do embaixador israelense: sua presença provocou a desaprovação de grandes franjas de ativistas que acusaram a escolha da municipalidade de usar dois pesos e duas medidas, já que a Rússia e Belarus foram excluídas da cerimônia nos últimos três anos devido ao conflito na Ucrânia.
As palavras de Matsui não pouparam nem mesmo o primeiro-ministro japonês Fumio Kishida, que assumiu a responsabilidade de aumentar o orçamento nacional de defesa para 2% do PIB (do atual 1%) até 2027. O prefeito de Hiroshima exortou o governo japonês a participar como observador da reunião dos estados signatários do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares, a ser realizada em março, e a aderir o mais rápido possível. Isso porque o Japão, apesar de ser o único país vítima de um ataque atômico, ainda não aderiu ao tratado que entrou em vigor em 1970, embora continue apoiando o acordo de não proliferação.
Mesmo assim, aqueles do prefeito de Hiroshima (e depois o de Nagasaki, onde a celebração está sendo realizada hoje) continuam sendo apenas apelos para uma maior conscientização sobre as consequências do rearmamento nuclear e militar. O medo é que a dissuasão nuclear acabe apenas por gerar um conflito atômico. Poderia ser apenas uma questão de tempo. Isso é indicado pelo Doomsday Clock, o relógio simbólico - criado em 1947 para conscientizar a humanidade sobre os perigos de nossas próprias invenções, como as armas nucleares e as mudanças climáticas - que indica, em minutos ou segundos, quanto tempo falta para a meia-noite, ou seja, quanto tempo o mundo ainda tem de vida. Há mais de um ano, ele está parado na mesma data e nos mesmos segundos de janeiro de 2023: o tempo que nos resta, de acordo com o Bulletin’s Science and Security Board, é de 90 segundos até a chegada do apocalipse.
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79 anos após a catástrofe, 90 segundos para a meia-noite - Instituto Humanitas Unisinos - IHU