15 Julho 2023
“Além de matar mais de 200.000 pessoas e ferir muitas outras no Japão, o advento do armamento nuclear levou países do mundo inteiro a embarcar em uma corrida armamentista nuclear atroz. Na década de 1980, estimulados por grandes conflitos de poder, existiram 70.000 armas nucleares”, número que caiu para 12.500 em 2023 graças às campanhas civis.
A reflexão é de Lawrence S. Wittner, em artigo publicado por A L'Encontre, 13-07-2023. A tradução é do Cepat.
Lawrence S. Wittner é professor emérito de história na SUNY/Albany e autor de Confronting the Bomb. A Short History of the World Nuclear Disarmament Movement (Confrontando a bomba: uma breve história do movimento mundial de desarmamento nuclear; Stanford University Press, 2009), entre outros.
O lançamento nos cinemas, em 20-07-2023, do filme Oppenheimer (de Christopher Nolan), dedicado à vida de um eminente físico nuclear dos Estados Unidos, deve nos lembrar de quão prejudicial foi o desenvolvimento das armas modernas, tanto para indivíduos como para a humanidade como um todo.
Baseado na biografia Oppenheimer: o triunfo e a tragédia do Prometeu americano (Intrínseca, 2023) escrita por Kai Bird e o já falecido Martin Sherwin – biografia vencedora do Prêmio Pulitzer –, o filme conta a ascensão e a queda do jovem J. Robert Oppenheimer, recrutado pelo governo dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial para liderar a construção e os testes da primeira bomba atômica do mundo em Los Alamos, Novo México. Seu sucesso nesses empreendimentos foi seguido logo depois pela ordem do presidente Harry Truman de usar as armas nucleares para destruir Hiroshima [06-08-1945] e Nagasaki [09-08-1945].
Nos anos que se seguiram à guerra, J. Robert Oppenheimer, amplamente aclamado como “o pai da bomba atômica”, alcançou extraordinária influência para um cientista nas fileiras do governo dos Estados Unidos, especialmente como presidente do conselho consultivo geral da nova Comissão de Energia Atômica (CEA).
Mas sua influência diminuiu à medida que sua ambivalência em relação às armas nucleares aumentou. No outono de 1945, durante uma reunião na Casa Branca com Harry S. Truman (1945-1953), Oppenheimer disse: “Sr. Presidente, sinto que tenho sangue em minhas mãos”. Furioso, Truman disse mais tarde ao secretário-adjunto de Estado Dean Acheson [janeiro de 1949 a janeiro de 1953] que Oppenheimer havia se tornado “um bebê chorão” e que “nunca mais queria ver esse filho da puta naquele escritório”.
J. Robert Oppenheimer também estava preocupado com a corrida armamentista nuclear que tomava forma e, como muitos cientistas nucleares, era um defensor do controle internacional da energia atômica. De fato, no final de 1949, todo a Comissão Consultiva Geral da CEA se manifestou contra o desenvolvimento da bomba H pelos Estados Unidos, embora o presidente, ignorando essa recomendação, tenha aprovado o desenvolvimento da nova arma e a tenha adicionado ao crescente arsenal nuclear dos Estados Unidos.
Nessas circunstâncias, figuras muito menos escrupulosas em relação às armas nucleares tomaram medidas para remover Oppenheimer do poder. Em dezembro de 1953, logo após assumir a presidência da CEA, Lewis Strauss, um ferrenho defensor do fortalecimento do arsenal nuclear dos Estados Unidos, ordenou a suspensão do certificado de segurança de Oppenheimer. Ansioso para combater as implicações de deslealdade, Oppenheimer apelou da decisão e, em audiências subsequentes perante o Conselho de Segurança da CEA, teve que enfrentar perguntas angustiantes não apenas sobre suas críticas às armas nucleares, mas também sobre seus relacionamentos, décadas antes, com pessoas que tinham sido membros do Partido Comunista.
Ao final, a CEA determinou que Oppenheimer representava um risco à segurança, uma decisão oficial que, somada à sua humilhação pública, completou seu banimento do serviço público e deu um golpe fatal em sua brilhante carreira.
Claro, o desenvolvimento de armas nucleares teve consequências muito maiores do que a queda de J. Robert Oppenheimer. Além de matar mais de 200.000 pessoas e ferir muitas outras no Japão, o advento do armamento nuclear levou países do mundo inteiro a embarcar em uma atroz corrida armamentista nuclear. Na década de 1980, estimulados por grandes conflitos de poder, existiram 70.000 armas nucleares, com o potencial de destruir praticamente toda a vida na Terra.
Felizmente, uma vasta campanha cidadã foi lançada para combater essa corrida rumo ao apocalipse nuclear. Ela pressionou com sucesso os governos relutantes a entrar em uma série de tratados de controle de armas nucleares e de desarmamento, bem como ações unilaterais, para reduzir os perigos nucleares. Por conta dessas mobilizações, em 2023 o número de armas nucleares caiu para cerca de 12.500.
No entanto, nos últimos anos, devido a uma queda acentuada na mobilização cidadã e ao aumento dos conflitos internacionais, reavivou-se consideravelmente o potencial para uma guerra nuclear. As nove potências nucleares (Rússia, Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, França, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte) estão atualmente trabalhando para modernizar seus arsenais nucleares construindo novas instalações de produção e melhorando suas armas nucleares.
Em 2022, esses governos gastaram quase US$ 83 bilhões para reforçar seus respectivos arsenais nucleares. As ameaças públicas de iniciar uma guerra nuclear, incluindo as de Donald Trump, Kim Jong-un e Vladimir Putin, tornaram-se mais frequentes. Os ponteiros do relógio do Juízo Final do Bulletin of the Atomic Scientists, criado em 1946, agora marcam 100 segundos para a meia-noite [90 segundos em janeiro de 2023], o grau mais perigoso de sua história.
Não surpreende que as potências nucleares demonstrem pouco interesse em novas ações de apoio ao controle de armas nucleares e ao desarmamento. Os dois países que possuem cerca de 90% das armas nucleares do mundo – a Rússia (que tem mais) e os Estados Unidos (que não fica muito atrás) – retiraram-se de quase todos os acordos desse tipo que haviam concluído entre si.
Embora o governo dos Estados Unidos tenha proposto estender o tratado New Start (que limita o número de armas nucleares estratégicas) à Rússia, Vladimir Putin teria respondido, em junho de 2023, que a Rússia não se envolveria em negociações de desarmamento nuclear com o Ocidente, acrescentando: “Nós temos mais dessas armas do que os países da OTAN. Eles sabem disso e sempre tentam nos persuadir a iniciar negociações sobre a redução. Foda-se... como diz o nosso povo”.
O governo chinês, cujo arsenal nuclear, embora bastante incrementado, é o terceiro maior – e ainda distante –, disse não ver razão para a China se envolver em negociações de controle de armas nucleares.
Para evitar uma catástrofe nuclear iminente, as nações não nucleares defenderam o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares (TPNW). Adotado por uma votação esmagadora de países em uma conferência das Nações Unidas em julho de 2017, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares proíbe o desenvolvimento, teste, produção, aquisição, posse, armazenamento e ameaça de uso de armas nucleares.
O tratado entrou em vigor em janeiro de 2021 e, embora todas as potências nucleares se oponham, foi assinado por 92 países e ratificado por 68 deles. Espera-se que o Brasil e a Indonésia ratifiquem o tratado em um futuro próximo. As pesquisas revelaram que o TPNW goza de grande apoio em muitos países, incluindo os Estados Unidos e outros países da OTAN. Portanto, resta alguma esperança de que a tragédia nuclear que engoliu J. Robert Oppenheimer e que ameaça há muito tempo a sobrevivência da civilização mundial ainda possa ser evitada.
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A tragédia de J. Robert Oppenheimer e a atualidade do perigo inerente ao armamento nuclear - Instituto Humanitas Unisinos - IHU