20 Março 2011
Vencedor do prêmio Pulitzer de 2006 com uma biografia definitiva de J. Robert Oppenheimer, o pai da bomba atômica americana, o historiador Martin Sherwin tem acompanhado com particular interesse os desdobramentos da tragédia no Japão. Professor da George Mason University, em Washington, e ex-docente da Walter S. Dickson e Tufts University, ele é especializado na corrida armamentista que se seguiu à 2ª Guerra Mundial - e identifica nas reações do povo japonês nos noticiários o "trágico paralelismo" entre o acidente nuclear em Fukushima e o trauma histórico dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki pelos EUA em agosto de 1945.
Na entrevista a seguir, o autor de Um Mundo Destruído: Hiroshima e seu Legado (não lançado no Brasil) afirma que, pesando prós e contras, o resultado da descoberta da fissão nuclear tem sido "um grande desapontamento" e que a maneira como o Japão se recupera do acidente em Fukushima vai redefinir os debates em torno do uso da energia nuclear no mundo - hoje definido muito mais por critérios políticos que científicos ou econômicos. "A afirmação de que é possível estabelecer padrões de segurança completa é uma mentira."
A entrevista é de Ivan Marsiglia e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 20-03-2011.
Eis a entrevista.
O incidente em Fukushima suscita que tipo de reflexão?
O enorme dano causado no Japão pelo terremoto, o tsunami e, então, as explosões nas plantas nucleares de Fukushima evocam sem dúvida Hiroshima e Nagasaki. Ninguém precisa ser um historiador que escreveu sobre esses temas, como eu, para se dar conta desse trágico paralelismo.
Na quarta, pela segunda vez na história - a primeira foi em 1945, após caírem as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki -, um imperador japonês usou a mídia de massa para falar a seu povo. São traumas comparáveis?
Japoneses idosos que moravam nas áreas devastadas pelo tsunami compararam o que estão testemunhando à experiência vivida durante a 2ª Guerra Mundial. Mas é importante não avançar demais nessa comparação. Na 2ª Grande Guerra os danos foram infligidos ao Japão pelos americanos; agora, os EUA e outros países estão fazendo o que podem para ajudá-lo. Esse novo trauma tem duas dimensões: a do transtorno infligido pela natureza e aquele causado nas plantas nucleares japonesas. A forma como o Japão irá se recuperar da tragédia vai determinar o debate sobre o futuro da energia nuclear no mundo.
Em sua biografia de Oppenheimer, o sr. relata em detalhes a crise moral do pai da bomba atômica, que caiu em depressão após a destruição de Hiroshima. O uso da tecnologia nuclear para fins pacíficos também levanta dilemas éticos?
A verdade é que o resultado da descoberta da fissão nuclear no fim dos anos 30 tem sido um grande desapontamento. Em seu uso militar, nas armas nucleares, ela ameaça a sobrevivência humana. No uso pacífico, ameaça a saúde tanto em caso de acidente como no manejo do lixo radioativo. A maior promessa desse tipo de tecnologia era trazer uma solução fácil para grandes problemas: armas que dissuadiriam nações inimigas e energia segura para iluminar as cidades. A questão é que as consequências, em caso de falha, são catastróficas. A verdadeira segurança reside na abolição dessas armas e na eliminação das plantas nucleares mundo afora.
Ao longo da semana, os EUA pressionaram o Japão por relatórios mais precisos sobre o que ocorria nas usinas e chegaram a sugerir que Tóquio ocultou informações. A China também protestou. Tais declarações podem abalar as relações entre esses países?
Duvido que a pressão americana por relatórios mais acurados possa desgastar as relações com o Japão. Tensioná-las temporariamente, talvez; mas danificá-las, não. Até porque, no fim das contas, um acidente nuclear resulta na liberação de radiação na atmosfera. É muito mais uma questão global do que assunto nacional. Veja que já há relatórios dizendo que a radiação emitida em território japonês em breve chegará à Califórnia. Por isso, eu aprovo a pressão americana e considero igualmente bem-vindas as manifestações da China. Tudo deve ser transparente no domínio nuclear. É algo tão sério que o mundo deveria evoluir para um órgão internacional que controlasse de fato o desenvolvimento atômico - ideia que Oppenheimer já defendia em 1946.
Analistas dizem que, ao contrário do desastre de Chernobil, ocorrido em um país de baixa tecnologia como a Ucrânia, o acidente no Japão pode colocar em questão o uso da energia nuclear no mundo. O sr. concorda?
Concordo que o que houve com as plantas nucleares japonesas é um alerta geral: a segurança absoluta, no que se refere à energia nuclear, é impossível. A afirmação de que é possível estabelecer padrões de segurança completa é uma mentira.
Outros sustentam que a energia nuclear é segura e menos danosa ao meio ambiente.
Quando todos os custos são considerados - eu digo, todos eles -, a energia nuclear é provavelmente a forma mais cara de produção de energia. É mais limpa que a queima de carvão? Não quando a possibilidade de acidentes como o que estamos vendo é contabilizada. E mesmo o carvão pode ser queimado de forma "limpa", embora custe mais caro. Ainda assim, sua energia é mais barata e segura que a das usinas nucleares. Mas as melhores fontes de energia limpa são o sol e o vento, entre outras.
O Japão já é um dos países mais avançados na produção de energia limpa: é responsável por 50% da energia solar gerada no mundo. Essa semana, a Alemanha, a Suíça e até a China suspenderam temporariamente seus programas nucleares. Estaríamos presenciando o ocaso da era nuclear, que teve início no século 20?
Possivelmente. O problema é que as decisões relativas ao uso de energia nuclear são políticas - não são científicas, nem estritamente econômicas. Ciência e economia são manipuladas para fundamentar argumentos, tanto dos prós como dos opositores ao uso da energia nuclear. Sendo que os prós detêm mais meios econômicos à disposição e estão frequentemente em vantagem em relação aos contras.
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A rosa de Fukushima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU