06 Agosto 2024
"O armamento nuclear continua sendo construído, testado e implantado. Acima de tudo, nos últimos anos, está se perdendo a consciência do horror da guerra nuclear, de sua irreversibilidade", escreve Marco Impagliazzo, historiador italiano e presidente da Comunidade de Santo Egídio, em artigo publicado por La Stampa, 05-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 6 e 9 de agosto de 1945, duas cidades japonesas, Hiroshima e Nagasaki, sofreram o ataque nuclear mais devastador da história, com o lançamento de bombas atômicas por bombardeiros estadunidenses com a finalidade de levar o Japão à rendição na Segunda Guerra Mundial. As bombas tinham até nomes: Little boy em Hiroshima e Fat man em Nagasaki, sinal do horrível sarcasmo da guerra. O número de mortes que ocorreram na época e se seguiram depois, devido às consequências das radiações nucleares, continua incalculável. Fala-se em 150.000 vítimas em Hiroshima e 80.000 em Nagasaki. Mas essa é uma estimativa aproximada.
Desde aquela data, os nomes das duas cidades estão intrinsecamente unidos. São as únicas cidades do mundo que sofreram o trágico destino da morte nuclear, tornando-se um memorial de como o homem pode ser capaz de uma destruição inacreditável. Seus nomes alertam as gerações presentes e futuras sobre como a guerra possa tornar impossível a vida na Terra por muito tempo. Em todo o mundo, os nomes de muitos - demais - lugares são lembrados porque testemunham o horror e o sofrimento produzidos pela guerra: os memoriais de guerra, os santuários onde repousam aqueles que se sacrificaram a serviço de seu país ou de uma causa nobre, os cemitérios onde jazem as vítimas civis inocentes da fúria destrutiva, os restos de campos de concentração e extermínio onde o desprezo pelo homem e por seus direitos invioláveis atingiu sua expressão mais indigna e cruel, os campos de batalha. Hiroshima e Nagasaki se diferenciam de todos como as primeiras vítimas da guerra atômica.
Lembrar o passado é comprometer-se com o futuro. Em Hiroshima, significativamente, o monumento em memória do bombardeio atômico é dedicado à paz, pela escolha das autoridades e do povo japonês em querer expressar sua esperança por um mundo de paz e sua convicção de que o homem que trava guerras também é capaz de construir a paz com sucesso. A partir de Hiroshima, e do evento que seu nome relembra, nasceu uma nova consciência mundial contra a guerra e uma renovada determinação de trabalhar pela paz. Relembrar o 6 de agosto de 1945 é uma maneira de entender a atualidade do desafio. Desde aquele dia terrível, as armas nucleares aumentaram em quantidade e em poder destrutivo.
O armamento nuclear continua sendo construído, testado e implantado.
Acima de tudo, nos últimos anos, está se perdendo a consciência do horror da guerra nuclear, de sua irreversibilidade. O conflito na Ucrânia fez com que a possibilidade do uso concreto da arma atômica ressurgisse justamente quando sua memória havia se perdido. Em vários momentos dessa trágica guerra, a Rússia evocou a possibilidade de seu uso como arma de último recurso. Há uma diferença entre a dissuasão representada pela posse da arma nuclear e seu uso na ausência de outras soluções. Alguns países se equiparam com essa arma terrível para sustentar-se ou defender a si mesmos ou ao seu regime. A ideia é que a posse desse instrumento torna invulneráveis. Mas afirmar que se possa usar a bomba atômica em caso de fortes necessidades militares significa algo totalmente diferente. Fala-se de dispositivos táticos como se fossem armas apenas um pouco mais poderosas.
Trata-se de um grave perigo: na realidade, todos nós estaríamos entrando em um universo inexplorado onde o risco de extinção da humanidade se tornaria real. Por esses motivos, lembrar de Hiroshima se torna uma urgência. Sua lembrança assume um valor ainda maior hoje, com os muitos, demasiados, conflitos em andamento: a imoralidade da arma nuclear deve voltar a ser vívida e se espalhar. Toda arma é um instrumento de morte e pode ser condenada como tal, mas a arma nuclear tem uma característica que outras armas não possuem: é certamente desproporcional porque destrói irreversivelmente as possibilidades da vida. A tragédia dos acidentes nucleares civis - como Chernobyl - já é em si um alerta para todos. Hiroshima e Nagasaki lembram que a energia nuclear torna impraticável a própria vida e, portanto, o futuro de todos.
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O “grande sol” de Hiroshima não deve ser esquecido. Artigo de Marco Impagliazzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU