O pão que temos que descobrir. Comentário de Ana Maria Casarotti

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09 Agosto 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo João 6,41-51, correspondente ao 19° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico.

O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Eis o texto.

Naquele tempo, os judeus começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: "Eu sou o pão que desceu do céu". Eles comentavam: "Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? Como então pode dizer que desceu do céu?"

Jesus respondeu:

"Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos Profetas: 'Todos serão discípulos de Deus.' Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim. Não que alguém já tenha visto o Pai. Só aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.

Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram. Eis aqui o pão que desce do céu: quem dele comer, nunca morrerá. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo".

Neste domingo, continuamos com a leitura do capítulo 6 do Evangelho de João. O texto começa com Jesus indo para o outro lado do Mar de Tiberíades e uma grande multidão o segue. Com o que cada um traz para compartilhar, Jesus alimenta esse grande grupo de pessoas que o seguem, procurando-o porque viram suas ações e queriam experimentar essa riqueza. Depois de pedir aos discípulos que recolham tudo o que sobrou, Jesus sai sem dizer nada, deixando espaço para que as pessoas o procurem e talvez também reclamem de sua partida sem aviso prévio.

Hoje, a liturgia nos oferece uma continuação da leitura do capítulo 6 do Evangelho de João. Aparece um grupo de judeus que começaram a murmurar a respeito de Jesus, porque havia dito: "Eu sou o pão que desceu do céu". Eles são os que "o conhecem" e esse conhecimento fecha a possibilidade de realmente ver quem é Jesus. Eles comentavam: "Não é este Jesus, o filho de José? Não conhecemos seu pai e sua mãe? São aqueles que conhecem sua origem pobre e humilde, conhecem seu pai e sua mãe e isso é suficiente para não reconhecerem a realidade que está diante de seus olhos. Murmurar é semear a suspeita sobre algo, é uma forma de difamação que anda de mãos dadas com o descrédito, é falar mal pelas costas, dizer algo entre dentes, mas com a intenção de gerar dúvida e desconfiança.

Na história do evangelho que lemos neste domingo, os judeus semeiam dúvida e desconfiança sobre Jesus porque consideram que o "conhecem". Nós nos comportamos como os judeus quando não nos deixamos surpreender pela novidade que pode surgir em alguém "conhecido", e o desqualificamos semeando a dúvida e a desconfiança. Os judeus acham que sabem quem é Jesus, porque conhecem seu pai e sua mãe, e por isso estão fechados às suas palavras. É uma forma de discriminar de acordo com sua origem, a cidade onde nasceram, sua família.

Os judeus murmuram da mesma forma que aconteceu com o povo quando, depois de sair do Egito, começaram a protestar contra as dificuldades que enfrentavam. O livro de Êxodo relata o protesto deles contra Moisés e Arão: "Melhor tivéssemos morrido nas mãos do Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto à panela de carne e nos fartávamos de pão! Eles nos trouxeram a este deserto para matar a fome de toda a comunidade" (Êx 15,3).

O texto do livro de Êxodo que descreve esse momento conta como o povo preferiu a escravidão à liberdade por causa das dificuldades que a liberdade traz consigo. Eles caminharam por pouco mais de dois meses e já estão sentindo falta do que experimentaram durante a escravidão, pois "comíamos pão com fartura". Aos poucos, estão perdendo o anseio pela liberdade que buscavam, estão "na metade do caminho" e, possivelmente, diante da incerteza de novos desafios, anseiam pela segurança de uma vida aparentemente mais tranquila. Diante das reclamações do povo no deserto, Deus lhes dá o maná, o pão que satisfaz suas necessidades diárias. É o pão do costume, em que o horizonte se limita ao curso de um dia. Não há projetos, não há desafios e quando alguém da pequena comunidade que todos formamos, seja família, amigos, vínculos, tenta mudar algo, a primeira reação será a murmuração que se traduz em uma tentativa de impedir aquilo que pode mudar esse aparente bem-estar. "Estamos bem assim".

“Em verdade, em verdade vos digo, quem crê, possui a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Os vossos pais comeram o maná no deserto e, no entanto, morreram”.

Jesus introduz uma nova realidade. A fé não é acreditar na existência de um Deus que, de acordo com nossa vida terrena, nos receberá ou não após a morte, mas que possuímos a vida eterna a partir do momento em que acreditamos Nele. Assim, Ele se apresenta como o pão da vida. Um pão que nos alimenta hoje, que sustenta nossa esperança, que sacia nossa sede de justiça, convidando-nos a buscá-la e a abrir novos caminhos, um pão que é descoberto na fragilidade da dor daqueles que estão próximos a nós.

Jesus é o Pão da Vida que não é individual, mas compartilhado, que não dura um único dia, nem é um pão que nos ajuda a ser "melhores", a crescer pessoalmente. Ele é aquele pão que nos conduz por novos desafios de inclusão, de no fecharmos as possibilidades de mudar a realidade, um pão que não possuímos e que sempre nos convida a continuar caminhando. Esse pão é o próprio Jesus, em quem sempre encontraremos resposta e esperança ao caminharmos com ele.

Fazemos nosso o apelo do Papa Francisco que nos convida ao desafio de partilhar o pão da acolhida, da apertura, da inclusão: “A integração é cansativa, mas clarividente: prepara o futuro que, queiramos ou não, estarão juntos ou não; a assimilação, que não leva em conta as diferenças e permanece rígida nos seus próprios paradigmas, faz com que a ideia prevaleça sobre a realidade e compromete o futuro, aumentando as distâncias e provocando a guetização, que provoca o agravamento da hostilidade e da intolerância. Precisamos de fraternidade como pão. (Disponível em: “Quem arrisca a vida no mar não invade. A solução não é a rejeição, mas sim uma recepção justa na Europa”)

Neste dia, pedimos a Jesus que sejamos capazes de reconhecer sua presença no pão que está ao nosso lado. Talvez não seja um pão atraente à vista, que precise ser moldado, cujo sabor nos seja desconhecido, mas ele traz consigo o aroma da eternidade que nasce toda vez que olhamos ao nosso redor e tentamos construir pontes de justiça e fraternidade.

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