A ousadia de gerar mudanças

02 Agosto 2024

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus Cristo segundo Joao 6,24-35 que corresponde ao 18° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico.

O comentário é elaborado por Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.

Naquele tempo, quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: "Rabi, quando chegaste aqui?'

Jesus respondeu: "Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo".

Então perguntaram: "Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?"

Jesus respondeu: "A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou".

Eles perguntaram: "Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: 'Pão do céu deu-lhes a comer'".

Jesus respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo, não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu.

É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo".

Então pediram: "Senhor, dá-nos sempre desse pão".

Jesus lhes disse: "Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede".

Neste domingo, continuamos com a leitura do capítulo 6 do Evangelho de João. Novamente há uma multidão procurando por Jesus, mas não o encontram no lugar esperado, onde ele “sempre esteve”. O Senhor não está mais no lugar “habitual”. O texto, sobre o qual meditamos hoje, nos convida a sair de nossa “vida religiosa cotidiana” e a ir um pouco mais longe no caminho de seguir Jesus.

Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum. Movidos pela vida que receberam do Mestre, eles vão ao seu encontro mais uma vez. E, nessa jornada, possivelmente alimentam novos desejos e preocupações e também um questionamento sobre Jesus, pois se sentem abandonados por ele desde que partiu sem “avisá-los”.

Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: "Quando chegaste aqui?'

No início do Evangelho, a multidão procura Jesus e faz o que for preciso para chegar até ele. Nos versículos seguintes, o Evangelho nos diz que também há uma multidão que percebe que Jesus não está mais com eles e vai procurá-lo. Na pergunta que fazem a Jesus, quando é que ele chegou? Na pergunta que fazem a Jesus quando o encontram, há uma certa queixa. Ela pode ser lida como uma preocupação de um grupo de pessoas que se sentiam abandonadas, desprotegidas, ou como um questionamento em que possivelmente outras motivações estão misturadas. Eles estão pedindo, ou melhor, exigindo uma explicação para sua partida para outro lugar.

Aquela multidão que antes o procurava porque ouvia tudo o que ele fazia, agora também está procurando por ele, mas talvez suas motivações sejam diferentes. Onde ele está? Como ele foi embora? Ou alguns podem pensar: “Como Ele pôde nos deixar assim sem nos avisar?”. “Estamos ao Seu lado, caminhamos até aquele lugar porque estávamos procurando por Ele e agora Ele está indo embora e não sabemos...”!

Talvez eles se sintam desamparados e um pouco desiludidos porque estavam seguros ao lado dele. A jornada para encontrá-lo foi longa, mas a recompensa que receberam foi ainda maior: desfrutaram da presença dele, compartilharam o que carregavam, foram alimentados com o pão partido e compartilhado. Eles estavam à vontade com ele e agora, sem aviso, ele os deixa....

Diante da reclamação deles, Jesus responde: "Estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”. Mais uma vez, Jesus nos mostra que ele é, acima de tudo, um viajante, um peregrino compassivo e terno, que está com seu povo, mas não é propriedade de ninguém. Estar com Ele e segui-Lo é caminhar ao Seu lado nos caminhos que Ele quer nos levar. Seu seguimento implica uma vida em movimento que traz consigo a disponibilidade contínua de estar ao Seu lado.

O Papa Francisco repetiu em várias ocasiões, especialmente para os jovens, a necessidade de uma igreja em movimento: “precisamos e queremos uma mudança”, sem se deixar levar pela lógica do “sempre foi assim”. É por isto que é “tempo de ousar o risco de favorecer e estimular modelos de desenvolvimento, de progresso e de sustentabilidade em que as pessoas, e especialmente os excluídos, entre os quais a irmã terra, deixem de ser uma presença meramente funcional, para se tornar protagonistas de sua vida, assim como de todo o tecido social. (…) Não pensemos por eles, mas com eles” (Texto disponível em: Papa aos jovens da “Economia de Francisco: é preciso ousadia, não tenham medo).

A resposta de Jesus é clara e convida aqueles que o buscam a dar um novo passo: Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo". Com essas palavras, Jesus abre uma nova porta que convida aqueles que o seguem a entrar no mistério de sua vida entregue. Seu gesto de multiplicar os pães e saciar nossa fome e sede de algo mais, como aconteceu com a multidão que o seguia, é um sinal, uma primeira aproximação de sua pessoa, que nos enche de vida e alegria, porque satisfaz as expectativas mais profundas daqueles que o buscam. Mas não é suficiente e é por isso que ele nos convida a buscar outro alimento, ele nos chama a conhecê-lo melhor.

O que devemos fazer para realizar as obras de Deus? Jesus respondeu: “A obra de Deus é que vocês creiam naquele que ele enviou”.

Uma nova pergunta: o que deve ser feito? E a resposta de Jesus mais uma vez nos choca: acreditar nEle! Crer em Jesus é moldar a vida a partir Dele, de tal forma que procuramos moldar nossos sentimentos e nossas ações a partir Dele. Não se trata de uma mera adesão externa, imitando-o ou repetindo seus gestos, como poderia ter sido distribuir pão às multidões, que sempre serão atos grandiosos e importantes. Jesus nos convida a entrar em um relacionamento de intimidade com Ele, de modo que Sua presença em nossa vida se torne um verdadeiro alimento que satisfaça nossas preocupações e necessidades mais profundas. Eles perguntam sobre a obra e Jesus responde com uma obra íntima e profunda que é acreditar Nele.

Como diz José Antonio Pagola em seu comentário sobre esse Evangelho: “Acreditar em Jesus é viver e trabalhar por algo último e decisivo: lutar por um mundo mais humano e justo; tornar a paternidade de Deus mais real e mais crível; não esquecer aqueles que correm o risco de serem evitados por todos, até mesmo pelas religiões”.

Nestes tempos difíceis, muitas pessoas deixam nas “mãos de Deus” decisões de verdade e justiça que correspondem àquelas que estão confortavelmente sentadas em espaços políticos, sociais ou religiosos. Estamos vivenciando isso na lenta reconstrução do Rio Grande do Sul, em tantos desterrados ambientais devido a problemas que poderiam ter sido evitados, mas que os interesses pessoais e egoístas abafaram o bem comum, vimos isso nas recentes eleições na Venezuela e assim por diante em todas as áreas onde os interesses de poucos predominam sobre o bem comum.

Jesus nos chama a acreditar Nele e a agir como Ele. Não há um código definido. De maneira especial, este mês nos unimos à intenção do Papa Francisco para o mês de agosto em relação aos líderes políticos. Ele disse: “Atualmente a política não tem boa fama: corrupção, escândalos, está distante do dia a dia das pessoas”. “Mas será que podemos avançar na direção da fraternidade universal sem uma boa política? Não”, responde o Papa.

E por isso ele nos convida a nos unirmos na construção do bem comum: “Os cristãos, especialmente os leigos, são chamados a participar da vida política, para poder construir uma sociedade mais justa e solidária”. “Um indivíduo pode ajudar a uma pessoa necessitada, porém quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e de justiça para todos, entra no campo da mais ampla caridade, a caridade política”, reflete o Papa Francisco sobre este tema na encíclica Fratelli Tutti.

Durante esta semana, deixamos que a resposta de Jesus ressoe em nossas vidas e em nossas comunidades, convidando-nos a mudar o que for necessário para sermos mais parecidos com ele e a acreditar verdadeiramente nele, a quem o Pai marcou com seu selo.

 

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