“Jesus não cede ao pedido dos que o procuram em vista do milagre. Ele os conduz a outra realidade: procurar o alimento para a vida eterna. Ele inaugura uma nova realidade, novas relações com Deus e com as pessoas."
"O verdadeiro pão que Jesus dá, não era aquele da multiplicação, mas o espírito daí resultante: a partilha e o compromisso de todos com todos."
O subsídio a seguir é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Primeira Leitura: Ex 16,2-4.12-15
Salmo: 77,3.4bc.23-24.25.54
Segunda Leitura: Ef 4,17.20-24
Evangelho: Jo 6,24-35
O texto de hoje vem na sequência da multiplicação dos pães e do caminhar sobre as águas (6,1-21). Assim sendo, pode-se ver os versículos 22-25 como transição entre estes relatos e o discurso do pão da vida (6,26-51a). A multidão que procura Jesus, não entendeu o sinal da multiplicação dos pães. Os saciados viram o milagre apenas no sentido material. Não foram capazes de transcender. Ao querer torná-lo rei (v.15a), eles esperam vida fácil, uma religião mágica. Buscaram em Jesus a solução de seus problemas, sem assimilar seu projeto de vida e se comprometer com ele. A luta pelo pão é necessária, mas não de forma mágica. Entender o gesto de Jesus e aderir pela fé (v. 29) é não esperar um milagre, mas entrar na lógica dele e com ele construir a sociedade onde já não falte o pão para ninguém. Se este projeto já estivesse em vigor, todos teriam pão e Jesus nem precisaria multiplicar o pão.
Jesus não cede ao pedido dos que o procuram em vista do milagre. Ele os conduz a outra realidade: procurar o alimento para a vida eterna (v.27). Ele inaugura uma nova realidade, novas relações com Deus e com as pessoas. Nesta nova realidade, o pão será partilhado (doze cestos – 6,13) e esta realidade conduz à vida eterna. Para que esta nova realidade aconteça, não se requer obras, como na lógica de Moisés (v.28), mas uma só obra: crer em Jesus, o enviado, o que tem o selo do Pai (v.29). Porém, crer é mais do que saber o que ele ensinou, mas é aderir e se envolver no seu programa de vida.
Os interlocutores de Jesus ainda não entenderam o sinal do dia anterior. Querem mais um sinal (v.30). Aludem a Moisés (v.31). Muita semelhança com certas pretensões hodiernas que querem testar cientificamente as verdades da fé. João se vale deste desejo para transmitir seu ensino. O verdadeiro alimento não foi o maná, mas o pão doado por Jesus, isto é, sua vida. Deus, por meio de Moisés, deu o maná, mas por meio de seu filho, que desceu do céu, deu o verdadeiro alimento para a vida do mundo. O maná, dado aos israelitas, é prefiguração do que o Pai realizou na pessoa de Jesus, a plenificação da revelação de Deus. Nele se realiza totalmente o projeto do Pai que conduz à vida plena que inicia aqui e culmina na eternidade. O maná foi o alimento que possibilitou ao antigo povo chegar à terra prometida, onde pode ganhar o pão com o suor de seu rosto. A multiplicação também deveria ser vista como a transição para uma nova realidade, onde não faltasse o pão a ninguém. O verdadeiro pão que Jesus dá, não era aquele da multiplicação, mas o espírito daí resultante: a partilha e o compromisso de todos com todos.
João, de forma pedagógica, como já o fizera no diálogo da samaritana, também aqui aponta que a proposta de Jesus não é entendida. A samaritana quer água para lhe facilitar a vida (4,15), os interlocutores pedem deste pão com o mesmo intuito (v.34).
O v. 35 coroa esta lição. Não se trata de um determinado pão, mas do próprio Jesus que, aceito na fé se torna a realização plena dos anseios humanos. Fome e sede saciados são sinais messiânicos (Is 55,1ss). Aqui, porém, o pão ainda não é uma referência à eucaristia, que só se dará a partir de 6,51. O pão aqui é símbolo do ensino e da sabedoria de Deus (Pv 15,3; Eclo 15,3; 24,21(29). Portanto, aderindo a Jesus, pela fé, realiza-se a vida plena desejada pelo Pai, simbolizada pela não fome e não sede (v.35).