A reflexão é de Márcia Terezinha Cesar Miné Geraldo, leiga, esposa, mãe e avó, doutoranda em Teologia/Sistemática pela PUC-Rio. Ela é mestre em teologia sistemática pela PUC-Rio, bacharel em Teologia pela Faculdade Dehoniana, Taubaté/SP e especialista em mariologia pela mesma instituição. É membro da Assessoria Teológica do Santuário de Aparecida e da Diretoria da Associação Brasileira de Mariologia, fundada no Santuário de Aparecida em 16-07-2022. É coordenadora e professora do Curso de Especialização em Mariologia pela Faculdade Dehoniana e pela Academia Marial de Aparecida.
1ª leitura: 11Rs 19,9a.11-13a
Salmo: Sl 84(85),9ab-l0.11-12.13-14 (R. 8)
2ª leitura: Rm 9,1-5
Evangelho: Mt 14,22-33
A liturgia deste domingo nos apresenta que a nossa fé não é uma ideia, um manual de boas maneiras ou mesmo uma lista de preceitos e dogmas; mas sim um encontro salvífico com a Pessoa de Jesus Cristo vivo, aquele que nunca falha. Ele, mais do que uma ideia abstrata, mais que uma figura histórica do passado: é o Deus vivo, amigo presente e atual vivendo no meio de nós. E neste 19º Domingo do tempo Comum somos, todos e todas convidados a vivenciar a Presença de Deus-conosco na nossa caminhada juntos para uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão .
A primeira leitura (1Rs 19, 9a. 11-13a), nos apresenta uma passagem importante na caminhada de fé do profeta Elias. Ao chegar ao Horeb no monte de Deus (v.9a), a montanha de Deus se tornara um lugar de peregrinação antes mesmo do tempo de Elias. O profeta Elias entra numa gruta, onde passou a noite. Trata-se aqui de uma caverna bem determinada pela tradição, aquela que se pensava que o próprio Moisés teria habitado . Eis que a palavra do Senhor lhe foi dirigida nestes termos: “Sai e permanece no alto da montanha, diante do SENHOR: porque o Senhor vai passar” (v11). Antes do Senhor, porém, veio um vento forte e impetuoso, mas o Senhor não estava no vento. Após o vento houve um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto. Passado o terremoto chegou o fogo; o Senhor não estava no fogo (v.13). E depois do fogo um sussurrar de uma leve brisa, como um silêncio tênue. Para Elias, este silêncio devia ser tão inquietante e cheio de significado quanto o vento, o terremoto e o fogo. Porém se estes anunciavam uma ação negativa e destrutiva da parte de Deus, o “sussurrar de um sopro tênue” deve ser visto como a ação positiva, criadora e salvífica do Senhor. Que se manteve com seu Povo e para ele . Ouvindo isso Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e colocou-se na entrada da gruta (v. 13a). A mensagem aqui é que não devemos nunca, jamais desanimar. Mesmo que venha ventos contrários, o Senhor permanece conosco como uma brisa fresca que nos conforta, nos anima e nos coloca de pé para continuar a caminhada.
O Salmo (Sl 84), na perícope que lemos hoje, assim como o texto do Primeiro Livro dos Reis, revela a bondade e a salvação que vem do Senhor. “Mostrai-nos ó Senhor, vossa bondade, e a vossa salvação nos concedei”. Feliz o homem que encontra em Ti a força: bem-disposto ele se põe a caminho (v.6). Aqui podemos interpretar que os caminhos de Deus estão no coração do ser humano: trata-se de um itinerário de peregrinação até Jerusalém . Eles guardam no coração (memória), os caminhos da peregrinação e ao passarem pelo vale das balsameiras fazem dele um oásis, as primeiras chuvas os cobrem de bênção (v. 7). “A balsameira ou olmeiro, que cresce nos vales secos, é uma arvore de seiva abundante. O vale das balsameiras pode ser identificado como uma nova porta, uma nova passagem, um novo caminho a seguir.
Na segunda leitura (Rm 9, 1-5), ao ditar esta carta a Técio (16,22), Paulo encontra-se provavelmente em Corinto, em casa de Gaio, “que hospeda a mim e a toda a Igreja! (16, 23, cf. 1Cor 1, 14-15). Ele está prestes a partir (alguns pensavam que já tivesse partido) para Jerusalém (15, 25-33), levando o produto da coleta que organizara na Macedônia e na Acaia em proveito dos “santos de Jerusalém que se encontram em pobreza” .
Paulo diz: “Em Cristo digo a verdade, não minto, e pelo Espírito Santo a minha consciência disso me dá testemunho!” (v. 1). Querendo que ninguém possa duvidar das afirmações capitais que vai proferir e que toma particularmente a peito, Paulo não se apoia somente em sua lealdade pessoal, ele invoca Cristo e o Espírito Santo como duas testemunhas irrecusáveis (cf. 2Cor 2,17; Gl 1, 20). É possível que o apóstolo pense nas duas testemunhas exigidas pela Lei (cf. Dt 19,15). No Espírito Santo, Paulo considera aqui a sua consciência, não em si mesma, mas enquanto o Espírito Santo testemunha pessoalmente por meio dela (cf. Rm 8,16 nota) .
O termo “evangelho” é a transliteração do grego evangélion, “bom (ou alegre) anúncio”. São chamados “Os Evangelhos” os primeiros quatro livros NT, que trazem em forma narrativa a mensagem e a atividade de Jesus, atribuídos as comunidades de Mateus, Marcos, Lucas e João .
O Evangelho (Mt 14,22-33) nos apresenta Jesus que caminha sobre as águas. Depois da multiplicação dos pães, Jesus mandou que os discípulos entrassem na barca e seguissem, à sua frente, para o lado do mar, enquanto ele se despedia das multidões (v. 22). Essa passagem do Evangelho nos faz refletir sobre a nossa caminhada de fé. Aqui Jesus parece querer colocar a fé de Pedro à prova. Ele, Jesus, sobe ao monte para orar sozinho (v. 22). Mas, também oferece a sua mão e se faz presente ao segurar Pedro. A barca é a vida de cada um de nós, mas é também a vida da Igreja. O vento contrário representa as nossas dificuldades e provações, a barca está no meio do mar. “A barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário” (v.24). Por volta do fim da noite, Jesus vai ao encontro dos discípulos andando sobre o mar (v.25). A atenção de Jesus volta-se agora não mais para as multidões, mas para os discípulos (Mt 14,14), e dos discípulos, para Pedro, protótipo do discípulo em sua dúvida e sua Fé. “Confiança, sou eu. Não tenhais medo! “ (v. 27). Então Pedro lhe disse: “Senhor se és mesmo tu ordena-me que vá ao seu encontro sobre as águas. Vem, disse Jesus” (v.29). Naquele momento para Pedro não foi suficiente a Palavra segura de Jesus, que era como uma corda estendida para segurar-se e enfrentar as águas hostis e turbulentas . Isso, também pode acontecer com cada um de nós. Jesus diz para Pedro: “homem fraco na fé, por que duvidaste?” (v. 31). O episódio de Pedro sendo salvo do mar nos revela que Jesus é o Filho de Deus, enquanto arranca do abismo aqueles que estão na barca . Aqueles que estão na barca, no sentir da comunidade de Mateus provavelmente representa a Igreja (cf. Mt 8, 23-27).
O Evangelho de hoje, também nos mostra que a nossa fé no Senhor e na sua palavra não nos abre um caminho onde tudo é fácil e tranquilo, não nos livra das tempestades da vida. A fé nos oferece a certeza de sua Presença. É Jesus quem nos impele a superar os nossos temporais existenciais, com a certeza, de que é a sua mão que nos segura, a fim de nos ajudar no enfrentamento das nossas dificuldades, indicando-nos o caminho, inclusive quando tudo está escuro . Os milagres de Jesus são sementes e, sinais de esperança no coração da realidade atual . E qual seria a mensagem transmitida pelos chamados “milagres sobre a natureza’? Esses milagres (a tempestade acalmada Mc 4, 37-41; a marcha de Jesus sobre as águas, constitui, uma profunda apresentação da fé cristã em Jesus Cristo). Eles comunicam que apesar de tudo, o ser humano e o mundo têm futuro . A nossa fé não deve ser um subterfúgio para os problemas do cotidiano, mas, nos sustentar durante a caminhada, dando um novo sentido para a vida. “Assim que subiram na barca, o vento acalmou. Os que estavam na barca prostraram-se diante dele, dizendo: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus”(v.33).
GARCIA, A, R. O encontro com Jesus Cristo vivo: um ensaio de cristologia para nossos dias, 1ª reedição 2014. São Paulo: Paulinas, 2001.
PENNA, R.;PEREGO, G., RAVASI, G. Dicionário de temas teológicos da Bíblia. São Paulo: Loyola; Paulus; Paulinas, 2022.
TEB BÍBLIA. Notas Integrais Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 2020.
Disponível aqui. Acesso em: 7 ago. 2023.