09 Agosto 2014
Depois do sinal do pão que se multiplica enquanto distribuído (18º domingo), Jesus realiza um novo sinal: andar sobre as águas e acalmar a tempestade. Assim como ontem, Jesus, hoje, segue conosco na barca, porque cuida dos que são seus.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 19º Domingo do Tempo Comum. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: 1 Reis 19,9.11-13
2ª leitura: Romanos 9,1-5
Evangelho: Mateus 14,22-33
A solidão de Jesus
Jesus acaba de fazer a multiplicação dos pães, sinal anunciador da Páscoa. Dará aí a sua carne e o seu sangue em alimento, para fazer viver a multidão. Todos comeram e ficaram satisfeitos. E nada mais pediram. O texto não fala sobre a reação dos discípulos. Teriam compreendido o significado deste pão inesgotável? Jesus, em todo caso, despede a todos: manda os discípulos para a outra margem e as multidões às suas aldeias. Como se nada houvesse acontecido. Jesus fica sozinho. Pois, de fato, não é o único a saber, o único a conhecer o segredo do que vai lhe acontecer em Jerusalém? Sua oração solitária faz pensar no que irá ocorrer no Getsêmani. Ali também estará só: os discípulos irão dormir. Nos dois casos, o conteúdo da sua oração deve ser idêntico. Ninguém está com ele para abrir o caminho da Passagem. Mas, enfim, se ninguém está ao seu lado é porque o mundo todo está nele. Alguns traços podem aclarar o conteúdo desta sua oração: parece estar dividido. Deseja a vinda desta hora, que é aquela para a qual veio ao mundo, mas ao seu desejo mistura-se a angústia (Lucas 12,49-50). Chega até a pedir que Deus lhe afaste este «cálice», mas, ao mesmo tempo, escolhe a «vontade do Pai». São aspectos que podem nos ajudar a compreender melhor o que significa a «Encarnação»; Jesus não é nenhum super homem; é o «Filho do homem» e compartilha conosco plenamente os nossos desejos e angústias e a necessidade de escolher, característica da nossa condição.
O vento e a água
No texto, os discípulos estão sozinhos na barca, navegando em águas hostis. Águas que, bem entendido, lembram o «grande abismo» de Gênesis 1. O vento está presente também aqui, neste encontro, mas não mais como um leve sopro, voando como um pássaro. Agora é um vento maléfico, é vento de tempestade que, além do mais, sopra no mau sentido. Navegamos, pois, nas águas da morte e os ventos parecem com freqüência nos serem contrários. Quanto a Deus, tudo leva a crer que esteja ausente: Jesus não está na barca. Assim a nave vai. E tudo se passa à noite, no reino das trevas. Jesus, simbolicamente, vai enfrentar esta figura do lado angustiante da condição humana. Com efeito, tudo o que temos de viver, tudo o que podemos empreender, até mesmo sendo bem sucedidos, é afetado pela marca da insignificância, pela perspectiva da morte, na Bíblia representada pelas águas profundas. Jesus vai ao encontro dos discípulos pisando firme sobre as águas mortíferas, aquelas mesmas que haviam destruído a humanidade, no mito de Noé, ou que haviam feito os Egípcios submergirem, no livro do Êxodo. Esta marcha sobre o «mar» é a figura da vitória do Cristo sobre a morte. Todo este capítulo 14 de Mateus é composto de antecipações pascais que vêm responder ao anúncio da decapitação de João Batista (versículos 9-12, imediatamente antes da nossa leitura). Nem o abismo nem o vento maléfico nem a morte terão a última palavra. A palavra do fim, a Palavra derradeira é ainda o próprio Cristo, vivo para sempre.
A aventura de Pedro e nossa aventura
Notemos que, à primeira vista, o Cristo não é reconhecido; os discípulos o tomam por um fantasma, como em Lucas 24,37, quando Jesus vem encontrá-los depois da Ressurreição. Como aconteceu tantas vezes, Jesus os encoraja: «Sou eu, não tenhais medo.» No fundo, podemos pensar neste medo de Deus que secretamente nos habita. Quanto à reação de Pedro, muitos julgam ser absurda, parece querer de fato tentar a Deus: «Vamos verificar. Se na verdade é ele, então, eu também andarei sobre a água; se não for, afundarei.» Mas penso que este texto vai muito mais longe: também nós, seus discípulos, temos de estar com ele em sua travessia da morte. «Se és tu (e sei que é), manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água.» Ali onde está o mestre, ali também deve estar o discípulo. «Aonde vou, tu me seguirás mais tarde…» (João 13,36, no limiar da Paixão). Em nosso relato, Pedro abraça a fé e esta fé o faz dominar as forças da morte. Mas eis que a força da tempestade (pensemos na prisão e na condenação de Jesus) toma posse do seu espírito e o medo substitui a fé. Instala-se a dúvida e Pedro afunda. Exatamente o que se passou no decurso da Paixão. No último momento, Jesus arranca Pedro do influxo das águas mortíferas. Isto tudo está escrito para nos fazer manter a confiança, até mesmo quando constatamos as nossas fraquezas ou mesmo em nossos eclipses de fé. Mais uma vez, o Cristo é que tem a última palavra. «Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus», dizem os discípulos no final da aventura: são as mesmas palavras da profissão de fé pascal.
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