18 Julho 2024
Ex-comandante das forças armadas dos EUA sublinha o papel crucial que a inteligência artificial terá nos conflitos. E os novos dilemas éticos que isso abre.
O comentário é de Gianluca Di Feo, jornalista, em artigo publicado por La Repubblica, 16-07-2024.
Em dez anos, um terço dos soldados americanos serão robôs. Autômatos guerreiros, guiados por inteligência artificial que lhes permitirá lutar sem a necessidade de controle humano. Isto é o que sustenta o general Mark Milley, que deixou o topo das forças armadas dos EUA há alguns meses. Ex-oficial dos paraquedistas e unidades de assalto, formado pela Columbia University e com curso de especialização pelo MIT, desde 2015 administrou todos os planos de modernização do Pentágono, primeiro como número um do Exército americano e depois como chefe de toda a Defesa: foi o diretor dos programas de adaptação de armamentos e táticas ao desafio com a China e ao retorno da guerra na Europa.
Precisamente esta longa experiência o convenceu de que o futuro próximo será confiado aos drones: “Em dez ou quinze anos, aposto que um terço das forças armadas americanas serão robôs pilotados por inteligência artificial. Isso permitirá que sedes em todo o mundo tomem decisões com muito mais rapidez e com base em muito mais informações”. Na sua previsão, Milley quis esclarecer a diferença entre a natureza e o caráter dos conflitos, evocando o pensamento clássico de von Clausewitz. A natureza da guerra não mudará, porque dependerá sempre das atividades humanas e das ações políticas. Disse o oficial: “Um lado tenta impor a sua vontade política ao outro através do uso da violência organizada”.
A forma de travar a guerra, porém, envolve táticas, tecnologias, armas e treinamento de comandantes. Milley afirmou que estes fatores evoluíram frequentemente ao longo dos séculos, mas agora o mundo já está a passar pela maior transformação já havida na história devido à disseminação da inteligência artificial e da robótica. Como sempre aconteceu, por exemplo, com a transição da fundição de bronze para ferro, oitocentos anos antes de Cristo, o país que mais rapidamente desenvolve o uso militar dessas inovações obtém uma vantagem sobre seus adversários: pontas de flecha de bronze não conseguiam perfurar armaduras de ferro.
Desta vez, porém, os cenários são diferentes. E muito mais perturbadores. Isto foi sublinhado pelo general Milley, nomeado para o topo do complexo de guerra americano pelo presidente Donald Trump, com quem se viu frequentemente em desacordo. Segundo ele, para manter a supremacia militar, os Estados Unidos devem não apenas adaptar-se rapidamente às coisas novas, mas também enfrentar uma mudança histórica na forma de lutar. E aí vem o problema.
As diretrizes dos EUA exigem atualmente que os seres humanos estejam sempre envolvidos na atividade de sistemas de alta tecnologia, no jargão chama-se "man in the loop", sejam eles mísseis ou drones e tenham o controle dos robôs, em particular aqueles que podem transportar para fora ações letais: “Existe a crença de que apenas os humanos têm uma estrutura ética na tomada de decisões e que este princípio deve ser salvaguardado em tudo, enquanto a tecnologia não tem moralidade”. Milley, no entanto, não pode excluir que estes princípios atualmente obrigatórios serão derrubados nos próximos anos: “Consegue imaginar um futuro do ponto de vista técnico onde uma máquina ou robô guiado pela inteligência artificial seja capaz de fazer as suas próprias escolhas de forma autônoma? É isso que o mundo quer?”
O generalíssimo destacou o grande perigo que enfrentamos: o desenvolvimento de drones que arbitram por conta própria a vida ou a morte. É uma perspectiva muito mais próxima do que se imagina: o próprio conflito ucraniano está a acelerar a introdução destas ferramentas e, no outono, os drones aéreos ou marítimos produzidos por Kiev estarão todos equipados com inteligência artificial que os tornará capazes de agir sozinhos no fase final dos ataques. Uma escolha técnica que surge da necessidade de eliminar os comandos rádio dos operadores, que nos últimos meses têm sido cada vez mais eliminados pelos dispositivos de interferência eletrônica russos, mas que terá enormes implicações éticas. Haverá bombardeiros, crawlers, barcos que matarão seguindo exclusivamente as instruções inseridas em seus cérebros eletrônicos, adaptando seus comportamentos para superar obstáculos. Indústrias de ponta no setor de sistemas de guerra não tripulados – por exemplo as turcas e israelenses – já desenvolveram uma série de drones que eliminam alvos sem a necessidade de autorização final de um ser humano: seguem os perfis óticos, sonoros ou térmicos definidos por seus programadores.
E estão sendo projetados caças, navios e tanques poderosamente armados que atacarão obedecendo aos algoritmos, sem nem sequer um homem ou mulher a bordo. Tudo isto sem que exista qualquer tipo de código de ética ou de regulamentação reconhecido em nível internacional que coloque limites aos autômatos assassinos: estamos às portas de um Velho Oeste povoado por robôs pistoleiros, muito mais eficientes e letais do que a máquina maluca interpretada por Yul Brynner em “Westworld” há meio século.
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A previsão de Milley, general americano: “Em dez anos, um terço dos soldados serão robôs”. Artigo de Gianluca Di Feo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU