18 Junho 2024
A crise no país africano é classificada com uma das mais graves em vários aspectos. Entidades humanitárias alertam que o país vem sendo deixado à sua própria sorte.
A reportagem é de Cathrin Schaer, publicada por Deutsche Welle, 18-06-2024.
A lista de atrocidades ocorridas na guerra civil do Sudão é extensa e aumenta cada vez mais.
Uma maternidade bombardeada cujo teto desabou sobre bebês que lá estavam. Ataques a campos de refugiados, execuções em massa, ruas cheias de cadáveres, bloqueios à ajuda humanitária, abusos sexuais sistemáticos e outros crimes de guerra. Desde o início da nova guerra civil no país no nordeste africano, há cerca de um ano, estima-se que 16.000 pessoas tenham morrido.
A guerra no Sudão gerou uma das crises de deslocamento de pessoas mais graves em todo o mundo, com pouco menos de 10 milhões sendo forçadas a deixarem seus locais de moradia em busca de segurança.
Na semana passada, a Organização Internacional para a Migração das Nações Unidas (OIM) relatou que, entre os milhões de sudaneses que tiveram de se deslocar, 70% tentam sobreviver em lugares onde há risco de fome.
Apesar dos apelos recentes do Conselho de Segurança da ONU por um cessar-fogo temporário, todas a entidades de ajuda que acompanham a crise no país dizem que a situação não apresenta sinais de melhora.
Desde de abril de 2023, dois grupos militares travam uma disputa pelo poder no Sudão: as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e as Forças de Apoio Rápido (FAR). O conflito teve início após uma série de desavenças entre os dois grupos sobre o compartilhamento do poder, que se seguiram ao golpe militar do fim de 2021.
As FAS, lideradas pelo general Abdel Fattah Burhanl operam como um Exército regular e possuem em torno de 200.000 soldados. As FAR, que possuem entre 70.000 e 100.000 membros sob a liderança do general Mohammed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, atua de maneira semelhante a uma guerrilha.
Recentemente, as FAR conquistaram alguns territórios na região de Darfur, no oeste do país. Em abril, o grupo tomou o controle da cidade de Mellit, considerada como de importância estratégica, e impôs um cerco à metrópole de El Fasher, para onde estima-se que mais de 1,5 milhão de pessoas tenham fugido em busca de abrigo.
"Eles [os combatentes] não são patriotas", disse na semana passada Adam Rojal, porta-voz dos refugiados e desabrigados em Darfur, à emissora Voz da América. "Eles lutam somente em seus interesses próprios. O único derrotado é a sociedade sudanesa. As pessoas perderam tudo", afirmou. "Palavras não são capazes de descrever o quão séria é essa crise".
Apesar da intensificação do nível de violência e das privações, muitas organizações de ajuda e de direitos humanos acusam o resto do mundo de ignorar o conflito.
Em abril, quando completou-se um ano no início do conflito, uma conferência internacional de doadores arrecadou 2,1 bilhões de dólares (R$ 12 bilhões) em ajuda humanitária para o Sudão.
Contudo, no final de maio, a ONU relatou ter recebido apenas 16% dos 2,7 bilhões de dólares necessários.
"Não se pode evitar, ao vermos o nível de atenção a crises como Gaza e Ucrânia, imaginar o que apenas 5% dessa energia poderia atingir em um contexto como o do Sudão, e quantos milhares, dezenas de milhares de vidas poderiam ter sido salvas", afirmou Allan Boswell, especialista da International Crisis Group à revista Foreign Policy no final de maio.
Em março, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, fez o mesmo questionamento em um artigo publicado no New York Times intitulado "O silêncio imperdoável sobre o Sudão".
A guerra civil, segundo afirmou, "transformou o Sudão num inferno vivo". "Mas, mesmo após os grupos de ajuda qualificarem a crise humanitária com estando entre as mais graves do mundo, pouca atenção ou ajuda foi enviada ao povo sudanês".
Em meados de abril, a subsecretária-geral para comunicações globais da ONU, Melissa Fleming, explorou essa questão em um artigo de sua autoria.
Para ela, é possível que um motivo dessa falta de atenção para com o Sudão seja o chamado "amortecimento psíquico". "O termo se refere ao triste fato de que as pessoas se sentem mais apáticas em relação à tragédia, enquanto aumenta o número de vítimas", explicou.
As outras crises que ocorrem simultaneamente também podem causar um efeito amortecedor, diz Fleming, o que vale para desde as mudanças climáticas até os conflitos na Faixa de Gaza e na Ucrânia.
Isso também pode estar relacionado com a natureza do conflito no Sudão. Estudos demonstram que as guerras civis anteriores – especialmente aquelas vistas como questões internas em países distantes – recebem menos atenção do que as crises onde uma nação ataca a outra.
"Eu basicamente venho me confrontando com essa questão desde que comecei a trabalhar com os temas sudaneses, em 1997", afirmou à DW Roman Deckert, um especialista independente em Sudão, sobre a falta de atenção ao país. "Assim como para tantas outras coisas na vida, a resposta é uma combinação de fatores", observou.
Ele disse que um desses fatores é a complexidade da situação, na qual nenhum dos lados é obviamente bom ou mau. Outro fator pode ser potencialmente, ou até subconscientemente, o racismo ou eurocentrismo profundamente enraizado, onde pessoas de fora podem compreender de maneira incorreta o conflito como algo "não civilizado" ou "típico".
Deckert, que trabalha para uma organização voltada para o desenvolvimento de mídia em Berlim, lembra que quando ele começou a estudar o Sudão, a guerra que ocorria nos países da antiga Iugoslávia recebia atenção maior do que a crise gerada pela fome em Darfur.
"Uma jornalista [alemã] que falava a respeito disso em uma conferência disse que as paisagens [na Iugoslávia] eram parecidas com as da Europa Central. As pessoas se parecem com nós; as casas se parecem com as nossas. Assim, no sentimos mais próximos e as pessoas podem se identificar com mais facilidade", observou. "Talvez, hoje em dia, isso se compare à Ucrânia".
Outro fator que torna mais difícil a situação no Sudão é o envolvimento de atores internacionais, alguns dos quais, os países ocidentais consideram como aliados e parceiros comerciais importantes, explicou Deckert.
A Arábia Saudita e o Egito são conhecidos apoiadores das FAS, enquanto os Emirados Árabes Unidos apoiam as FAR. "Esta é uma verdade inconveniente [para os aliados ocidentais]", analisou.
Mas, é também por isso que a dedicação de mais atenção ao Sudão pode ajudar, sugeriu o especialista. Governos sensíveis à opinião pública deveriam ser pressionados para utilizar sua força diplomática sobre os atores externos que mantém a guerra em andamento a guerra no Sudão.
O maior foco no Sudão também pode ajudar as entidades humanitárias que enfrentam dificuldades para trabalhar no país.
Em um estudo de 2021, uma equipe de jornalistas investigativos entrevistou autoridades de alto escalão nos maiores países doadores. Ao mesmo tempo em que as decisões anuais sobre o financiamento da ajuda que foram feitas antes não tenham necessariamente sido afetadas, "a maioria dos burocratas acredita que as coberturas jornalísticas nacionais imediatas podem contribuir para aumentar o nível de ajuda humanitária de emergência direcionadas a uma crise", disseram os pesquisadores.
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Por que o mundo ignora a guerra civil no Sudão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU