29 Mai 2024
“Que agora o Papa nos dê uma grande lição pedindo desculpas”. O teólogo Vito Mancuso está muito decepcionado com a frase de Francisco sobre “muita ‘viadagem’ nos seminários”.
A entrevista é de Francesco Rigatelli, publicada por La Stampa, 28-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um pontífice pode falar assim?
Não, muito menos diante dos bispos. Embora tenha sido um encontro em casa e a portas fechadas, é inqualificável e surpreendente porque contrasta totalmente com aquela frase de tempos atrás em que disse aos jornalistas: ‘Quem sou eu para julgar um gay que procura a Deus?’ Falar agora de ‘viadagem’ é desdenhoso.
O que a frase provocará?
Se a indiscrição for confirmada, a Sala de Imprensa tentará atribuir o deslize ao fato do Papa não ser italiano e não falar bem a língua, enquanto se trata claramente de um erro e, em sentido eclesiástico, de um pecado, pelo qual se desculpar.
O Papa pedirá desculpas?
Daria a todos uma grande lição, a mim em primeiro lugar. Espero que em vez das desculpas não se recorra a alguma desculpa.
E a infalibilidade do Papa?
Aquela diz respeito aos ensinamentos ex cathedra sobre dogmas, não às palavras do dia a dia. Nesse caso, pedir desculpas seria um grande ensinamento espiritual que convidaria a todos a não seguirem o seu mau exemplo.
Existe a possibilidade de algum "corvo" ter vazado tal frase?
Não sei e certamente não faço parte daquele grupo que se opõe ao Papa, pelo contrário, nos meus escritos o defendi diversas vezes. Hoje fico simplesmente pasmado diante desse tipo de comunicação.
Não é a primeira vez que o Papa se comporta fora dos padrões: o tapa na freira que o puxava, a frase sobre dar um soco em quem ofende a sua mãe...
Sim, assim como o tom polêmico que costuma usar em relação à cúria. Seu caráter tem um lado agressivo, que lhe permite atrair a atenção e ser incisivo, mas que também tem um lado sombrio.
Desde o início pauperista da residência em Santa Marta, seu papado corre o risco de acabar na vulgaridade?
Mais que a vulgarização, vejo uma parábola que o entrega à não conclusão. Seu papado é caracterizado por grandes promessas e poucos resultados. Uma semana atrás carimbou o diaconato feminino como irrealizável. Se nem isso for feito, não vejo muita renovação. Lembra Pio IX, que começou despertando grandes esperanças e terminou com a mais dura intransigência.
Este papado está chegando ao fim?
Francisco tem 87 anos. Sinceramente, desejo-lhe uma vida longa, mas a impressão é de um lento declínio.
A acusação que muitas vezes é feita contra ele é de populismo...
Não é nem uma acusação, mas uma evidência. Para o bem e para o mal. O Papa está atento ao humor popular. Faz discursos de improviso, que às vezes funcionam e às vezes não. Para ser realmente um guia, seria melhor que se expressasse de uma forma mais estruturada.
O Papa é de esquerda?
O bispo brasileiro Hélder Câmara dizia: ‘Quando ajudo os pobres dizem-me que sou um bom cristão, quando pergunto por que são pobres dizem-me que sou comunista’. Pode-se até dizer que o Papa é de esquerda, mas alguém de esquerda não diria ‘viadagem’ ou que os médicos que praticam aborto são assassinos, assim como não seria cortante sobre a questão do gênero.
Além disso, não se entende por que os homossexuais dariam menos garantias do que os heterossexuais como seminaristas...
É claro que se tivesse havido um preconceito semelhante no passado, teríamos perdido grandes padres e até alguns papas.
Qual é a posição da Igreja a respeito?
A Igreja acolhe a todos, porque não se escolhe como se nasce, mas como a sexualidade visa a procriação, os homossexuais deveriam abster-se dela.
A exclusão dos seminários seria então uma novidade?
Se o sentido da intervenção fosse excluí-los, a priori, sim.
Há problema específico nos seminários?
Apenas que os candidatos são poucos e os bispos aceitam todos.
Você foi seminarista?
Sim, cinco anos maravilhosos em Milão em que não notei absolutamente nada de estranho.
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“Muitas promessas e poucos resultados: desta vez deve pedir desculpas”. Entrevista com Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU