18 Janeiro 2015
"Matar em nome de Deus é aberrante, mas, se alguém ofende a minha mãe, espere um soco", diz o Papa Francisco imitando o gesto. E o debate se acende. Um soco não é, sempre, uma reação violenta? E a violência não contrasta com o "dar a outra face" de memória evangélica? E então? A liberdade de expressão, de crítica pode ser condicionada?
A reportagem é de Sandra Amurri, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 17-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"É uma simplificação que o papa poderia ter poupado. É uma expressão mais de bar, que não se encaixa para quem fala ao mundo. A meu ver, ele cometeu um erro. Como todos os homens, ele também pode errar. No máximo, ele deveria ter dito: a quem insulta a minha mãe, eu respondo que isso é o sinal da tua ignorância", explica Vito Mancuso, professor de história das doutrinas teológicas na Universidade de Pádua.
Mancuso define o exemplo do pontífice como "enganoso", embora brote daquele bom senso que está diante de crentes e não crentes. "A razão não pode deixar de destacar que o ultraje sistemático de uma grande tradição religiosa constitui uma premissa à violência que não deve e não pode ser justificada, que fique claro", continua Mancuso. "Entre o preto e branco, existem nuances, mesmo que, no caso do massacre de Charlie Hebdo, o preto está todo do lado dos assassinos. Mas eu compartilho a crítica de ele ter radicalizado o confronto, dirigida por Delfeil de Ton, um dos fundadores do semanário francês, agora na Le Nouvel Observateur, ao falecido diretor, Charb".
Eis a entrevista.
Professor Mancuso, deve-se ser livre para escrever, desenhar, com o único limite do respeito à lei?
Da lei, certamente. Mas também se deve respeitar a sensibilidade alheia, o patrimônio ideal dos outros. De onde vem essa ideia de laicidade? De um processo de paz e de tolerância? Não. Vem da Revolução Francesa, que teve milhões de mortes, de 1793 a 1794: uma média de 2.900 por dia. O comediante Dieudonné foi preso por apologia ao terrorismo por ter escrito "Je suis Charlie Coulibaly" pela mesma França laica que, por sua vez, reconhece que as palavras têm limites. Essa situação põe em discussão a consciência de cada um: em que sentido eu posso me converter se sou crente, ou em que sentido eu posso melhorar se não o sou? Caso contrário, não há como sair desse beco sem saída.
E a solução seria colocar limites à sátira?
Eu não os definiria como limites, mas como a tentativa de conciliar dois valores importantes: o respeito pela sensibilidade alheia e a liberdade de expressão, que é sagrada. Para voltar ao massacre de Paris: os assassinos vingaram o Profeta, que havia sido deturpado. Tudo isso, repito, é aberrante, exige um processo de autocrítica. Os maniqueísmos são equivocados tanto de um lado quanto do outro. Dizer que as religiões não podem ser tocadas é equivocado. As religiões podem ser criticadas. Eu mesmo, no meu pequeno, faço isso. Mas outra é afirmar que elas são o mal absoluto. A medida é dada pelo bom senso, pela consciência responsável. Ou entramos nessa situação de "reforma da mente", da qual fala Spinoza, ou estamos destinados a entregar aos nossos filhos uma guerra cotidiana.
Uma guerra que, talvez, tenha raízes muito mais articuladas como as profundas injustiças sociais.
Certamente. Penso na questão palestina. Enquanto não for reconhecido um Estado a esse povo, será muito difícil combater o terrorismo. Mas isso não exclui um exercício responsável da crítica.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
''Um erro: o papa falou como se estivesse no bar.'' Entrevista com Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU