22 Mai 2024
A apostolicidade é irrenunciável, ninguém pode duvidar disso, mas não implica mais nenhuma hierarquia dos sexos.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, publicado em seu blog Come Se Non, 20-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre as coisas que merecem atenção, no debate sobre o acesso das mulheres ao diaconato, e no qual muitos já intervieram, um aspecto fundamental parece ser a questão que pode ser definida como “sistemática”, ou seja, o enquadramento do “diaconato” no interior do ministério ordenado, para pensar sua “reserva masculina” como um elemento a ser reconsiderado, em um horizonte cultural e teológico novo.
Sobre esse ponto, a “normatividade da tradição” deve ser submetida a uma “hermenêutica atualizada”, que possa descobrir uma forma de obediência mais na descontinuidade do que na continuidade, sem escândalo, como ocorreu muitas outras vezes na história.
A recente intervenção de Mario Imperatori, publicada em Settimana News, identifica explícita e justamente o lado “sistemático” como decisivo. Precisamente para esse fim, junto com outros cinco teólogos (três teólogas e três teólogos), escrevemos um pequeno volume, que será publicado daqui a poucos dias pela Queriniana, com o título “Senza impedimenti. Le donne e il ministero ordinato” [Sem impedimentos. As mulheres e o ministério ordenado]. Nesse pequeno livro de apenas 180 páginas, tentamos realizar, de modo franco, um exame acurado do “magistério sobre a mulher de autoridade”, mostrando, a partir de dentro, a fragilidade das argumentações com as quais se tenta defender a “reserva masculina”. Nos níveis bíblico, patrístico, canonístico, eclesiológico, dogmático e sistemático.
O interessante é precisamente isto: não se trata de “ceder à modernidade”, mas de ver o preconceito que marcou a tradição, de Tertuliano a Tomás de Aquino, até Von Balthasar. Libertar o magistério desses preconceitos significa habilitar também as mulheres a serem capazes de uma verdadeira autoridade na Igreja.
É preciso dizer que, sobre isso, a literatura feminista está repleta de pérolas que os teólogos podem, acima de tudo, reconhecer e integrar em seus raciocínios. Uma “cautela” importante é ir até o fim das argumentações, sem parar na superfície. A verdadeira prudência é chamar as coisas pelo seu nome, mostrando com clareza a inconsistência dos argumentos clássicos sobre o tema.
Esse modo de trazer à tona as fragilidades do magistério católico desde 1976 até hoje pode dar um novo fôlego à grande intuição de João XXIII em 1963: dar reconhecimento à mulher no “espaço público”. Isso, precisamente como “sinal dos tempos”, é um conteúdo da tradição que deve emergir de uma forma nova, porque, na história, um certo “complexo de superioridade masculina” o comprimiu e às vezes o ofendeu, mesmo com todas as melhores intenções.
Por isso, penso eu, não só não se deve temer que o acesso das mulheres ao diaconato possa enfraquecê-lo, mas, antes, pode-se pensar que poderia ser a melhor oportunidade para relançar seu perfil eclesial e pessoal. Não se trata de atrasar esse acesso antes de ter esclarecido melhor o terceiro grau do ministério ordenado: esta era uma argumentação que eu sempre ouvi, até mesmo de grandes teólogos, e que, com o passar do tempo, me convence cada vez menos. Às vezes, eu também a escuto das mulheres diretamente interessadas na ordenação. Ela soa mais ou menos assim: primeiro, reformemos o ministério ordenado e o diaconato, e depois as mulheres poderão entrar neles. Outras vezes, o raciocínio é ainda mais pesado: primeiro, libertemos o ministério do clericalismo e depois o abramos à mulher, para que ela também não se torne clerical.
Na realidade esses raciocínios são fruto de “idealizações” e contêm uma certa dose de idealismo e de unilateralidade. Que fique claro: isso não significa que as mulheres podem hoje ter acesso ao melhor dos ministérios possíveis. Sem um acurado trabalho para repensar a instituição, tudo poderia permanecer na superfície e não incidir nem nas quantidades nem nas qualidades do ministério.
Mas é evidente que a abertura às mulheres seria um dos passos concretos e tangíveis dessa renovação da instituição ministerial. O fato de cair a “reserva masculina” ao grau do diaconato do ministério ordenado seria uma nova autocompreensão do ministério, uma etapa fundamental de sua possível renovação e da consequente reforma da Igreja Católica, da qual precisamos há 60 anos.
Uma cautela teológica, portanto, é entender os limites estruturais e institucionais de uma “reserva masculina” que não encontra mais argumentos dignos desse nome, exceto em reconstruções históricas unilaterais ou em enrijecimentos autoritários dotados da pretensão de poder permanecer sem motivações teológicas e até com a presunção de impedir que outros forneçam melhores.
Essa intenção parece coerente com as palavras com que Mario Imperatori expressa sua posição e que eu relato aqui em uma passagem importante:
“Sua posição (de Andrea Grillo) tem o indubitável mérito de chamar a atenção para a problemática do paradigma eclesiológico hierárquico, um paradigma coerente em relação à minoridade cultural e social sofrida durante muito tempo pelas mulheres, de uma forma nem sempre total e uniforme, aliás. Hoje, tal minoridade, que tornava o fato de ser mulher até um impedimento à ordenação, certamente não é mais aceitável, não só culturalmente, mas nem mesmo teologicamente. E isso em razão da igualdade entre homem e mulher que nasce do fato de ambos serem feitos Um em Cristo mediante o batismo."
“Além disso, esse paradigma eclesiológico hierárquico não se encontra como tal no Novo Testamento. De fato, ele se consolidou na Tradição como uma tradução historicamente condicionada da apostolicidade da Igreja, contextualmente elaborada a partir da tríade neoplatónica e da releitura espiritual dos ministérios neotestamentários inspirada no sacerdócio vetero-testamentário.”
Até aqui, parece-me que nos encontramos em plena sintonia. O ponto de diferenciação é, antes, a natureza “apostólica” do ministério. Será que essa característica, sobre a qual Imperatori se debruça com razão, seria talvez capaz de impor uma solução diferente? Sigamos ainda o texto de Imperatori:
“Ao contrário desse esquema hierárquico, a apostolicidade, da qual tal esquema é uma tradução histórica, representa, por sua vez, uma das notas indispensáveis da Igreja precisamente por ser atestada no Novo Testamento e proclamada no Credo como verdade de fé. E não só na figura dos Doze, mas também na de Paulo. Neste ponto, talvez devêssemos nos perguntar sobre o paradigma eclesiológico-sacramental mais adequado para abordar a questão da apostolicidade do ministério ordenado e de sua coerência ou não com a admissão nele ou em parte dele também de mulheres batizadas.”
O ponto decisivo, nesse esclarecimento, porém, é a conexão entre “apostolicidade” e “masculinidade”. Se substituíssemos a lógica hierárquica pela lógica apostólica, sic et simpliciter, teríamos um resultado singular. A reserva masculina seria garantida não pela “hierarquia dos sexos”, mas pela “própria noção de apostolocidade”: a qual, no entanto, traria de volta pela janela, em uma qualidade diferente, aquilo de que teríamos nos despedido passando pela porta.
A noção de “apostolicidade”, pensada como se se referisse não simplesmente a quem é “enviado”, mas a quem é enviado sendo necessariamente “homem”, com uma sobrecarga sexual e sacramental da kénosis, parece-me um caminho já tentado por Von Balthasar e que leva inevitavelmente a maiores dificuldades.
O fato do envio de 12 homens galileus circuncidados expressa a tradição de uma forma que não é imediatamente normativa. Não acho que se deva tentar “contornar o obstáculo” da entrada da mulher no espaço público, mas sim de assumir sua novidade, de forma prudente, mas lúcida.
Parece-me que Mario Imperatori também enveredou por esse caminho problemático, mas exigente. Não há razões consistentes pelas quais a apostolicidade deva ser reservada aos homens: a tentativa de explicá-la histórica ou autoritativamente é muito frágil. Esse é o ponto decisivo, em torno do qual se mantém ou cai qualquer solução autêntica para a questão do acesso da mulher ao ministério ordenado.
Caso contrário, acabaríamos transferindo para a “apostolicidade” aquilo que dizíamos sobre a “hierarquia”, mas com o mesmo resultado decepcionante precisamente no nível teológico. A apostolicidade é irrenunciável, ninguém pode duvidar disso, mas não implica mais nenhuma hierarquia dos sexos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O diaconato feminino como questão sistemática: em diálogo com Mario Imperatori. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU