07 Mai 2024
Casoni é uma pequena cidade de 2.500 habitantes na província de Vicenza. E para contar para onde está indo a Igreja no Vêneto nos dias da primeira visita do Papa Francisco, se pode começar por essa pequena cidade que Pio X chamava “o celeiro de vocações” e que acabou até nas páginas do Wall Street Journal como a comunidade com a maior taxa de religiosos do mundo. Leonardo Bortignon, apaixonado pela história local, até se deu ao trabalho de contá-los: 157 consagrados do final do século XIX até os dias atuais, 71 padres, 5 religiosos não sacerdotes, 76 religiosas, três consagradas seculares, bem como dois seminaristas mortos antes da ordenação.
A reportagem é de Andrea Priante, publicada por “Corriere del Veneto”, 27-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Mas a situação mudou, e não só aqui...” suspira abrindo os braços Dom Alessandro Piccinelli, desde que chegou à região, em 2016 e foi posto à frente da paróquia de Casoni e de Mussolente: de fato, viu-se atendendo sozinho do que antes faziam dois sacerdotes. “A última celebração de um dos nossos concidadãos que fez os votos remonta a seis anos atrás. Desde então, mais nada. A missa tem boa frequência, mas quando se olha para os presentes, são em sua maioria idosos. A verdade é que para ser praticantes hoje em dia é preciso ter a coragem de ir contra a corrente.” Não existe mais aquele Vêneto pobre e camponês que lotava as missas e obedecia ao padre até dentro da cabine eleitoral, com o semanário católico veneziano La Voce di San Marco, que já em 1948 traçava a linha: “A Ação Católica tem a tarefa de cristianizar a população e a DC tem a tarefa de satisfazer as suas necessidades econômicas e políticas". Hoje, da sacristia da Itália, restam apenas as paredes das sete mil igrejas construídas ao longo dos séculos e hoje desoladamente vazias.
O Vêneto está dividido em nove dioceses (além das sete províncias, há Chioggia e Vittorio Veneto) e 2.070 paróquias, distribuídas principalmente entre Pádua (455), Verona (378) e Vicenza (355). Em Veneza, sede do Patriarcado, são 125. Para administrá-las é chamado um exército de sacerdotes agora reduzido à metade: na década de 1970, os padres diocesanos e aqueles regulares (isto é, que pertencem a uma ordem, como jesuítas, franciscanos, etc.) eram seis mil, que caíram para 4.800 em 2004 até os atuais 3.700. Veneza, por exemplo, passou de 714 padres em 1969 para 266 no último censo de 2022. E no futuro será ainda pior: a Igreja de Vicenza prevê que os atuais 380 sacerdotes diocesanos, em quinze anos cairão para 150. É também por isso que se discute há tempo sobre uma abertura para os papéis mais exigentes para as mulheres, mas a verdade é que provavelmente é tarde demais para pensar que serão elas a compensar a falta de vocações: nos anos 1970 eram 17 mil as religiosas que vinham do Vêneto, agora menos de um terço.
O resultado? Os nossos sacerdotes estão cada vez mais exaustos, estressados e deprimidos, obrigados a correr de uma paróquia para outra e cuidar de todas as incumbências. Às vezes só o que resta é levantar a bandeira branca: em cada diocese do Trivêneto, em média dois ou três padres por ano pedem afastamento para se beneficiar de um período sabático.
Alargando o olhar dos párocos aos paroquianos, descobre-se que a acolher o Papa Francisco é uma comunidade cristã agora amplamente secularizada. De acordo com o Istat, apenas 18,7% da população frequenta um local religioso pelo menos uma vez por semana (um pouco abaixo da média italiana) e um em cada três nunca vai à missa. Para ser claros, somos menos praticantes do que nas regiões do sul da Itália (23%, com picos de 24% na Calábria e na Sicília), mas também nas Marcas (19,2) e no Trentino (19,5). O dado se reflete sobre aquelas fases da vida que antes eram consideradas fundamentais para qualquer cristão. Segundo o Instituto Regional de Estatística, em 1984 os casais da região que escolhiam por não se casar na Igreja eram apenas 11%, mas já em 2004 saltaram para 37,9. A ultrapassagem veio em 2013, e agora os casamentos civis passam o 66%. Há também um aumento daqueles que optam por não se casar, com o resultado de que em 20 anos passamos de 19 mil casamentos por ano para os atuais 14 mil, e num caso em cada quatro trata-se de segundos casamentos.
O caminho parece marcado também para as novas gerações: quatro em cada dez recém-nascidos são filhos de pais não casados, até mesmo a metade se olharmos para os casais com menos de 29 anos. De acordo com algumas estimativas, 30% das crianças não são batizadas e, quando crescem, frequentam as aulas de ensino religioso católico oito em cada dez estudantes: uma queda de 10 por cento menos de vinte anos. E no ensino médio, dependendo da área de estudo, a adesão cai ainda mais até atingir 68 por cento.
Em tudo isso, os únicos dados (aparentemente) em contratendência: por um lado o Festival Bíblico que, começando discretamente em Vicenza em 2004, agora envolve sete dioceses e registra 25 mil presenças; por outro lado, os cinco institutos de ciências religiosas do Vêneto que vivem um boom de matrículas (dos 497 estudantes em 2018 para os atuais 741, +49%). É o sinal de que a Fé não é mais uma imposição social, mas torna-se o fruto de reflexões, e quem hoje se define como cristão quer “investigar” sobre Deus, aprofundando suas implicações e sua relação com os homens. Em contrapartida, por méritos e preparação, cada vez mais moradores da região alcançam papéis de liderança no âmbito do estudo da religião. Alguns exemplos: o teólogo de Verona Alberto Dal Maso foi nomeado diretor da Queriniana, considerada a mais importante editora do setor teológico; o jornalista Lorenzo Fazzini, de Colognola ai Colli, é hoje gerente editorial da Libreria Editrice Vaticana; Lucia Vantini, professora de antropologia filosófica em Verona, desde 2021 preside a Coordenação das teólogas italianas; e o vice-reitor da Faculdade Teológica do Trivêneto, Dom Riccardo Battocchio, foi nomeado presidente da Associação Teológica Italiana.
Essa é a situação com a qual se deve confrontar uma Igreja que, para seguir em frente, precisa de homens e mulheres “de boa vontade”, quer usem ou não a batina. O futuro, pelo menos o mais imediato, verá algumas paróquias perderem a sua configuração jurídica (acabando por ser incorporadas por aquelas próximas), mesmo mantendo abertos os locais de oração, pelo menos enquanto houver uma comunidade para os frequentar. “Para cuidar de tudo haverá ‘fraternidades’ compostas por 3 ou 4 sacerdotes que juntos cuidarão de um território de 7- 8 paróquias, para um total de 15-20 mil fiéis”, prevê dom Alessio Graziani, diretor do semanário diocesano La Voce dei Berici.
É o único compromisso considerado aceitável. A alternativa é que, depois da lista de galpões abandonado, o Vêneto também tenha que acertar as contas com uma extensão de seminários e estruturas religiosas fora de uso. Já está acontecendo: em Bassano o convento dos Capuchinhos fechou depois de 500 anos, o mesmo aconteceu com os frades de Rovigo, enquanto o seminário de San Massimo em Verona já está vazio há décadas.
“Durante séculos a religião representou a cola da sociedade gerida, de uma forma mais ou menos oculta, pelo Estado. Mas hoje aquele mundo definitivamente desapareceu” reflete o sociólogo Luca Diotallevi, que no seu livro La messa è sbiadita aborda justamente o tema da mudança que está em curso no mundo católico. “O primeiro a intuir que um novo ciclo se abriria foi o Papa Paulo VI, que já na década de 1960 imaginou um público de fiéis menos numeroso, mas mais preparado cultural e espiritualmente, onde o papel dos leigos adquiriria cada vez mais importância”.
Então os sinais existiam, o problema – explica Diotallevi – é que a Igreja não conseguiu governam esse processo: “Os papas que vieram depois de Paulo VI e muitos bispos preferiram seguir outros caminhos, talvez na ilusão de poder mudar o rumo dos acontecimentos ou reduzir os custos da renovação. Agora é tarde demais para outros atalhos e, enquanto isso, aumentam os decepcionados e aqueles que se afastam da fé." No final quem ficará? “Os mais convencidos: homens e mulheres, jovens e idosos, que se dizem católicos em virtude de uma escolha livre e de um processo de estudo, de reflexão e de uma participação mais responsável na liturgia. Talvez não muitos, mas serão ‘praticantes’ no sentido mais autêntico, participando da missa e demonstrando caridade. E tudo isso, afinal, permitirá à Igreja não sucumbir e recortar um novo papel para si dentro de uma sociedade moderna e plenamente secularizada”.
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A nova cara da igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU