06 Mai 2024
"A razão pela qual Diotallevi escolheu tal período preciso para a análise, de 1993 a 2019, é simples: de fato, é a partir de 1993 que o Instituto Nacional de Estatística (ISTAT) apresenta todos os anos a sua pesquisa (“Aspectos da vida cotidiana”), que levanta informações fundamentais relativas à vida cotidiana dos indivíduos e das famílias. Fruto de mais de quarenta mil entrevistas, as informações recolhidas permitem-nos conhecer os hábitos dos cidadãos, entre os quais a prática religiosa", escreve o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Stampa, 20-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Entre fatalismo fácil e resignação apática, nos ambientes eclesiais repete-se como um refrão a expressão: “depois do Covid, a frequência à missa caiu pela metade”. Tem-se a impressão de que atribuindo à pandemia a derrocada na participação no rito religioso por excelência na Itália, a chamada "Santa Missa", se queiram ignorar ou, pior ainda, negar as suas verdadeiras causas há tempo em curso e, ao mesmo tempo, renunciar a assumir as responsabilidades diante de um fenômeno tão religiosamente devastador e socialmente relevante.
Que culpar o lockdown seja um álibi e uma desculpa agora também está cientificamente demonstrado por um dos mais conhecidos e respeitados sociólogos da religião, Luca Diotallevi, professor titular de Sociologia na Universidade de Roma TRE. No ensaio La messa è sbiadita. La partecipazione ai riti religiosi in Italia dal 1993 a 2019 (A missa desbotou. A participação nos ritos religiosos na Itália de 1993 a 2019, em tradução livre), publicado pela Rubbettino, o autor mostra que se observarmos os valores relativos à participação nos ritos religiosos apresentados pela grande revelação anual do ISTAT para os anos 2015-2021, torna-se obrigatório constatar que a regressão na participação na missa dominical já estava curso há anos.
La Messa è sbiadita: la partecipazione ai riti religiosi in Italia dal 1993 al 2019 (Foto: Divulgação)
Com dados nas mãos, o sociólogo da Roma Tre mostra o que todos já constatam há tempo: a queda vertical da participação na missa dominical. Passamos de 37,3% da população adulta em 1993 para 23,7 em 2019. Os jovens que declaram frequentar são 8% e os adolescentes 12%.
Em 2019, as mulheres adultas que declaram uma prática pelo menos semanal são ainda mais que os homens: 28,7% das primeiras contra 18,3% dos segundos. Contudo, o dado a realçar é que no caso das mulheres foi perdido quase 40% do valor registado em 1993 e no caso dos homens, pouco mais de 30%.
O declínio na frequência ao rito dominical é, portanto, mais rápido entre as mulheres do que entre os homens, e é evidente que esse fator de gênero tem efeitos consistentes e crescentes, tanto religiosos como extrarreligiosos, e esse novo fator produzirá transformações ulteriores e profundas. A vida comum das paróquias italianas é, de fato, composta predominantemente por mulheres, tal como a educação religiosa dos filhos nas famílias.
O primeiro resultado que Diotallevi constata a partir dos dados que analisou é o desaparecimento daquilo que só duas décadas atrás os sociólogos definiam como "a natureza excepcional do caso italiano" (juntamente com aquele estadunidense) - e acrescentaria polonês -, uma excepcionalidade que já desapareceu, que a literatura sociológica parece ter recebido com consenso geral. Mesmo na Itália, como nos EUA, a prática religiosa dominical está experimentando um declínio acentuado. Além disso, na pesquisa global realizada em 2020 pelo sociólogo estadunidense Ronald Inglehart, a Itália estava entre os países em que o declínio religioso entre 2007 e 2019 havia sido mais forte.
A razão pela qual Diotallevi escolheu tal período preciso para a análise, de 1993 a 2019, é simples: de fato, é a partir de 1993 que o Instituto Nacional de Estatística (ISTAT) apresenta todos os anos a sua pesquisa (“Aspectos da vida cotidiana”), que levanta informações fundamentais relativas à vida cotidiana dos indivíduos e das famílias. Fruto de mais de quarenta mil entrevistas, as informações recolhidas permitem-nos conhecer os hábitos dos cidadãos, entre os quais a prática religiosa.
O autor limitou intencionalmente a sua pesquisa a 2019 para excluir os comportamentos dados pelo lockdown, que na realidade não teve qualquer impacto no declínio já iniciado na participação na missa. Como acontece em situações de guerra, terremotos, pandemias, etc. os processos sociais já em curso recebem uma aceleração. A pandemia não fez nada além de acelerar o processo de secularização em curso. Acrescentar os anos de 2020 a 2022 não teria adicionado resultados significativos, mas simplesmente confirmado a tendência existente.
A missa não acabou, mas certamente desbotou. O uso da metáfora do “desbotamento” é escolhida por Diotallevi para retratar o que emerge do conjunto de dados expostos no volume, dados que confirmam aquele fenômeno agora consistente na literatura sociológica internacional: a afirmação de uma religião de "baixa intensidade", como a denominou o sociólogo britânico Bryan Stanley Turner.
Uma missa desbotada que corresponde ao desbotamento da importância social do rito religioso altamente institucionalizado. Desbotou porque a influência da participação na missa nos outros âmbitos da vida social - laços sociais, voto político, práxis moral - é cada vez menos percebida. Somente cinquenta anos atrás se percebia sociologicamente uma ligação muito forte: “ir à missa” fazia a diferença, hoje não mais.
Pelo conhecimento que tenho da vida das comunidades paroquiais e pela assiduidade com os párocos com quem interajo frequentemente e cujas confidências ouço, os números relativos à prática dominical apresentados pelo estudo de Diotallevi são muito superiores aos reais. Não se deve esquecer que esse estudo não se baseia na participação efetiva à Missa, mas nas autodeclarações de participação na missa, que é outra coisa. Os sociólogos sabem bem que é necessário descartar uma superestimação do fenômeno: mais pessoas do que aquelas que realmente vão à Missa declaram ir. Um “vício” muito italiano de declarar o que não fazem, o mesmo que convida a analisar sempre com ressalva os resultados das sondagens durante as votações.
O precioso estudo rigorosamente sociológico de Diotallevi confirma o que em nível teológico é cada vez mais observado. De forma acelerada, foi descoberto aquilo que, na realidade, antes da pandemia não se queria ver: a contínua diminuição da comunidade eclesial, porque para muitos as liturgias tornaram-se irrelevantes, já não dizem mais nada, são desprovidas de palavras significativas, e para alguns agora são até incompreensíveis.
Quantas vezes me parte o coração quando vou às igrejas e as encontro desertas! Igrejas que outrora frequentei, participando em assembleias festivas entre cantos de alegria, enquanto hoje... E pergunto-me: ainda haverá liturgias aqui, nesta nossa terra de antiga cristandade? Ou haverá apenas liturgias domésticas, para pequenos grupos e comunidades?
Precisamos nos questionar com audácia sobre o futuro da liturgia, apesar deste ser um momento em que, em torno da Eucaristia, ocorrem disputas, contestações, divisões e cismas na própria Igreja Católica.
Pareceria que este não deveria ser o momento oportuno para olhar para o futuro da liturgia, que é um tema incandescente e gerador de divisão, mas continua a ser necessário responder à necessidade dos fiéis que pedem “pão”, alimento para as suas vidas.
Hoje, mais do que nunca, os cristãos pedem que a liturgia seja viva de palavras, sinais e ações humaníssimas.
O que havia de extraordinário em Jesus era a sua humanidade, e na liturgia devem aparecer as suas ações, as suas palavras, encarnação do seu Logos eterno. Na homilia de 6 de janeiro de 2022, o Papa Francisco perguntava: “As nossas palavras e os nossos ritos acendem no coração das pessoas o desejo de encontrar Deus ou são uma língua morta?”. Note-se que os resultados da pesquisa sobre a participação nos ritos religiosos na Itália, fornecida por Diotallevi, dão uma clara, impiedosa e iniludível resposta.
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A missa desbotou e a pandemia não tem nada a ver com isso. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU