05 Dezembro 2023
"A aposta do pontificado não prevê nenhum plano alternativo nem a nostalgia. 'Olhemos para frente, para frente', repete sempre o pontífice aos seus colaboradores, contendo um acesso de tosse. A sua gripe é pouca coisa comparada com os males que aceleram o declínio da Igreja", escreve Gianluigi Nuzzi, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 01-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Como estou? Estou bem... ainda estou vivo, sabe? Veja só, não estou morto!”
Entre ironia e sarcasmo, o Papa Francisco aborda com quem o visita essa nova incômoda inflamação pulmonar, a terapia de antibiótico, o novo ciclo que ainda terá que tomar com os médicos que recomendam repouso absoluto. Bergoglio é sensível ao aparelho respiratório, a árvore traqueobrônquica doente pode causar reações asmáticas e dificuldade para falar que alarma um pouco a todos e é o sintoma mais evidente. A voz rouca, os olhos cansados, as olheiras marcam o rosto inchado. Uma sensação de inquietação e desorientação aparece e só diminui quando os médicos inspiram otimismo ao sustentar a paciência do pontífice. “As doenças do Papa? Nada em comparação com a saúde da Igreja – comenta um sacerdote muito próximo do Santo Padre – a Igreja está bem pior, marcada por doenças crônicas e sazonais”. Entre as primeiras está certamente a queda das vocações e do número de fiéis, que provocaram um uma espécie de depressão no âmago dos episcopados do velho continente. Seminários vazios, paróquias semidesertas.
Encontros para analisar essa ferida que sangra há mais de uma década não adiantaram para recuperar antídotos e encontrar remédios adequados. “Perdemos o coração – experimenta murmurar alguém – não há mais afeição, capacidade de escuta e respostas." E isso provoca efeitos em cadeia imprevisíveis: há quem aceita com indulgência vocações frágeis, colocando riscos no horizonte e minas de reputação no caminho, quem pisca e cede à política para encontrar forças comprometendo a visão humanitária, ímã deste pontificado. Um exemplo recente vem do Vêneto, onde certo monsenhor e alto prelado se atravessou no acolhimento de refugiados e desesperados, surpreendendo não poucos nos sagrados palácios. Melhor ficar nas boas graças de uma certa política do que acolher os últimos?
Para relativizar o antigo mal da diminuição dos fiéis, há quem sublinhe como se trate de um problema levantados por uma visão eurocêntrica, porque das paróquias da África e da Ásia vem o entusiasmo dos jovens e daqueles que mostram dificuldades não em encher as igrejas, mas em ter estruturas que possam acolher a todos. Um otimismo que, porém, esfria diante do outro mal antigo, isto é, apoio econômico, porque os novos fiéis contribuem menos do que o que se recebia aos tempos dourados da Europa e da América do Norte. E deste último continente chega a febre da doença sazonal, ou seja, daquela vontade cismática que a mídia muitas vezes tem enfatizado contra Francisco.
Como nos EUA, também no episcopado alemão. Em vez disso, Timothy Broglio, à frente dos bispos católicos dos Estados Unidos, acalma sempre que pode, privilegiando os canais diplomáticos internos na discussão, em vez de despejar tudo nas mídias. Ou seja, ele se mantém distante de enfatizar dissidências e minimiza o valor daqueles que alimentam o cisma. Um pouco como nos tempos de Bento XVI quando a deriva separatista era levada adiante pelos Lefebvrianos, ainda hoje bastante críticos do pontífice.
No entanto, algumas tendências são relevantes. A comunidade clerical dos EUA está assumindo posições cada vez mais tradicionalistas, como reflete um estudo recente da Universidade Católica da América. A polarização conservadora destinada a crescer e ditada também pela distinção com as realidades dos mórmons e dos pentecostais. O documento é baseado em entrevistas com 131 bispos e mais de dez mil sacerdotes. Entre aqueles ordenados desde 2010, mais de metade classifica-se como “conservador” ou “muito conservador", enquanto nenhum padre ordenado depois de 2020 se define "muito progressista".
Finalmente, 85% dos padres mais jovens aderem teologicamente a dogmas “conservadores e muito conservadores". Os dados devem ser cuidadosamente avaliados, mas essa realidade poderia influenciar a escolha dos cardeais EUA em um futuro conclave? A pergunta é um sintoma de outra gripe sazonal que se espalha no Vaticano especialmente desde que o Papa reinante apresenta problemas de saúde. Na loteria dos papáveis a valorização de um sucessor italiano e, portanto, do Secretário de Estado Pietro Parolin, recolhe consensos transversais, amplificando um momento de esfriamento entre ele e o pontífice. Parolin seria o ponto de equilíbrio? É uma hipótese bastante prematura e que justamente Bergoglio descartaria com o seu humor afiado: “Não estou morto… eh…”, também porque hoje todos reconhecem como ele está firme no comando depois de ter recomposto o mosaico do poder curial em dez anos, escolhendo os seus fidelíssimos. No entanto, mesmo aqui os descontentamentos aumentam porque eficientismo e funcionalismo não bastam.
E as reduções afetam feridas já abertas. O processo contra o Cardeal Angelo Becciu e a ação contra o cardeal ultraconservador Raymond Burke representam o ponto mais visível de uma política interna que visa punir aqueles que se acredita usem seus privilégios contra a Igreja ou ajam para promover a desunião. É preciso aguardar a sentença no processo de Becciu e entender se Burke realmente perderá casa e salário, mas certamente mesmo influenciado todos os dias, como bom jesuíta Bergoglio hesita. E assim as pessoas de confiança, a começar pelo cardeal Mauro Gambetti, vigário geral para o Vaticano. Identifica monopólios e vitalícios para eliminar prebendas e bolsões de privilégios. Manobras que aumentam as dores de estômago, engrossando o grupo dos inimigos das reformas, dos que reclamam da gestão rígida dos dicastérios, sem pesos e contrapesos. Mas a aposta do pontificado não prevê nenhum plano alternativo nem a nostalgia. “Olhemos para frente, para frente”, repete sempre o pontífice aos seus colaboradores, contendo um acesso de tosse. A sua gripe é pouca coisa comparada com os males que aceleram o declínio da Igreja.
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O corpo doente da Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU