10 Abril 2024
"Uma presença negativa. A tradução da Nuova Riveduta nomeia assim a árvore do apólogo de Jotão, imagem de um rei escolhido contra os seus próprios interesses, incapaz de oferecer sombra e proteção aos seus súditos. Ao contrário da oliveira, da figueira e da videira, vegetação nobre, em nada interessada em dominar sobre as outras árvores, o espinheiro evocado por Jotão aceita reinar e mostra, de imediato, a sua face ameaçadora: 'Se, deveras, me ungis rei sobre vós, vinde e refugiai-vos debaixo de minha sombra; mas, se não, saia do espinheiro fogo que consuma os cedros do Líbano!' (Juízes 9, 15)", escreve Lidia Maggi, pastora batista italiana, publicado em Riforma, 10-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
E apascentava Moisés o rebanho de Jetro, seu sogro, sacerdote em Midiã; e levou o rebanho atrás do deserto, e chegou ao monte de Deus, a Horebe.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia.
E Moisés disse: Agora me virarei para lá, e verei esta grande visão, porque a sarça não se queima.
E vendo o Senhor que se virava para ver, bradou Deus a ele do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés. Respondeu ele: Eis-me aqui.
E disse: Não te chegues para cá; tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa.
Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto, porque temeu olhar para Deus.
Êxodo 3,1-6
Um espinheiro, um arbusto, talvez uma moita de amoras, em todo caso vegetação de lugar desértico, certamente não uma árvore de jardim! Mais morto que vivo, seco, queimado de sol.
O ator certo para a parábola narrada por Jesus da semente que caiu em terreno pedregoso, com pouca terra. Uma erva daninha espinhosa, sem beleza nem frutos. Uma mancha que os olhos sequer percebem.
Uma presença negativa. A tradução da Nuova Riveduta nomeia assim a árvore do apólogo de Jotão, imagem de um rei escolhido contra os seus próprios interesses, incapaz de oferecer sombra e proteção aos seus súditos. Ao contrário da oliveira, da figueira e da videira, vegetação nobre, em nada interessada em dominar sobre as outras árvores, o espinheiro evocado por Jotão aceita reinar e mostra, de imediato, a sua face ameaçadora: "Se, deveras, me ungis rei sobre vós, vinde e refugiai-vos debaixo de minha sombra; mas, se não, saia do espinheiro fogo que consuma os cedros do Líbano!" (Juízes 9, 15). O espinheiro apresenta um caráter destrutivo, que se manifesta no alimentar um fogo que devora tudo ao seu redor. Mas eis que, no relato das muitas metamorfoses, aquela em que um grupo de escravos se transforma num povo livre, os paus viram serpentes e a água sangue, até o nosso espinheiro sofre uma transformação radical.
E justamente no elemento que mais a caracteriza, qualificando-a como planta negativa e ameaçadora, que pega fogo e consome. Moisés experimenta isso naquela fase da vida em que, forçado pelas circunstâncias, havia se retirado, abandonando o cenário público limitando-se à gestão familiar. Noutra época, quando jovem, por um momento aspirou ser pastor dos seus irmãos; mas agora se limitava a ser pastor de ovelhas. A história faz de tudo para zombar das esperanças juvenis, da ambição de mudar a situação atual. Melhor não pensar mais nisso e talvez justificar a retirada com as palavras das nobres árvores do apologista de Jotão (Juízes 9, 8-15): “Eu deveria renunciar ao meu óleo, à minha doçura, do meu vinho, para dominar sobre as árvores?”. A história humana parece oferecer apenas agitações vãs em vez de efetivas transformações. Parece.
Mas eis que justamente o espinheiro, o ator negativo entre os protagonistas botânicos das Escrituras, mostra a possibilidade do impensável. Eis que surge no cenário histórico um espinheiro que oferece o espaço à irrupção do divino: “O anjo do Senhor apareceu-lhe numa chama de fogo, no meio de um espinheiro”. Algo inacreditável! No livro do Êxodo, que reserva os seus últimos capítulos à descrição detalhada do lugar designado para o encontro com Deus, prefiguração do Templo, o anjo do Senhor mostra-se no meio da nossa insignificante sarça. “Sub contraria specie”, diria Lutero! E se isso não bastasse para suscitar o nosso espanto, eis que o anjo não faz ouvir imediatamente a sua voz: o mensageiro celeste deixa a primeira palavra ao espinheiro, que arde sem se consumir.
Aquele terrível vegetal seco, cuja natureza maléfica se manifesta justamente em devorar com suas chamas, juntamente consigo mesmo, a vegetação circundante, agora queima, mas sem consumir. Um espetáculo surpreendente que atrai a atenção de Moisés. Nas entrelinhas, intuímos que aqui a transformação não diz respeito apenas à planta: talvez até Moisés, cuja paixão fogosa o levou a agir impulsivamente, matando o feitor que maltratava os seus irmãos escravizados, poderá novamente dar crédito ao fogo daquela paixão libertadora, mas desta vez sem se queimar. Aquele pequeno arbusto insignificante – sem nenhuma beleza que chame a atenção! – torna-se uma “grande visão” aos seus olhos. Que leva Moisés a querer ir ver, a ousar colocar-se à sombra daquela árvore, antes evitada. E é somente nesse ponto, isto é, depois que a profecia do espinheiro colocou a vida de Moisés de volta ao movimento, que o Senhor toma a palavra. Não faz isso deixando de lado o engodo, como uma animação que conseguiu despertar a curiosidade, mas que depois precisa ser deixada de lado para tratar das coisas sérias. Não.
Deus toma a palavra e chama Moisés pelo nome, mas o faz “do meio do espinheiro”.
Declarando que ali mesmo, onde o espinheiro arde sem se consumir, é o lugar sagrado, espaço do encontro com o divino, terra para onde voltar para cuidar e cultivar o jardim da boa vida. A metamorfose do espinheiro anuncia a transformação não só da vida de Moisés, mas também da vida dos vivos, chamados a não sucumbir à aridez da história, mas a acreditar na transfiguração radical das existências. No deserto, entre os espinhos, ressoa o anúncio de uma vida que nem mesmo a morte poderá consumir: “E Moisés mostra claramente que os mortos serão ressuscitados. Quando fala do espinheiro que estava em fogo, ele escreve que o Senhor é “o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó" (Lucas 20, 37).
O Deus do espinheiro é o Deus dos vivos. Quem teria pensado nisso?
Foram uma vez as árvores a ungir para si um rei, e disseram à oliveira: Reina tu sobre nós.
Porém a oliveira lhes disse: Deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, e iria pairar sobre as árvores?
Então disseram as árvores à figueira: Vem tu, e reina sobre nós.
Porém a figueira lhes disse: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, e iria pairar sobre as árvores?
Então disseram as árvores à videira: Vem tu, e reina sobre nós.
Porém a videira lhes disse: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, e iria pairar sobre as árvores?
Então todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu, e reina sobre nós.
E disse o espinheiro às árvores: Se, na verdade, me ungis por rei sobre vós, vinde, e confiai-vos debaixo da minha sombra; mas, se não, saia fogo do espinheiro que consuma os cedros do Líbano.
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O espinheiro. Artigo de Lidia Maggi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU