01 Abril 2024
"Todos eles deveriam se perguntar que tipo de paz poderá seguir-se a essas guerras intermináveis, sempre desencadeadas na ilusão de derrotar o inimigo, mas sempre destinadas a terminar sem vencedores e sempre e somente com a derrota de todos", escreve Luigi Ferrajoli, jurista italiano em artigo publicado por “Il Manifesto”, 27-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O aspecto mais dramático e ao mesmo tempo mais doloroso da escalada bélica em curso é a pequenez e a irresponsabilidade dos nossos governantes. O Conselho da UE fala serenamente da possibilidade de uma guerra global, de um confronto direto com a Rússia em solo europeu.
E da necessidade de mais rearmamento. “Preparar-se para a guerra para ter a paz” é a bobagem máxima repetida pelo Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. “Não se deve assustar as pessoas desnecessariamente: a guerra não é iminente”, declarou de forma nada tranquilizadora, Josep Borrell, representante da União para os assuntos estrangeiros. E Macron, alguns dias antes, tinha proposto o envio de tropas da OTAN contra a Rússia e depois levantou a hipótese de financiar a guerra com a emissão de Eurobonds.
Todo o Conselho também concordou com a necessidade de derrotar a Rússia para evitar novos ataques à União Europeia. A resposta russa do porta-voz Dmitry Pescov foi que agora “estamos numa guerra plena” e não naquela até então chamada de “operação especial”.
Estamos falando, em suma, da possibilidade de uma terceira guerra mundial, que muito provavelmente degeneraria numa guerra nuclear e na devastação de, no mínimo, toda a Europa.
A União Europeia, como proclamam todos os seus tratados fundadores, nasceu como garantia para a paz. A paz representa o seu fundamento e principal razão de ser. Hoje, por causa de seu desatinado pessoal de governo, está se preparando para uma guerra suicida com o costumeiro argumento da defesa preventiva. Para apoiar essa loucura, desenvolveu-se nesse interim um clima venenoso de guerra, que se manifesta na tese habitual de que não existem alternativas e na intolerância sectária, acrítica, não problemática em relação a qualquer opção pacifista.
O argumento, claro, é que Putin é um criminoso, um novo Hitler com quem não se pode tratar. Mais precisamente por essa razão, em vez disso, é necessário tratar: um novo Hitler já teria feito uso da bomba atômica, e não está de todo excluído que Putin também, encurralado, antes de se dar por vencido recorra às suas bombas nucleares.
Por outro lado, sem esquecer a responsabilidade criminal de Putin pela agressão contra a Ucrânia, não podem ser ignoradas duas escolhas culposas do Ocidente. A primeira consistiu no alargamento da OTAN até às fronteiras da Rússia, apesar das repetidas promessas contrárias feitas após a queda do Muro de Berlim. A segunda consiste na ausência de qualquer iniciativa séria da OTAN, primeiro para evitar a guerra, muito menos garantindo a não entrada da Ucrânia na Aliança, e depois para pará-la apoiando a Ucrânia, com todo o peso da sua potência, numa negociação de paz com a Rússia.
Portanto, são os países ocidentais, se não quiserem continuar a ser corresponsáveis pelo massacre em curso e tornar-se corresponsáveis pelo futuro holocausto nuclear, que devem tomar a iniciativa de negociações destinadas a restabelecer a paz. Os autocratas, por sua natureza, preocupam-se essencialmente com sua própria preservação, a sua imagem de homens fortes e inflexíveis e, portanto, o exercício permanente da força que o instinto de autoproteção os obriga constantemente a ameaçar e exibir.
Para eles, a proposta de paz equivale a um ato de fraqueza. Para os países democráticos, no entanto, seria equivalente a uma prova de força e de responsabilidade. Seria a melhor demonstração de sua superioridade política.
Mas uma alternativa à guerra, na inércia da Europa e da OTAN, poderia ser promovida - e poderia ter sido desde o início, evitando meio milhão de mortes – das Nações Unidas, que poderiam se alavancar na existência garantida de uma maioria pacifista entre os seus estados membros, atestada pelo fato de serem 122 dos 193 os estados que, em 17 de julho de 2017, votaram o Tratado sobre a proibição das armas nucleares.
Bem, com base no Artigo 20 da Carta das Nações Unidas, o Secretário-Geral das Nações Unidas poderia convocar, "a pedido" dessa maioria, uma "sessão extraordinária" da Assembleia geral dedicada à guerra – não só à da Ucrânia, mas também à de Gaza – e reunida em sessão permanente até que a paz fosse alcançada em ambos os conflitos. Tal medida sem precedentes, teria um enorme valor político e simbólico, dado que valeria para dramatizar a gravidade dos perigos que pairam sobre a humanidade e para relançar o papel da ONU na garantia de paz.
Mas, em vez disso, devido à miopia obtusa dos nossos governantes cuja principal preocupação, na Europa e nos Estados Unidos, parece ser das próximas eleições, estamos caminhamos para a catástrofe.
Todos eles deveriam se perguntar que tipo de paz poderá seguir-se a essas guerras intermináveis, sempre desencadeadas na ilusão de derrotar o inimigo, mas sempre destinadas a terminar sem vencedores e sempre e somente com a derrota de todos. Mas hoje a lógica do inimigo – num mundo cada vez mais armado, cada vez mais enraivecido e divididos e cada vez mais dominados pelo clima de ódio e das obsessões identitárias – torna iguais todas as forças no campo. Ela está destinada a prevalecer se não houver um despertar da razão, porque serve para preencher o total vazio moral e intelectual da política.
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As democracias se perderam na espiral da guerra. Artigo de Luigi Ferrajoli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU