22 Janeiro 2024
O mal não é sexo, mas luxúria, “a objetificação do outro”. Um demônio que desfigura o prazer sexual, em si um “presente de Deus”. O Papa toma o seu distanciamento ainda mais explícito da visão obscurantista da sexualidade que dominou a doutrina católica durante séculos, pelo menos até o Vaticano II. Ele faz isso acompanhando suas catequeses sobre os vícios e virtudes cristãs e falando, o primeiro Pontífice a dizê-lo sem equívocos, da virtude da castidade não ser confundir com abstinência sexual: “É o desejo de não possuir o outro”.
A entrevista com Marinella Peroni, professora emérita de Novo Testamento da Pontifícia Universidade de Sant'Anselmo de Roma, é Giovanni Panettiere, publicada por “Qn”, 18-01-2024.
Professora, a linguagem da Igreja sobre a sexualidade está mudando?
Mudou e a audiência geral de ontem (quarta-feira, dia 17 de janeiro) com o Papa também o demonstra. Se torna clara uma visão positiva da sexualidade. No passado tivemos grandes reservas em relação ao sexo e prazer sexual, sim, basta pensar na reflexão dos Padres da Igreja e de Santo Agostinho, em particular, que dominou durante séculos. Hoje, porém, a mudança antropológica foi implementada e cultural sobre o assunto. A sexualidade é vista como uma expressão do humano dentro da qual se pode aninhar escolhas para o bem e também para o mal. Não diferentemente e não mais que as outras dimensões da nossa vida.
Em suma, o sexo não é mais o único receptáculo para a confissão dos pecados?
Sim, não é a esfera condenada por excelência. Há um repertório, uma gama muito vasta de opções malignas, da posse à “coisificação” e à mercantilização do outro, mas também pode ser uma oportunidade para fazer o bem.
O que leva Bergoglio a utilizar um léxico mais direto e coloquial sobre a afetividade, por muito tempo considerado um tabu pela Igreja?
Esta é a sua abordagem pastoral sobre todos os temas, não excluindo a sexualidade. O Papa privilegia o coloquial, busca a conversa, quer conhecer gente, com todos os riscos associados a este estilo.
Qual?
A coloquialidade procede por aproximações, não por afirmações. Também pode levar a ambiguidade. Bergoglio, no entanto, escolheu este tipo de abordagem que também está se tornando magisterial. Este último termo, mesmo que perca alguma relevância, acaba por expressar um espaço onde você pode conversar e não apenas ficar falando sozinho.
Como explicamos este discurso do Papa sobre a sexualidade que não deve ser condenado, mas sem qualquer referência ao casamento que, com o Catecismo em mãos, continua a ser o quadro único de uma relação afetiva no sentido cristão?
Mesmo que a Igreja se recuse a tematizar a sexualidade à luz das novas perspectivas antropológicas e sociológicas, poderia finalmente ser uma indicação de que o casamento não é mais o único contexto para assumir sexo. Pelo contrário, é a sexualidade que representa um espaço dentro da qual se inclui também a dimensão do casamento. A mudança em relação ao passado é em curso. Quanto ao Catecismo, tem mais de trinta anos, não é um documento qualquer, é verdade, mas não é infalível e é um instrumento que está dentro da grande reflexão teológica e doutrinária de Igreja, e não vice-versa".
Porém, os casamentos continuam sendo a área privilegiada da sensualidade?
Sim, continuam a ser a forma desejada para uma experiência de relacionamento numa perspectiva cristã.
Francisco estava certo ao esclarecer que a castidade é algo diferente da abstinência sexual?
Sim, mas é preciso sempre lembrar que este sentido de respeito pelos outros segundo Jesus não se limita ao sexo.
A insistência do Papa contra a luxúria, com referência às notícias policiais dos nossos dias, testemunhará uma sensibilidade crescente da Igreja em relação aos feminicídios?
Isto não pode deixar de crescer face ao tsunami que atinge a sociedade. O problema não é estar significativamente envolvido, mas encontrar as palavras certas para entrar no fenômeno, compreender suas raízes e identificar as maneiras certas de lidar com isso. E a este respeito nem todos os bispos pensam o mesmo.
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Papa Francisco sobre sexo “O prazer não é pecado”. Entrevista com Marinella Perroni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU