17 Junho 2022
Quando existe um compromisso recíproco de duas pessoas que se alimenta de afeto, sinceridade, estima, desejo de futuro, é impossível não considerar o quanto a união sexual favorece o seu conhecimento e o entendimento recíprocos. Esse é o verdadeiro “catecumenato”.
A opinião é do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele de Milão e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 16-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Bíblia hebraica já havia intuído isto, usando o verbo “conhecer” como sinônimo de “unir-se sexualmente”. De fato, lemos em Gênesis 4,1: “Adão conheceu Eva, sua mulher, que concebeu e deu à luz”. Ou seja: só se chega a conhecer verdadeiramente uma pessoa, a ponto de optar responsavelmente por querê-la como companheira de vida por toda a existência, se ela for conhecida primeiro na integralidade do seu corpo e na completude do caráter e da personalidade como eles se revelam também na relação sexual. Sem a completude das relações sexuais, nada de completude de conhecimento.
De fato, Adão conheceu Eva não antes da relação sexual, mas “na” relação sexual. E é uma pena que essa antiga sabedoria bíblica, transmitida não só no texto citado do Gênesis, mas também no livro do Cântico dos Cânticos, depois de 2.500 anos ainda não foi recebida pelo Magistério da Igreja Católica, como aparece do modo mais explícito e mais decepcionante no documento vaticano publicado nessa quarta-feira, 15, obra do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, intitulado “Itinerários catecumenais para a vida matrimonial”, e que reflete perfeitamente o pensamento do Papa Francisco.
O documento abre com um prefácio do pontífice, que declara o objetivo buscado: oferecer um caminho articulado de preparação ao matrimônio que é chamado de “catecumenato”, termo clássico do jargão eclesiástico que tradicionalmente se refere ao período de preparação daquelas pessoas que se encaminham para receber o batismo, chamadas justamente de “catecúmenos”.
A Igreja há muito tempo prevê cursos de preparação ao matrimônio, mas, para o Papa Francisco, eles não são suficientes e por isso pretende instituir “um novo catecumenato em preparação ao matrimônio”. Segundo o papa, este novo catecumenato é necessário porque, devido à atual preparação superficial demais, “os casais vão ao encontro do risco real de celebrar um matrimônio nulo ou com bases tão frágeis a ponto de se desfazerem em pouco tempo”. Constatação que, a julgar pelo grande trabalho da Rota Romana, que não cessa de declarar nulos matrimônios que duraram anos e sobretudo pelo número impressionante de separações e crises conjugais, só resta compartilhar plenamente.
Mas, para tentar conter a progressiva derrocada dos matrimônios, a escolha do Papa Francisco não é de tipo laxista, rebaixando o nível daquilo que é necessário para se declarar cônjuges cristãos, mas, pelo contrário, traz a marca de um renovado e mais responsável compromisso.
De agora em diante, quem quiser se casar na Igreja deverá se submeter a um caminho longo e articulado, que prevê três etapas:
1) um período de preparação remota, próxima e imediata ao matrimônio;
2) uma forma particular de celebrar as bodas;
3) um acompanhamento da comunidade cristã nos primeiros anos de vida conjugal.
Em suma: se até hoje quem queria se casar na Igreja se virava com algumas noites na paróquia, a partir de amanhã terá que prever um período de preparação e de acompanhamento de alguns anos. Trata-se da perspectiva certa para pôr fim à diminuição crescente dos matrimônios na Igreja e ao aumento cada vez maior das separações e dos divórcios?
Obviamente ninguém sabe, mas o que eu gostaria de dizer é que é admirável o desejo de não fazer descontos e de relançar a preciosidade do compromisso que o matrimônio requer.
Porém, permanece bastante grave a incapacidade da Igreja Católica de compreender a sexualidade. Nisso, o Papa Francisco não se distingue dos seus antecessores, pois não recebe em nada as posições mais avançadas de alguns teólogos e de alguns bispos, e sobretudo da Bíblia.
Segundo ele, “a castidade ensina aos noivos os tempos e os modos do amor verdadeiro, delicado e generoso”, porque “só quando um amor é casto é que é verdadeiro amor”. De fato, ele considera, como escreveu em um documento de 2020 (Patris corde, n. 7), citado no documento publicado nessa quinta-feira, que “o amor que quer possuir acaba se tornando perigoso, aprisiona, sufoca, torna infeliz”. Mas é realmente assim?
Eu não acho que, para ser eticamente lícito, o sexo deva ser exercido unicamente dentro do matrimônio. Pelo contrário, acho que podem existir formas de exercício da sexualidade eticamente lícitas que prescindem do vínculo matrimonial. Alguém poderia objetar que quase todas as religiões condenam a sexualidade fora do casamento, mas a resposta é que elas se formaram em épocas muito distantes, em que a estrutura social era muito diferente da de hoje, épocas em que o indivíduo importava bem pouco em relação à tribo e à família, e em que os casamentos não respondiam a uma lógica de conhecimento recíproco e de amor pessoal, mas eram antes um evento social decidido por outros, não pelos cônjuges.
Além disso, a idade dos noivos, em particular das mulheres, era muito inferior aos usos atuais (Nossa Senhora, por exemplo, tinha 12, 14 anos no máximo), de modo que o casamento coincidia com a entrada na puberdade e com o surgimento do desejo sexual. Segue-se daí que sexo fora do casamento significava ou adultério ou pedofilia, e é por isso que todas as tradições religiosas condenam as relações pré-matrimoniais.
Hoje, porém, a situação mudou totalmente. Hoje, as pessoas chegam ao casamento muito mais tarde em idade, pelo menos aos 30 anos, várias vezes aos 40, e sobretudo com outras expectativas, dadas pelo fato de o indivíduo não considerar mais a sua existência como totalmente a serviço da estrutura familiar, mas como um fim em si mesma. É por isso que hoje é insensato condenar as relações pré-matrimoniais.
Pelo contrário, quando existe um compromisso recíproco de duas pessoas que se alimenta de afeto, sinceridade, estima, desejo de futuro, é impossível não considerar o quanto a união sexual favorece o seu conhecimento e o entendimento recíprocos. Esse é o verdadeiro “catecumenato”: um conhecimento integral e responsável do outro, de si mesmo e da qualidade da harmonia física, psíquica e espiritual que daí brota.
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Relações pré-matrimoniais: uma Igreja distante do seu tempo. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU