16 Janeiro 2024
"Um cenário muito complexo, com resultados difíceis de prever", escreve Giulio Albanese, missionário comboniano fundador da Agência Misna, em artigo publicado por Avvenire, 14-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Paradoxalmente, a grande riqueza do subsolo continua a ser fonte de “maldições” porque desencadeia apetites internacionais. A questão da dívida pública que atingiu em 2023 o montante de 1.140 bilhões de dólares. Uma crise gigantesca, com centenas de milhares de pessoas deslocadas, está em curso no Sudão há 9 meses: uma guerra desencadeada por potências externas.
No início do ano talvez seja lícito perguntar: o que 2024 reserva para a África? Ninguém dispõe de uma bola de cristal para fazer previsões, pois poderia haver eventos ou desenvolvimentos imprevistos que mudarão o futuro de maneira inesperada. A guerra russo-ucraniana que cobre de sangue a Europa Oriental pôs dramaticamente em discussão os já precários equilíbrios internacionais, com consequências e repercussões também nos países africanos. A ela somou-se a crise israelense-palestina que, devido à dimensão das violências, está gerando uma turbulência considerável no mundo árabe.
Os riscos para África são altos se considerarmos o posicionamento que está sendo determinado no novo contexto geopolítico e geoeconômico internacional: a afirmação do chamado Sul Global. A versão revista e corrigida dos não alinhados, tem o mérito de contabilizar o fato que muitos países de África, mas também da Ásia e da América Latina, verem-se obrigados a escolher entre as economias ocidentais avançadas e os seus antagonistas, esperando assim ganhar espaço de manobra e influência regional.
A entrada do Egito e da Etiópia no cartel dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), no dia 1º. de janeiro, é, no entanto, sinal de uma mudança nas estruturas futuras que não pode ser subestimada de forma alguma. Se em 2023, uma das grandes preocupações que incomodavam os principais tomadores de decisão política africanos era evitar, dentro do possível, acabar enredados em disputas entre as principais potências industrializadas, é evidente que a partir de agora algo necessariamente mudará por força maior.
Com base nas tendências atuais, o cenário mais provável para o futuro de África em 2024 é aquele de um seu distanciamento gradual da área de influência ocidental. Nas últimas duas décadas, o foco das exportações africanas, especialmente da macrorregião subsaariana, se deslocou para a China e a Índia, com percentagens significativamente decrescentes para os Estados Unidos e a União Europeia. Por outro lado, a transição energética verde e a transformação digital para a qual todos os principais protagonistas internacionais ambicionam, colocam a África, particularmente a macrorregião Subsaariana, como o ponto focal para todo tipo de parceria.
De fato, as imensas riquezas do subsolo – do cobalto ao rutílio; do cobre em hidrocarbonetos (petróleo e gás); das jazidas de ouro, diamantes, urânio, cassiterita (da qual se obtém o estanho), manganês, chumbo, zinco… – provocaram uma competição sem precedentes.
Dessa fenomenologia depende em grande parte a instabilidade crônica da África que se manifesta na difusão progressiva e persistência de numerosos conflitos armados em nível continental, também ligados às fraquezas nos processos de construção de estado e de construção de nação. Na verdade, existem inúmeras áreas da África Subsaariana, onde emergem setores mais ou menos consistentes controlados por tropas pró-governamentais, formações rebeldes (muitos de matriz jihadista) e forças-tarefa estrangeiras.
Basta pensar como um todo à faixa do Sahel (Burkina Faso, Níger, Mali, Chade e norte da Nigéria...) para não falar da República Centro-Africana, do setor nordeste da República democracia do Congo, do Sudão, do Sudão do Sul, da Somália ou do norte de Moçambique. E o que dizer sobre a enxurrada de golpes de estado que atingiram a África na presente década. Aquele no Gabão, em agosto passado, é o oitavo na África Central e Ocidental desde 2020.
Mapa da região do Sahel | Foto: Peter Fitzgerald | Wikimedia Commons
Ao mesmo tempo, são inegáveis as interferências estrangeiras, a começar pela exploração das commodities por empresas estrangeiras. O objetivo dos protagonistas internacionais visa certamente salvaguardar o acesso aos recursos econômicos estratégicos (petróleo, gás, urânio, minerais preciosos, terras raras e tudo mais) e à segurança. Por outro lado, desde que a África pretendeu que as suas crises tivessem uma solução africana, as crises africanas, ainda mais do que acontecia durante a Guerra Fria, tiveram cada vez mais conotações e efeitos globais.
Pode-se então compreender como a crescente atenção tenha se traduzido em interferência, gerando, portanto, um círculo vicioso entre questões problemáticas ad intra e respostas ad extra, muitas vezes inconclusivas por procrastinar ao longo do tempo os fenômenos que visavam conter. Emblemática é a chamada Guerra ao Terror, na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001 contra as organizações terroristas islâmicas, sobretudo a Al-Qaeda.
Essa conflitualidade fez com que formações pré-existentes de matriz islâmica antigovernamentais presentes na África tomassem forma na galáxia jihadista através de uma operação de franquia do terror. A retirada gradual dos militares franceses do Sahel e a presença de mercenários russos (mas não só) representam uma incógnita para o futuro.
As crises africanas também têm a ver com as desigualdades e, portanto, com questões sociais e econômicas não resolvidas, para não falar das mudanças climáticas que penalizam as populações autóctones. Na situação atual, muitos governos africanos terão de continuar a lidar em 2024 com a crescente desigualdade de rendimentos, com os efeitos do aquecimento global e a turbulências geradas pelas especulações financeiras em nível planetário.
Considerando que o multilateralismo está vacilante e o comércio global é afetado pelos alinhamentos distintos e contrapostos dos principais protagonistas, não podem pairar grandes ilusões sobre o crescimento do PIB africano em 2024. Até porque a Afcfta (Africa continental free trade area) a zona de livre comércio no continente africano ainda está dando os primeiros passos. Segundo os dados do Banco Mundial, em 2023 o PIB da macrorregião Subsaariana aumentou 2,5%, abaixo do aumento de 3,6% registado no ano anterior. Espera-se uma recuperação este ano e depois em 2025, com aumentos de 3,7 e 4,1 por cento, respetivamente.
A arrastar a tendência para baixo em 2023 foram as principais economias do continente. Na África do Sul, por exemplo, onde assola uma crise sem precedentes no setor energético, o crescimento esperado para o ano recém-encerrado é de 0,5 contra +1,9% em 2022. Na Nigéria e em Angola, os principais produtores de petróleo da África, prevê-se um declínio de 3,3 para 2,9 por cento e de três para 1,9 por cento, respectivamente. O aumento das taxas de juro em nível global também não pode ser subestimado, que em 2023 tornou cada vez mais difícil a busca de fontes alternativas de financiamento para muitos países que fizeram de tudo para testar os limites das capacidades dos seus mercados nacionais para superar a escassez de fundos internacionais. Outro tema quente é o da dívida pública africana que em 2023 atingiu 1.140 bilhões de dólares. Trata-se de um valor absoluto certamente inferior ao das economias mais avançadas.
No entanto, trata-se de um valor de dívida elevado quando comparado com o valor total do PIB africano, que é de 3,1 trilhões de dólares. Para fazer uma comparação, basta pensar que o da União Europeia é de 16 trilhões e meio. Nos círculos financeiros fala-se frequentemente em reestruturação da dívida, mesmo que todos saibam que na realidade isso serviria para adiar o problema e não para o resolver.
Segundo a agência de classificação Fitch, o crescimento global em 2024 deverá ser mais fraco do que o do ano anterior, também devido à desaceleração da China. Embora se espere que a Reserva Federal dos EUA e o Banco Central Europeu comecem a cortar as taxas em 2024, parece certo que estas permanecerão elevadas em comparação com os anos anteriores à pandemia de Covid-19.
Isso implica, sempre de acordo com a agência de classificação, que as condições de financiamento do mercado para as obrigações soberanas da África Subsaariana continuarão a ser caras e fortemente vinculadas. Os calotes da Zâmbia, do Gana e da Etiópia falam por si. Um cenário muito complexo, portanto, com resultados difíceis de prever.
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O destino africano está “pendurado” à guerra mundial em pedaços. Artigo de Giulio Albanese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU