03 Janeiro 2024
"A guerra em curso, no entanto, distorce e subverte os valores. O desejo natural de vida das pessoas é direcionado para seguir extremos alimentados por anos, inclusive pelo nosso Ocidente".
O comentário é de Riccardo Cristiano, jornalista italiano, em artigo publicado por Settimana News, 29-12-2023.
Os eventos que ocorrem no Irã merecem a atenção que, frequentemente, esse povo não recebe de nós. Portanto, pelo menos no meu diário, quero relatar o que aconteceu: não é comum que uma multidão significativa de iranianos tente entrar, na noite de Natal, em uma catedral, no caso, a armênia de Vank, em Isfahan.
As pessoas esperaram por muito tempo para descobrir, com decepção, que a catedral estava fechada, uma vez que a Igreja celebra o Natal em 6 de janeiro, seguindo o antigo calendário juliano, como todas as Igrejas Orientais.
No entanto, a multidão, à noite, era verdadeiramente notável: surpreendente!? Os especialistas veem o crescente interesse popular pelo Natal no Irã como uma resposta ao desejo de vida e felicidade, uma clara reação à tentativa do regime de impor, especialmente aos jovens, os rituais de sofrimento, lágrimas e dor. Não são expressões exageradas. No xiismo, existem rituais que envolvem autoflagelação para lembrar o martírio do Imam Hussein, a figura mais importante no xiismo após o Imam Ali.
Mas isso deveria acontecer uma vez por ano, enquanto existem outras tradições decididamente alegres, como a festa de Ano Novo que dura vários dias, ou o solstício de inverno. No entanto, essas são obstruídas ou literalmente impedidas pelas autoridades, que contam muito, ao contrário, com o dolorismo, a imposição do sofrimento e sua repetição contínua como elemento fundamental de sua visão de vida, que é uma ideologia.
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Essa exaltação da dor, pertencente à tradição xiita, mas limitada aos dias de Ashura, ou seja, a comemoração (real ou convencional, não importa) do martírio do Imam Hussein, se contrapõe às palavras das praças: "mulher, vida, liberdade".
O que aconteceu em Isfahan, portanto, tem um valor político que ajuda a entender a importância cultural do protesto iraniano em andamento há anos. O fato de uma igreja ser literalmente invadida, clamando por sua abertura, é uma novidade absoluta, indicando o desejo de vida, alegria, livre expressão, encontro alegre e comunitário que existe na população iraniana e que quer se manifestar.
Os jornais que relataram o evento mostraram fotos de homens vestidos de Papai Noel perto da catedral. Também exibiram a intervenção das forças de segurança, que recorreram ao uso de gás lacrimogêneo para dispersar a multidão. Não faltaram fotos de mulheres iranianas que, nas grandes cidades, quiseram tirar selfies em frente a vitrines decoradas com enfeites de Natal tipicamente ocidentais. Para dizer a verdade, até mesmo a festa de Halloween tornou-se muito popular no Irã, assim como em outros lugares, apesar de não fazer parte de nossa tradição.
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No entanto, na manifestação popular de Isfahan, nada foi observado que fosse contra os valores islâmicos, que confirmam a importância do Natal na religião: desde a concepção milagrosa de Jesus até os episódios da vida de Jesus, que, para o Islã, é um profeta, mas não apenas um "profeta comum".
O que deve ser percebido – ao examinar de perto – é o incômodo popular cada vez menos dissimulado em relação ao khomeinismo, à sua heresia na escolha de transformar o culto islâmico em justificativa para uma opressão teocrática e rigorista além de qualquer limite: não mais uma religião da tradição, mas uma ideologia totalitária.
A guerra em curso, no entanto, distorce e subverte os valores. O desejo natural de vida das pessoas é direcionado para seguir extremos alimentados por anos, inclusive pelo nosso Ocidente. Muito ecoou o que foi escrito pelo jornal israelense Haaretz, atribuindo a Netanyahu, em março de 2019, durante o comitê central de seu partido, o Likud, estas palavras: "Quem quiser se opor à criação de um estado palestino deve apoiar o fortalecimento do Hamas e o envio de dinheiro ao Hamas". E acrescentando: "Isso faz parte de nossa estratégia para separar os palestinos de Gaza dos palestinos da Judeia e Samaria". Agora, não é surpreendente que o Hamas tenha usado todo o dinheiro recebido do Catar para se armar, deixando sua própria população passar fome.
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Volto, para concluir a página, à minha – não apenas minha – tese habitual: a solução de um Estado palestino em paz ao lado de Israel é exatamente o que os extremistas querem impedir.
O extremismo dos mullahs busca impedir isso com o dolorismo ideológico que alimenta o terrorismo: pode-se sofrer e morrer, porque o martírio é pela justiça absoluta. Em Isfahan, as pessoas que queriam entrar na igreja disseram, por meio de um ato, algo diferente: a justiça é um caminho a ser construído em conjunto com outros, no mundo, com um profundo amor pela vida.
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Diário de guerra (19). Artigo de Riccardo Cristiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU