A Conferência de Dubai chega ao seu penúltimo dia com fortes divergências sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e a meta global para adaptação.
A informação é publicada por ClimaInfo, 11-11-2023.
Como diria um famoso narrador esportivo, haja coração! Depois de quase duas semanas de negociação, a Conferência do Clima de Dubai (COP28) caminha para a prorrogação com a maior parte dos itens de negociação ainda em aberto. As divergências seguem mais fortes do que as convergências, o que traz preocupação a negociadores e observadores.
A principal dificuldade está no ponto mais complicado da agenda de negociação de Dubai – a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis. Essa discussão acontece no âmbito do “Global Stocktake”, uma etapa de análise da implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) apresentadas no primeiro ciclo do Acordo de Paris (2015/2020). O documento final desse processo deve orientar os países no processo de revisão das NDCs, que deve acontecer até 2025.
O tabuleiro é confuso, mas vamos tentar destrinchá-lo:
- A União Europeia segue como a principal defensora da inclusão da eliminação progressiva (phase-out na hipótese mais ambiciosa, ou phase-down) da energia fóssil, com o pico das emissões associadas a essa fonte antes de 2025, de forma a viabilizar um corte de emissões de 43% até 2030 e de 60% até 2035, em linha com o caminho delimitado pelo IPCC para limitar o aquecimento global em 1,5ºC neste século. Alguns pequenos países insulares, especialmente do Pacífico, também defendem esta abordagem.
- Do lado oposto, os países produtores de combustíveis fósseis – com Arábia Saudita à frente – rejeitam a proposta, alegando que ela vai contra o espírito do Acordo de Paris ao estabelecer restrições setoriais e desrespeitar o processo decisório nacional dos compromissos climáticos dos países.
- No meio do caminho, Brasil e, mais discretamente a China, buscam uma abordagem intermediária. Os dois países sinalizam a possibilidade de aceitar a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, desde que os governos desenvolvidos assumam o protagonismo da ação, em linha com os princípios das responsabilidades históricas e das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.
- Também no meio do caminho, os Estados Unidos dão a entender que topam incluir phase-down dos combustíveis fósseis (em especial, do carvão) no documento do Global Stocktake, mas sem diferenciar países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A coisa ganhou ares dramáticos – e, de uma certa forma, cômicos – na última 6ª feira (8/12), quando Bloomberg e Reuters divulgaram trechos de uma carta enviada pelo secretário-geral da OPEP, Haitham Al-Ghais, no qual pede expressamente aos países-membro do cartel que vetem qualquer citação a combustíveis fósseis no texto do Global Stocktake: “A pressão indevida e desproporcional contra os combustíveis fósseis pode atingir um ponto de inflexão com consequências irreversíveis.” (coitadinhos).
“Esta carta mostra que os interesses dos combustíveis fósseis estão começando a perceber que a energia suja está com os dias contados”, comentou Mohamed Adow, da Power Shift África, ao Guardian. “A verdade é que, se o mundo quiser se salvar, não poderá ser detido por um pequeno número de países que controlam o abastecimento mundial de petróleo. Para além de nos salvar das mudanças climáticas, um mundo movido a energias renováveis também é um mundo onde a energia é dispersa e democratizada”.
Bem, se tem um ponto de inflexão a ser buscado pelos países, é exatamente esse: o que marcará o fim da era da energia fóssil. Melhor este do que estes outros pontos de inflexão, estes catastróficos, aos quais a indústria petroleira está empurrando o planeta sem a menor vergonha.
Associated Press, Folha e NY Times também repercutiram a cartinha desesperada do chefe da OPEP. Já Estadão, Financial Times e Guardian abordaram o tabuleiro político da eliminação dos combustíveis fósseis na COP28.
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Sob pressão da OPEP, COP28 vive impasse sobre eliminação de combustíveis fósseis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU