07 Dezembro 2023
"Enquanto o Brasil busca um equilíbrio entre suas decisões políticas e aspirações globais, é crucial refletir sobre os impactos a longo prazo", escreve Eduardo Nunes, diretor de conteúdo da Alter, em artigo publicado na newsletter da Alter Comunicação, 06-12-2023.
A política está presente em (quase) todas as nossas decisões e ações! Mas, em tese, não deveria ser o único fator para definir qual caminho tomar. O que me intriga é a motivação do atual governo federal para aceitar o convite para ingressar no cartel do petróleo e rival da descarbonização, a Opep+, em plena Conferência no Clima da ONU, e no ano em que registramos recordes de altas temperaturas. À primeira vista, não dá pra entender e parece um tiro no pé. Olhando mais de perto, dois dias depois do feito, dá para afirmar que definitivamente foi um tiro no (nosso) pé.
Na segunda-feira (4/12), o Brasil recebeu o antiprêmio Fóssil do Dia, concedido pela ONG Climate Action Network (CAN), por causa disso, o que resultou em uma mancha global na reputação do país (com exposição de mídia nos mais influentes veículos de imprensa do mundo) que ambiciona retomar um protagonismo ambiental, inclusive com a proposta de sediar a COP30, em novembro de 2025, em Belém (PA).
Em seu périplo pelo Oriente Médio, o eloquente Lula disse que o Brasil pretende ser a ‘Arábia Saudita’ da economia verde, em uma referência óbvia à liderança saudita na produção de petróleo. Se o presidente reconhece que a economia verde está em lado diametralmente oposto à descarbonização, por que associar o país a uma organização que historicamente é contrária à esta agenda? Realmente, não tem lógica!
Parece uma ambiguidade, e de fato é. Há quem veja a decisão como estratégica, no sentido de que o Brasil estará presente em um fórum econômico global importante. Em entrevista, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que o Brasil, "na verdade", passará a “integrar uma plataforma de discussão dos países que produzem petróleo, mas que não estão na Opep. É exatamente o contrário”. Segundo ele, o tema de debate será a transição energética.
“Acho importante participar porque a gente precisa convencer os países que produzem petróleo que eles precisam se preparar para o fim dos combustíveis fósseis e se preparar significa aproveitar o dinheiro que eles lucram com o petróleo e fazer investimentos para que a África e a América Latina possam produzir os combustíveis renováveis que eles precisam, sobretudo o hidrogênio verde”, explicou Lula à Agência Brasil. Será que o Brasil tem força e capacidade para influenciar neste sentido? A conferir.
Até o momento, não há registros sobre reuniões dos maiores produtores de petróleo do mundo para discutir a agenda da transição energética. Ao contrário, o cartel se reúne para controlar os preços do petróleo no mercado global, com um olhar atento ao desempenho financeiro. Neste momento, há 2.466 participantes da COP28 ligados ao setor de combustíveis fósseis, o que inclui também representantes de companhias privadas de países não integrantes da Opep, um recorde nas edições da Conferência. Nada além disso!
As decisões políticas têm impacto direto na imagem do Brasil e, consequentemente, na relação externa comercial. Amanhã (7/12), líderes de países do Mercosul se reunirão no Rio de Janeiro, em meio a uma forte resistência para confirmar o acordo de livre comércio com a União Europeia (UE). De um lado, o presidente Lula mostra otimismo e atua para buscar um acordo de envergadura, conquistando o apoio do chanceler alemão, Olaf Scholz. Na relação bilateral, Brasil e Alemanha celebraram esta semana três acordos que ampliam a cooperação entre os países na área de sustentabilidade. Por outro, há forte resistência da França, segunda maior economia da UE, com manifestação pública contrária do presidente Emmanuel Macron.
Se confirmar o acordo de livre comércio esta semana (o que parece praticamente impossível), o feito acontecerá antes da posse do novo presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, que se manifestou contra o trato durante o debate eleitoral. Importante posicionar no tempo porque Milei já mudou o discurso em alguns pontos depois de eleito. Para o Brasil, o acordo é importante porque pode diversificar a pauta de exportações do país; reduzir a dependência do país em relação às exportações para a China; fortalece o Mercosul; diminui o isolamento geopolítico do bloco sul-americano; e fortalece a proteção de produtos brasileiros contra a lei antidesmatamento europeia, que começou a vigorar neste ano.
Enquanto o Brasil busca um equilíbrio entre suas decisões políticas e aspirações globais, é crucial refletir sobre os impactos a longo prazo. Este é um momento crítico, em que a coerência entre as ações políticas e os objetivos ambientais e comerciais deve ser cuidadosamente ponderada. No final das contas, é possível transformar esse aparente "tiro no pé" em uma oportunidade de aprendizado e realinhamento estratégico para um futuro mais sustentável e próspero.
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Um tiro no (nosso) pé! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU