11 Novembro 2023
Agora a Conferência Episcopal Alemã deu um importante passo em frente no sentido de enfocar o problema do abuso espiritual. Depois que a assembleia geral de Dresden, em fevereiro de 2023, aprovou um documento com indicações adequadas, agora também foi oficialmente apresentado na assembleia de outono dos bispos em Wiesbaden-Naurod o documento 'Abuso de autoridade espiritual. Sobre como enfrentar o abuso espiritual'".
O artigo é de Dana Kim Hansen-Strosche, publicado por herder.de, novembro-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dana Kim Hansen-Strosche, nascida em 1990, estudou teologia católica em Mainz. De 2016 a 2018 foi voluntária na Katholischen Nachrichten-Agentur, depois até 2020 foi consultora para a teologia de mídias e imprensa na secretaria da Conferência Episcopal Alemã em Bonn. De março de 2021 ela é redatora da Herder Korrespondenz.
Durante muito tempo, dentro da Igreja Católica, o foco esteve na prevenção e reparação da violência sexual.
O abuso espiritual, por outro lado, era considerado apenas um problema marginal. Atualmente as coisas estão mudando. Os bispos alemães apresentaram agora um documento com indicações sobre esse tema. Quando o estudo do MHG foi apresentado na assembleia geral de outono dos bispos alemães em Fulda, há cinco anos, o tema da violência sexual, especialmente em crianças e jovens, foi colocado ainda mais no centro das atenções. Desde então, muito foi feito em termos de elaboração e prevenção: todas as assembleias gerais de bispos colocaram o assunto na agenda; mais recentemente, foi iniciado um sistema que permite reconhecer as situações. Nas dioceses se formaram Conselhos consultivos. Além disso, numerosas dioceses encomendaram perícias a especialistas de diferentes orientações para investigar os comportamentos ilícitos dentro da Igreja. Até agora todos esses esforços concentraram-se na violência de tipo sexual. Do fato de ter havido e ainda ter outras formas de abuso (de poder) na igreja, geralmente havia conhecimento, mas tal consciência ainda não encontrou expressão, nem mesmo em estudos científicos sobre o tema.
Aos poucos as coisas mudaram nos últimos anos. Pesquisas sobre comunidades como “Totus Tuus” ou “Katholische Integrierte Gemeinde” (cf. Herderkorrespondenz, novembro de 2020) mostraram como as dependências também podem surgir no âmbito espiritual. Que esse fenômeno não exista necessariamente apenas nas chamadas Novas Comunidades (cf. Herderkorrespondenz, março de 2023) pode ser constatado considerando o caso do jesuíta e artista esloveno Marko Ivan Rupnik. É um caso que revela um sistema de dependências, um exercício problemático do poder e muitos silêncios.
Pela primeira vez em novembro de 2020, uma conferência específica, organizada pela Academia Católica Dresden-Meißen em colaboração com a Conferência Episcopal Alemã e a Associação dos médicos da Saxônia, tratou de maneira sistemática de abusos espirituais sob o título "Dangerous Seelenführer? Abuso psicológico e espiritual" (cf. documentação: Herder Thema, Freiburg, 2021). O bispo de Münster Felix Genn, então presidente da comissão para as profissões e os serviços eclesiais, admitiu autocriticamente que havia tido pouca atenção a esse setor.
Heinrich Timmerevers, bispo de Dresden-Meißen, disse na época: “O caso da ‘Katholische Integrierte Gemeinde’ mostra o quanto uma comunidade religiosa como a Igreja Católica seja vulnerável aos abusos espirituais". Ele admitiu que a Igreja por muito tempo considerou isso “apenas um fenômeno marginal e uma falta de pessoas individuais”, e que a conferência mostrou que os bispos tinham mais possibilidades de controle nas comunidades espirituais e nos movimentos eclesiais do que ele pensava. Nos últimos anos, os bispos diocesanos também assumiram a sua responsabilidade nesse setor, mas, nesse interim, o “Katholische Integrierte Gemeinde” na Arquidiocese de Munique e Freising e a comunidade “Totus Tuus” em Münster foram dissolvidas. Timmereverevers anunciou, após a conferência, que os resultados seriam analisados na Assembleia Geral dos Bispos. Ele acreditava que era necessária uma “mudança de perspectiva de empatia pelas pessoas envolvidas”. O fato de essa empatia ter faltado até aquele momento ficou explícito numa carta aberta enviada a Timmereveres e ao presidente do Conferência Episcopal, Dom Georg Bätzing, por pessoas vítimas de abusos psicológicos e espirituais antes da Assembleia Geral da Primavera de 2021. Nela, se lamentava a falta de compreensão humana e de participação no sofrimento das vítimas.
“Nas inúmeras tentativas de denunciar os abusos espirituais, as pessoas envolvidas tiveram experiência de que suas denúncias e pedidos de ajuda não fossem ouvidos e ainda hoje sejam em grande parte ignorados pelos bispos e suas administrações”, escreveram os signatários, entre os quais muitos eram membros da “rede contra os abusos espirituais” fundada em 2019. Eles pediam um tratamento independente, sistemático e abrangente dos abusos espirituais, medidas de prevenção apropriadas e um diálogo aberto e de longo prazo com as pessoas envolvidas (ver agora também: HK Special, Freedom in Faith. "Sekten" - movimentos religiosos - comunidades eclesiásticas, Freiburg 2023).
Agora a Conferência Episcopal deu um importante passo em frente no sentido de focar o problema do abuso espiritual. Depois que a assembleia geral de Dresden, em fevereiro de 2023, aprovou um documento com indicações adequadas, agora também foi oficialmente apresentado na assembleia de outono dos bispos em Wiesbaden-Naurod o documento "Abuso de autoridade espiritual. Sobre como enfrentar o abuso espiritual."
Na apresentação do texto de aproximadamente 40 páginas, Timmereverevers, presidente da Comissão para a educação e a escola, ressaltou que a publicação não ocorreu por pressão da opinião pública. E que, infelizmente, ainda há pouco interesse público pelos danos que o abuso espiritual causa. Pelo contrário, é graças à iniciativa das pessoas envolvidas, ou seja, das vítimas, que o livreto foi agora publicado.
É muito importante destacar que os bispos estão conscientes do fato de que no âmbito dos abusos espirituais as coisas estão se movendo. Eles se depararam com uma tensão determinada pelo fato que, por um lado, uma publicação imediata do documento com indicações era urgentemente aguardada por muitas partes. Mas, ao mesmo tempo, ainda não havia sido adquirida uma grande quantidade de experiências no âmbito da elaboração do abuso de autoridade espiritual, e que o processo de elaboração científica estava longe de estar terminado. O documento representou, portanto, uma “fotografia do estado atual da discussão”, explicou o bispo de Mainz Peter Kohlgraf, como presidente da comissão pastoral, envolvido também na redação do documento. Por essa razão, deverá haver uma revisão e uma avaliação do documento daqui a três anos. Apesar do seu carácter provisório, o documento com indicações é "um passo importante para a gestão do fenômeno”.
Nesse contexto, as dioceses de Münster e Osnabrück encomendaram no ano passado um projeto de pesquisa intitulado "Abusos espirituais no âmbito de comunidades religiosas", realizado sob a direção da teóloga de Münster Judith Könemann. A Conferência Episcopal e a Ordem das Freiras franciscanas de Thuins participam do projeto. O objetivo é investigar o fenômeno dos abusos psicológicos e espirituais com base em duas comunidades religiosas nas dioceses de Münster e Osnabruck. Que consequências tem o abuso espiritual para as pessoas envolvidas? Quais são os pressupostos e as estruturas que o produzem? Quais práticas religiosas, crenças teológicas e conceitos antropólogos o favorecem? Os bispos esperam que os resultados do projeto de pesquisa levem a conclusões úteis para o trabalho de prevenção também em outras dioceses alemãs.
Um problema na análise do abuso espiritual até agora foi a falta de definição do conceito.
Portanto, o primeiro capítulo do documento é dedicado a uma definição adequada. Usa-se geralmente o termo “abuso espiritual” para indicar um abuso por parte de uma autoridade eclesial. "Porque um abuso em si nunca pode ser de natureza espiritual”, afirma-se no prefácio. Mas estamos cientes de que o abuso espiritual nem sempre é necessariamente uma forma de abuso de poder por parte dos ministros da Igreja. Em vez disso, também pode vir de outras pessoas, como diretores espirituais, educadores ou professores religiosos que não têm funções de poder na Igreja.
De acordo com Timmereverevers, o abuso espiritual é um “fenômeno especificamente eclesial”. Embora em muitos casos é como uma preparação para a violência sexual, é absolutamente diferente desta última. Como definição, o documento com as indicações refere-se ao documento de 2022 sobre o cuidado pastoral “O coração da Igreja ressoa no cuidado pastoral”. Nele, é citado o jesuíta Klaus Mertes, segundo o qual o abuso espiritual se baseia "numa profunda confusão entre o pessoa ‘sagrada’ e voz de Deus”. Os Bispos escrevem agora: “O abuso da autoridade espiritual parece ser legitimado por pessoas que se identificam com a ’voz de Deus’ ou que outros equiparam à voz de Deus". Michael Gerber, bispo de Fulda e novo representante do presidente da Conferência Episcopal Alemã sublinhou nesse contexto que o abuso de autoridade espiritual ignora o caráter de mistério de Deus, do homem ou de ambos. Isso leva a conclusões erradas, tipo: “Eu sei o que é bom para você, eu sei o que Deus quer de você”. “São conclusões erradas, com consequências muitas vezes fatais para as vítimas”, afirma Gerber.
Contudo, o documento com indicações não se limita ao esclarecimento e definição do conceito.
Na medida em que quer oferecer aos “curadores de almas” e às vítimas orientação e assistência, lista também locais e ocasiões em que os abusos espirituais podem ocorrer. Assim, se tenta conscientizar sobre o tema. Além disso, também são introduzidos conceitos de intervenção e prevenção e são formulados critérios para ter pontos de referência. Um capítulo à parte é dedicado às provas e aos critérios de discernimento. O catálogo de perguntas tem como objetivo contribuir para melhor classificar o fenômeno; serve como ponto de referência. Ao mesmo tempo é salientado que não há qualquer pretensão de fornecer uma lista completa.
Além disso, o documento com indicações indica as possibilidades de intervenção para "resolver o mais rapidamente possível inconvenientes e abusos espirituais". De fato, a sanção de abuso espiritual por órgãos responsáveis pela aplicação de penalidades é uma tarefa muito difícil, pois requer uma descrição precisa dos atos. Nem o código de direito canônico nem o código penal estatal têm uma competência adequada para indicar como punir o abuso da autoridade espiritual. Na esfera laica, a ação penal só pode ser iniciada se houver ao mesmo tempo a suspeita de privação de liberdade, e em âmbito eclesiástico apenas, por exemplo, se estiver associado um abuso de função ou a violação de segredo confessional. Segundo os bispos, a sanção oficial deve ser evitada o máximo possível e devem ser desenvolvidas outras medidas legais e requisitos estruturais.
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Conferência Episcopal Alemã: foco nos abusos espirituais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU