05 Agosto 2023
O Papa Francisco está tentando envolver os católicos da minoria que se opõe ao Sínodo sobre a Sinodalidade. Mas eles aceitarão seu convite?
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos Estados Unidos. O artigo foi publicado em La Croix Internacional, 27-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A sinodalidade e a conciliaridade fazem parte da vida da Igreja Católica desde o início, mesmo durante o período tridentino. Por exemplo, no período de 300 anos entre 1517 e 1817, houve 281 concílios provinciais em 83 províncias católicas diferentes.
Mas tudo isso parece algo totalmente novo para aqueles que se opõem veementemente ao atual processo sinodal iniciado pelo Papa Francisco. Em parte, é um problema de memória coletiva; ou, melhor, um desconhecimento da longa tradição da Igreja, porque, nos últimos dois séculos, a tradição conciliar e sinodal deu lugar a uma versão muito papalista do catolicismo. Em parte, é também ansiedade (senão terror) frente às características e às possíveis consequências das duas assembleias sinodais que ocorrerão em outubro próximo e depois em 2024.
É importante entender que os sentimentos antissinodais presentes hoje no catolicismo são maiores e mais profundos do que apenas o clericalismo ou o conservadorismo.
Primeiro, há as questões que levam certos católicos a verem o Sínodo com ceticismo ou desprezo. Eles temem que o aggiornamento (ou atualização), que foi um leitmotiv do Concílio Vaticano II (1962-1965), seja ainda mais avançado pela sinodalidade e aprofunde a confusão que eles acreditam que o Concílio desencadeou. Eles têm dúvidas se o Espírito Santo estará presente no Sínodo, pois sabem que ele não esteve no Vaticano II ou no período pós-conciliar. Depois, há o medo de que a sinodalidade hoje tenha marcas de estilo de uma ONG em sua processualidade.
Os oponentes da sinodalidade acreditam que questões que foram consideradas encerradas ou resolvidas há alguns anos, como o ensino da Igreja sobre a sexualidade humana ou o papel das mulheres no ministério, deveriam permanecer fora dos limites e não deveriam ser abertas para mais discussões. Ironicamente, isso faz parte da cultura do papalismo que vê a fidelidade ao papa como a principal virtude católica. A ironia aqui, é claro, é que os oponentes da sinodalidade se sentem compelidos a não oferecer tal fidelidade ao Papa Francisco, mas apenas a seus antecessores, especialmente João Paulo II e Bento XVI.
Em segundo lugar, devemos examinar mais de perto as fontes dessa oposição à sinodalidade. A oposição direta vem de intelectuais e influenciadores católicos individuais. O que vem de alguns bispos e cardeais, e do establishment institucional, é mais silencioso e diplomático. É uma abordagem de “esperar para ver”, semelhante à postura adotada pelas conferências episcopais e pelas universidades católicas conservadoras ou tradicionalistas e pelos chamados “seminários sem Francisco”.
Mas ainda mais importante é a questão de como medir a participação dos opositores na assembleia sinodal e no processo sinodal e se eles vão capitalizar sobre a inegável relutância ou inércia que temos visto em várias Igrejas locais nos últimos dois anos.
A escolha entre diferentes formas de participar, de não participar ou de se opor abertamente ao Sínodo será particularmente delicada para aqueles que, nos últimos dois anos, expressaram uma oposição visceral ou um ceticismo em relação à sinodalidade.
“Por enquanto, as reivindicações daqueles que não se sentem representados por esse estilo seguiram o caminho das mídias sociais”, escreveu a jornalista Maria Elisabetta Gandolfi na última edição da revista católica italiana Il Regno. “Veremos em outubro se eles concordarão em permanecer dentro da assembleia, mesmo que apenas para registrar seu relatório minoritário”, disse ela.
Teremos que ver se o esforço de Francisco para ter uma “equipe de rivais” na assembleia do Sínodo será aceito pelos opositores radicais da sinodalidade, até mesmo por aqueles que não foram nomeados membros.
Houve uma minoria antirreformas no Vaticano II desde o início, e ela permaneceu no Concílio até o fim. Essa presença contínua da minoria “conservadora” significou que os bispos foram forçados a se comprometer e a encontrar soluções delicadas para uma série de questões doutrinais e teológicas. Mas isso também deu uma legitimidade censitária mais forte a todo o Vaticano II, porque as vozes e os votos da minoria foram levados em consideração. No fim, todos os documentos receberam um apoio quase unânime.
Fazia sentido para eles ficarem, porque ninguém imaginava no início que haveria uma inversão de posições entre os que estavam no poder e os desfavorecidos. O Santo Ofício passou por uma dura experiência de aprendizagem sobre a ineficácia de sua tática da “cadeira vazia” – quando decidiram não comparecer a importantes reuniões das comissões, excessivamente confiantes de que os outros não ousariam ir contra o Santo Ofício. Ainda mais porque ninguém tinha certeza de como o Concílio seria recebido e aplicado pela Igreja institucional no período pós-conciliar, e era importante permanecer devido ao importante papel da instituição (principalmente da Cúria Romana) na condução da aplicação do Vaticano II na Igreja universal.
Desta vez é diferente. Este Sínodo sobre a Sinodalidade tem um nível de autoridade diferente em comparação com o Concílio. Se o Sínodo adotasse resoluções inaceitáveis para alguns católicos, essas decisões seriam vistas como menos conclusivas do que as tomadas no Vaticano II. Não existe mais o Santo Ofício como a “Congregação Suprema”, e o papel da Cúria Romana no pontificado de Francisco é marginal.
Mas as coisas poderiam mudar na próxima assembleia do Sínodo. A Igreja está mais polarizada do que no início dos anos 1960, e as linhas de divisão são diferentes. A polarização não é entre a Cúria Romana e os bispos do “mundo real”; nem entre clérigos e leigos. As linhas de divisão atravessam diferentes tipos de membros e origens regionais.
Em comparação com um concílio como o Vaticano II, há mais e diferentes formas de participar no Sínodo, tanto para os que estarão dentro da sala como membros ou peritos, quanto para os católicos (como trabalhadores leigos, teólogos, párocos e diáconos, religiosos etc.) que são participantes ativos na vida da Igreja. A participação no Sínodo terá que ser medida com outros critérios além de apenas contar quantos membros nomeados estarão realmente em Roma e serão ativos na assembleia.
Alguns dos que se opunham aos desenvolvimentos doutrinais que estavam sendo propostos no Vaticano II (especialmente os documentos sobre a liberdade religiosa, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso) acabaram optando por se separar de Roma e de forma traumática, culminando com a excomunhão latae sententiae de 1988 pelo ato cismático de ordenar quatro bispos ilegalmente (essa excomunhão foi levantada por Bento XVI em 2009, em um dos atos mais polêmicos de seu pontificado). Mas esses desdobramentos ocorreram nos anos 1970 e 1980, ou seja, na segunda e terceira décadas do período pós-conciliar.
Por outro lado, a oposição ao Vaticano II estava mais centrada em uma liderança (o arcebispo francês Marcel Lefebvre) e em seu movimento (a Fraternidade Sacerdotal Pio X - SSPX) e em uma cultura teológica (o intransigentismo e o integralismo franceses do século XIX).
Hoje, a oposição à sinodalidade é mais policêntrica e não é dominada por uma única corrente doutrinal dominante, embora o catolicismo anglo-americano desempenhe um papel muito importante nela.
O Sínodo sobre a Sinodalidade terá duas assembleias – uma em outubro de 2023 e outra em outubro de 2024 –, e é improvável que ocorram eventos traumáticos com consequências duradouras nesta primeira reunião. Também é perfeitamente possível que o Papa Francisco seja capaz de absorver, cooptar e integrar esses elementos antissinodais.
Sem dúvida, a sinodalidade requer uma certa quantidade de críticas internas, e isso pode vir de alguns opositores abertos do processo sinodal. Mas não está claro como aqueles que se opuseram a tudo e a qualquer coisa que Francisco fez nos últimos 10 anos e meio podem oferecer críticas construtivas durante o processo sinodal.
Mesmo assim, é importante olhar para as diferentes forças eclesiais e sensibilidades teológicas que expressam preocupações sobre a forma que a sinodalidade poderá assumir em termos de governança eclesiástica e trajetórias doutrinais.
O movimento antissinodal de hoje é uma área mais difícil de identificar, menos marginal e mais dominante em comparação com a oposição radical ao Vaticano II. No fim, aqueles que se opõem à sinodalidade terão uma influência no processo sinodal, seja qual for a estratégia que escolherem.
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Entendendo o sentimento e as táticas antissinodais. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU