20 Mai 2023
Desde o triunfalismo que marcou a celebração do Grande Jubileu do ano 2000 por parte da Igreja Católica, o próximo Jubileu ocorrerá em nossa “triste époque” atual.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, em artigo publicado por La Croix International, 18-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Assim que a segunda assembleia do “Processo Sinodal” for concluída em outubro de 2024, o próximo grande evento no qual o Vaticano se concentrará é o “Jubileu da Esperança” em 2025. Os preparativos já estão em andamento para aquele que parece ser um Ano Santo muito centrado em Roma. Ele começará em dezembro de 2024 e se concluirá em janeiro de 2026, na festa da Epifania.
Esse é o primeiro Ano Santo desde o Grande Jubileu do ano 2000 e quase uma década depois do Jubileu Extraordinário da Misericórdia de 2015-2016. O responsável por prepará-lo é o arcebispo Rino Fisichella, um dos dois pró-prefeitos do Dicastério para a Evangelização, um cargo que ele recebeu de Bento XVI em 2010, como presidente do extinto Pontifício Conselho para a Nova Evangelização.
Fisichella, que completará 72 anos em agosto, foi também membro do comitê central do Grande Jubileu do ano 2000 e vice-presidente (sob o cardeal Joseph Ratzinger) de sua comissão histórico-teológica.
Entre outros cargos, esse ex-professor da Universidade Gregoriana ocupou o cargo de capelão do Parlamento da Itália de 1995 a 2010. Isso o tornou um dos prelados mais importantes do país, encarregado de construir uma entente entre a coalizão de direita liderada por Silvio Berlusconi e o pontificado de Bento XVI.
Agora que o governo italiano está nas mãos da primeira-ministra Giorgia Meloni, sucessora de Berlusconi na direita, Fisichella parece ser – pelo menos para alguns – o homem certo no lugar certo na hora certa.
Coordenar os preparativos do Jubileu entre o Vaticano e as autoridades italianas é importante, porque construir e atualizar a infraestrutura para acomodar os 30 a 40 milhões de pessoas que são esperadas em Roma significa que muito dinheiro estará passando de mão em mão.
Grande parte desse montante virá dos contribuintes italianos, mas os fundos também virão indiretamente da União Europeia. O Ano Santo é sempre uma mistura tipicamente católica entre o sagrado e o profano. Foi assim desde o primeiro Jubileu no ano de 1300, uma instituição muito católica romana que sobreviveu à Reforma Protestante e foi impulsionada pelo ultramontanismo do século XIX, que promoveu a autoridade papal suprema e o papel do Vaticano em questões de espiritualidade e governança.
Esse aspecto turístico-comercial dos jubileus não é nenhuma novidade. O que é novo é que hoje vivemos em um mundo que mudou significativamente desde os últimos dois jubileus. O Jubileu de 2025 será bem diferente do “Jubileu Extraordinário da Misericórdia” que o Papa Francisco convocou com menos de três anos de pontificado, a fase mais enérgica de seu tempo à frente da Igreja. A crise dos abusos sexuais ainda não havia atingido o pontificado como a partir de 2018.
O clima entre os católicos na época do Jubileu de 2025 será ainda mais diferente do “Grande Jubileu” do ano 2000, que exibiu uma Igreja triunfante e superconfiante, liderada por um já visivelmente doente João Paulo II, o papa que foi creditado por ter ajudado a derrubar o comunismo e a reviver o catolicismo como uma força global. Foi uma celebração da fé, que teve momentos importantes para muitos católicos, principalmente para os jovens.
Mas o Jubileu do ano 2000 foi também um momento ilusório para a Igreja institucional e sua influência, tanto no mundo quanto na comunidade eclesial. Menos de um ano após seu término, o mundo testemunhou o horror do 11 de setembro – os ataques terroristas ao World Trade Center em Nova York. Em seguida, apenas alguns meses depois, em janeiro de 2002, os relatórios “Spotlight” do Boston Globe fizeram explodir a crise dos abusos da Igreja Católica em nível global.
Andrea Riccardi, historiador italiano e fundador da Comunidade de Santo Egídio, disse em 2011 que o período pós-2001 deveria ser conhecido como “la triste époque” em contraste com a “belle époque” do início do século XX, assim como com a ilusão dos anos 1990 em torno dos magníficos e progressistas destinos da globalização.
É preciso lembrar que, no ano 2000, as guerras no Iraque, Ruanda, Somália e na ex-Iugoslávia pareciam mais pontinhos na tela do que prenúncios do que estava por vir. Mas a pandemia da Covid-19 e depois a invasão russa da Ucrânia consolidaram a impressão de que o primeiro quarto do século XXI é de fato “la triste époque” marcada pela disrupção da globalização.
O Jubileu de 1950 com Pio XII destacou o papel da Igreja Católica ao ajudar a reconciliar os povos após a Segunda Guerra Mundial. De maneira semelhante, o Jubileu do ano 2000 fez o mesmo após a Guerra Fria. Ambos foram celebrações pós-guerra de uma unidade recém-encontrada no mundo e na Igreja.
É difícil ver o Jubileu de 2025 sendo celebrado com o mesmo clima. E é difícil ver como serão os preparativos – além daquilo que está nas mãos de administradores e empresários. João Paulo II tentou moldar o “Grande Jubileu” como um momento de conversão e de exame de consciência para a Igreja, começando pela sua carta apostólica Tertio millennio adveniente, de 1994.
O Vaticano instituiu uma comissão histórico-teológica que organizou colóquios sobre algumas páginas preocupantes da história da Igreja, especialmente sobre as raízes do antijudaísmo nos círculos cristãos (1997) e sobre a Inquisição (1998). Os arquivos históricos do Santo Ofício também foram abertos aos estudiosos.
As intuições de João Paulo II inspiraram iniciativas de várias conferências episcopais nacionais a fim de olhar crítica e humildemente para seu próprio passado – a República Tcheca em relação a Jan Hus, e a Polônia e a França em relação ao antissemitismo. O desejo do papa polonês de uma “purificação da memória” culminou em uma liturgia simbólica em 12 de março de 2000 na Basílica de São Pedro.
Ele e alguns de seus cardeais pediram perdão, em nome de todos os católicos, pelos pecados que alguns membros de sua Igreja cometeram contra outros cristãos, “o povo de Israel”, “as mulheres e a unidade da raça humana”, os direitos fundamentais da pessoa humana, outros povos, culturas e religiões.
Entre 1998 (“Memória e Reconciliação: a Igreja e as culpas do passado”) e o colóquio internacional em 2000 realizado em Roma sobre o Concílio Vaticano II, ficou claro que os instintos apologéticos haviam prevalecido sobre uma verdadeira “purificação da memória”.
Nos primeiros anos após o Grande Jubileu, vimos como o Vaticano de João Paulo II falhou em lidar com a crise dos abusos ao proteger o cardeal Bernard Law, de Boston, e Marcial Maciel, o fundador e líder de longa data dos Legionários de Cristo. O resto é história.
As preparações de quase uma década de duração para o Jubileu do ano 2000 também foram um esforço para ajudar a Igreja a lidar com seu passado e a preparar seu futuro do ponto de vista teológico e espiritual. Não se tratava apenas de construir novas infraestruturas em Roma. Mas hoje não está muito claro se e como algo assim ocorrerá entre agora e 2025.
Em fevereiro de 2022, o Papa Francisco indicou brevemente a necessidade de redescobrir os documentos do Vaticano II, e exatamente um ano depois o arcebispo Fisichella anunciou a publicação de uma coleção de 34 pequenos volumes dedicados ao Concílio Vaticano II. Eles foram intitulados “Giubileo 2025: Quaderni del Concilio”.
Se essa foi uma iniciativa séria para conectar o Jubileu de 2025 a uma redescoberta do Vaticano II, ela foi mantida em grande segredo. Essa coleção parece existir apenas em italiano!
Mais de 20 anos após o “Grande Jubileu” do ano 2000, a crise dos abusos varreu completamente para longe aquela imagem triunfante do catolicismo – mas também uma certa imagem triunfante do Vaticano II. É impressionante olhar hoje para as falhas na tentativa da Igreja Católica, desde o fim dos anos 1990 até o ano 2000, de fazer uma “purificação da memória”.
Hoje, uma “purificação da memória” muito diferente e abrangente está em andamento. Ela concerne aos abusos, ao gênero, à raça e ao colonialismo. E não é controlada pelo Vaticano.
Na realidade, é mais do que uma purificação. Às vezes, parece uma dissolução da memória e um colapso da consciência histórica. Isso já está ocorrendo na mídia, na academia e na percepção pública. E, devido ao seu “presenteísmo”, muitas vezes ela está mudando radicalmente (especialmente no Ocidente) não apenas a percepção da Igreja pelos não católicos, mas também a autopercepção dos próprios católicos.
Refletir sobre como ler o nosso passado é uma tarefa eclesial, de toda a Igreja. Mas também precisa de lideranças institucionais e de vozes proféticas. Essa é outra diferença em comparação com o Jubileu do ano 2000. Naquela época, havia uma suposição de que a liderança da Igreja estava firmemente no controle da narrativa. Essa ilusão foi embora, e agora, em nível institucional, muitas autoridades da Igreja estão com medo das incontáveis direções diferentes que tal exame de consciência poderia tomar.
Serão alguns anos muito interessantes (no mínimo) para a Igreja no período entre a assembleia sinodal sobre a sinodalidade em outubro próximo e o início do Jubileu de 2025. Do ponto de vista eclesiológico, o “processo sinodal” que abrange os anos de 2021 a 2024 e o Jubileu de 2025 parecem pertencer a séculos ou milênios diferentes.
O acerto de contas com o passado que antecedeu o Grande Jubileu do ano 2000 ocorreu sob o estrito controle do Vaticano e de João Paulo II. Naquela época, a Igreja institucional era réu, juiz e júri. Mas esses tempos já se foram.
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Rumo ao Ano Santo de 2025: do triunfalismo à “triste époque”. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU