"Agora, à vista da deterioração global do ambiente, quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste planeta [...]. Nesta encíclica, pretendo especialmente entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa comum."
Neste trecho da encíclica Laudato Si', apresentada ao público no dia 24 de maio de 2015, o Papa Francisco deixa claro o destinatário de sua conclamação: não apenas o mundo católico, mas "cada pessoa que habita este planeta". Com a proximidade do aniversário de oito anos da encíclica, forma-se uma mobilização crescente que, mesmo sem data para terminar, certamente mira um cronograma muito claro: o ano de 2025, marcando tanto os 10 anos da encíclica, quanto os 800 anos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis.
Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas é ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo, que não parecem diminuir; antes, expandem-se e desenvolvem-se – Papa Francisco
Tweet.Nesta página, atualizaremos uma lista com alguns dos materiais publicados pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU que contribuem tanto para as reflexões sobre o cuidado com a nossa casa comum, quanto para as mobilizações em prol da causa socioambiental.
"Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas é ainda insuficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo, que não parecem diminuir; antes, expandem-se e desenvolvem-se (...). Entretanto os poderes econômicos continuam a justificar o sistema mundial atual, onde predomina uma especulação e uma busca de receitas financeiras que tendem a ignorar todo o contexto e os efeitos sobre a dignidade humana e sobre o meio ambiente".
Em 190 páginas e cerca de 40 mil palavras, a encíclica Laudato Si' do Papa Francisco faz um alerta público ao caráter urgente da crise climática e onde repousam os principais motivos para a morosidade de uma reação política. Segundo o pontífice, a "submissão da política à tecnologia e às finanças" impede o desenvolvimento de uma noção de ecologia integral, um dos conceitos centrais que emergem da encíclica. Em outras palavras, é preciso parar de dissociar o cuidado com o meio ambiente do bem-estar social e reafirmarmos o diagnóstico de um desafio socioambiental.
Uma das inspirações para essa perspectiva é São Francisco de Assis, um dos santos mais populares da Igreja Católica. Muitos não católicos, aliás, se dizem fiéis ao monge devido à sua relação com o meio ambiente e com a forma despojada que vivia. O padroeiro da ecologia também é conhecido pelo seu cuidado com o que é frágil e pelo seu encantamento com a Criação. O próprio Jorge Mario Bergoglio, ao escolher ser chamado Papa Francisco, quis alinhar esse ícone ao seu pontificado.
O urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral – Papa Francisco
Tweet.São Francisco de Assis (Foto: Arquivo | IHU)
Não por acaso, "Louvado seja, meu Senhor" [Laudato si', mi Signore], primeiros versos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, iniciam e dão nome à encíclica. Como bem coloca o frei e padre da Ordem dos Carmelitas, Gilvander Moreira:
"Isso é eloquente por vários motivos: Primeiro, porque 'Louvado sejas' dito diante do planeta Terra e de toda a biodiversidade revela admiração e encanto pela natureza que nos envolve e da qual fazemos parte. Segundo, pedagogicamente é mais promissor conclamar para o compromisso com a defesa da nossa única Casa Comum a partir do encantamento e da beleza e não a partir do medo e da insegurança que despertam tantas mazelas socioambientais que nos colocam no meio da maior crise ecológica de todos os tempos".
Nesse sentido, o Papa Francisco propõe que olhemos para o problema da crise climática de um ponto de vista científico, mas que não nos limitemos à essa linguagem. Como afirma Michael Sandel, o debate sobre mudanças climáticas não é apenas sobre ciência e educação, mas fundamentalmente uma questão política. Ou, como avalia o Papa, "o urgente desafio de proteger a nossa casa comum inclui a preocupação de unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral". E, para tanto, como bem pontua o Santo Padre, o caminho consistiria em nos reconectarmos com a "essência do ser humano" e percebermos a natureza e o mistério da Criação com "admiração" e "encanto".
Veja abaixo um trecho do Cântico das Criaturas traduzido para o português por Leonardo Boff. A íntegra da tradução pode ser conferida aqui.
"Altíssimo, onipotente, bom Senhor,
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção.
Só a ti, Altíssimo, são devidos;
E homem algum é digno
De te mencionar.
Louvado sejas, meu Senhor,
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o Senhor Irmão Sol,
Que clareia o dia
E com sua luz nos alumia.
(...) Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a mãe Terra
Que nos sustenta e governa,
E produz frutos diversos
E coloridas flores e ervas (...)"
Este ano, um dos pilares da mobilização do Movimento Laudato Si' se dará a partir, e ao redor, do filme "A Carta" ["The Letter"]. O longa, disponível gratuitamente no YouTube, foi produzido pela equipe “Off the Fence”, vencedora de um Oscar, em colaboração com o Movimento Laudato Si’ e os Dicastérios para a Comunicação e para a Promoção do Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. O documentário também tem parceria do YouTube Originals. O diretor, Nicolas Brown, conta que não é uma pessoa católica e, quando foi contatado, ficou receoso de ser um vídeo promocional para a igreja católica.
"Até ser abordado sobre [o filme], eu nem tinha lido a Laudato Si'. E eu li e fiquei tão surpreso que o Papa Francisco parece ter intuído o momento de alcançar um aperto de mão em direção à comunidade científica para salvar nosso planeta [...]. E então eu não estava preparado para um papel tão aceito da ciência [na Laudato Si']. Isso é o que imediatamente me impressionou [...]. Agora, sou da opinião de que não há como nós, na comunidade científica, resolvermos a questão climática sem a ajuda da liderança moral".
Estamos contando a Laudato Si', mas pelos olhos das pessoas que a vivem na linha de frente – Nicolas Brown, diretor de "A Carta"
Tweet.A Laudato Si' foi escrita em 2015, ano em que foi também criado Movimento Católico Global pelo Clima, posteriormente denominado Movimento Laudato Si' . Neste mesmo ano, foi realizado o Acordo Climático de Paris, um tratado internacional que estabeleceu metas para a mitigação da crise climática. Ainda que sejam plenamente alcançáveis de um ponto de vista científico, as metas carecem de um contexto político e social para serem alcançadas. Se de um lado os bancos privados podem canalizar trilhões de dólares para a indústria de combustíveis fósseis após o Acordo de Paris, de outro, os mais afetados, jovens, pessoas pobres, grupos indígenas e a própria vida selvagem, não tem poder para mudar de forma drástica esta realidade. Nesse sentido, segundo o diretor de "A Carta", a produção e divulgação do filme é uma forma de dar voz e empoderar estes grupos.
"[...] Este era o nosso objetivo, que essas pessoas não se tornassem mais estatísticas, mas se tornassem pessoas reais, e realmente entendêssemos algumas das dimensões humanas dos problemas que enfrentamos que acho que o papa está realmente tentando apontar. Então, de certa forma, acho que estamos contando a Laudato Si', mas pelos olhos das pessoas que a vivem na linha de frente".
As vozes pela defesa da Casa Comum no filme "A Carta" (Foto: Reprodução | Movimento Laudato Si')
No Brasil, o filme foi lançado oficialmente na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em uma cerimônia realizada no dia 3 de novembro. Dom Joel Portela, Secretário Geral da CNBB, enfatizou que não se trata apenas de um filme ecológico ou social, mas de um "um convite para juntos trabalharmos incansavelmente para a construção de um mundo diferente". O cacique Dadá Borari, do povo indígena Maró, do estado do Pará, esteve presente no lançamento. Na ocasião, Dadá frisou que a responsabilidade da floresta não é só de quem vive nela, mas de todos que dependem dela, direta ou indiretamente – ou seja, toda a humanidade.
Em março deste ano, durante reunião do Conselho Permanente da CNBB, foi lançada a campanha Laudato Si'. A campanha é promovida pela CNBB, Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil) e Movimento Laudato Si’ (MLS). Este ano foram definidos três períodos de mobilização.
Banner da Campanha Laudato Si' 2023 no Brasil (Imagem: Reprodução | Diocese de Osasco)
Primeiro, a Semana Laudato Si’, que será realizada do dia 21 a 28 de maio. De acordo com o Movimento Laudato Si', o filme "A Carta" será o principal recurso para orientar os eventos da semana, incentivando as pessoas a organizarem exibições comunitárias do longa.
Já no mês seguinte será promovido o Junho Verde. A ideia, nascida a partir da presidência CNBB, ganhou o caráter de lei em julho de 2022. A norma 14.393/2022 a norma altera a Política Nacional de Educação Ambiental e institui a celebração do mês temático como parte das atividades educativas na relação com o meio ambiente. O então presidente da CNBB, o arcebispo de Belo Horizonte (MG) dom Walmor Oliveira de Azevedo, frisou que a campanha Junho Verde “é passo importante na consolidação do entendimento de que todos devem buscar o desenvolvimento integral, que considera a essencialidade do equilíbrio na Casa Comum". Um dos destaques do texto é a indicação que as iniciativas da campanha devem observar o conceito de Ecologia Integral, tão caro à encíclica Laudato Si'.
Por fim, também será realizado o Tempo da Criação 2023, uma celebração ecumênica realizada todos os anos de 1º de setembro, Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação, até 4 de outubro, festa de São Francisco de Assis. Este ano, o apelo ao diálogo inter-religioso se dará ao redor do tema "Que a Justiça e a Paz Fluam", enquanto “Um poderoso rio”, por representar a biodiversidade em risco, é o símbolo escolhido para acompanhar este tema. "A urgência cresce e devemos tornar visível a paz com a Terra e na Terra, ao mesmo tempo que a justiça nos chama ao arrependimento e a uma mudança de atitudes e ações", explica, em comunicado, o Movimento Laudato Si'. "À medida que nos juntamos ao rio da justiça e da paz com os outros, criamos esperança em vez de desespero", complementa a organização.