28 Março 2023
Vijay Prashad (Calcutá, 1967) é historiador marxista, diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, instituição internacional promovida por movimentos e organizações populares. Possuem institutos na Argentina, Brasil, Índia e África do Sul, bem como um escritório inter-regional com membros em várias partes do mundo.
Prashad também é editor-chefe da LeftWord Books e membro sênior do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros, da Universidade Renmin, da China. Recentemente, publicou, com Noam Chomsky, o livro La retirada: Irak, Libia, Afganistán y la fragilidad del poder de Estados Unidos (2022). Nós o encontramos, em Havana, participando do Colóquio Pátria, um encontro para discutir o bloqueio digital dos Estados Unidos a Cuba.
A entrevista é de Pascual Serrano, publicada por Ctxt, 25-03-2023. A tradução é do Cepat.
Você é de origem indiana, embora desenvolva seu trabalho nos Estados Unidos e em outros países. Historicamente, tem ocorrido um debate sobre os tão diferentes modelos de desenvolvimento dos dois grandes países populosos do mundo, que são Índia e China. O Prêmio Nobel de Economia, Amartya Sen, chegou a dizer que, por décadas, falava-se da fome na China, no período histórico chamado o Grande Salto Adiante. Contudo, na Índia, todos os anos e em todos os períodos, continuaram morrendo pessoas sem que os meios de comunicação prestassem atenção. Agora, sabemos que a China acabou com a fome e a pobreza extrema, algo que não aconteceu na Índia. Qual é a sua visão acerca dos dois países, hoje?
A Índia e a China conquistaram a independência no mesmo período, uma em 1947 e a outra em 1949. A China imediatamente rompeu as hierarquias sociais e, assim, as pessoas que por muitos anos foram oprimidas recuperaram sua confiança na política. A revolução chinesa permitiu o acesso à saúde e educação, era um país pobre, mas libertaram muitas pessoas da pobreza rural.
Enquanto isso, na Índia, não ocorreu nenhuma mudança nas hierarquias sociais. Hierarquias como as castas e outras permaneceram intactas, portanto, a confiança política das pessoas nas zonas rurais não aumentou. Não havia educação e nem saúde universal. Tudo isso supôs que, ao contrário da China, não confiam na política e em suas instituições. A Índia é um país muito avançado, com muita tecnologia, não é um país primitivo, no entanto, continha sendo um país onde as desigualdades sociais são muito grandes.
Em seu recente livro de conversas com Noam Chomsky, “La Retirada”, analisam as políticas implementadas pelos Estados Unidos e a OTAN para levar a democracia e os direitos humanos a outros países. O mais interessante da obra, em minha opinião, é quando destacam que nem sempre o motivo da intervenção é a apropriação dos recursos naturais. Você pode explicar isto?
Após a Segunda Guerra Mundial, muitas novas nações emergiram na comunidade internacional e lutaram para estabelecer sua soberania como nações e a sua dignidade. Para isso, desafiaram o poder dos monopólios e o poder dos Estados Unidos. É nesse momento que vemos muitos golpes de Estado: Guatemala, Congo, Irã, Gana, Indonésia. Também encontramos tentativas das instituições financeiras de executar golpes através dos bancos.
Esses golpes de bancos e de tanques acontecem porque o poder imperialista não pode permitir que esses países se estabeleçam soberanamente. Dizemos que os Estados Unidos são O Poderoso Chefão, pois não podem permitir que outros países ajam independentemente deles. Se alguém age de forma independente das corporações multinacionais, não será aceito pelos Estados Unidos e será punido.
Fica cada vez mais clara a ausência de uma política externa europeia própria frente aos Estados Unidos. A guerra na Ucrânia tem sido muito expressiva. As sanções e o aumento dos gastos militares aparecem como uma imposição dos Estados Unidos. E a resignação alemã diante da explosão dos gasodutos que a abasteciam com o gás russo também assombra. Como explicar esse comportamento da Europa?
Os europeus não querem pensar que são como as outras pessoas do mundo. Se você observa o período do pós-guerra, verá dois golpes realizados pelos Estados Unidos na Europa. As pessoas bem-intencionadas ficarão surpresas por eu usar o termo golpe de Estado. Nas eleições da Itália e da França, a esquerda ia vencer. Na Itália, o Partido Comunista era o favorito nas primeiras eleições do pós-guerra, e o Partido Comunista na França também tinha forte apoio, após a guerra. Contudo, os Estados Unidos deram fundos aos partidos de oposição para prevenir que os partidos de esquerda chegassem ao poder, não há dúvida sobre esses fatos.
Basta ler o site da CIA para entender o que fizeram. Não há diferença entre o golpe na França e Itália e o golpe na Guatemala, em 1954. Pensamos que um golpe não pode acontecer dentro da Europa, talvez na Turquia ou na Grécia, mas jamais na França. Por que foi importante ter ocorrido um golpe na França? Porque o Ocidente europeu tinha que ser uma província dos Estados Unidos, e Charles De Gaulle entendeu isto.
Na França, fala-se muito de uma política externa independente. Quando as instituições europeias de Maastricht foram estabelecidas, falava-se muito em criar uma política externa da Europa. No entanto, agora, a política externa da Europa está subordinada aos Estados Unidos. Toda vez que a Europa tenta se afastar dos Estados Unidos, lançam algum acordo e a trazem de volta.
O conflito na Ucrânia foi uma excelente oportunidade para restabelecer o poder dos Estados Unidos sobre a Europa e tê-la novamente em seu domínio. Olhe para Olaf Scholz, hoje: representa a opinião pública da Alemanha ou representa a posição do Departamento de Estado? Olhe para Macron, diz uma coisa e depois voa até Washington e diz outra. Embora queiram se distanciar dos Estados Unidos, não os permitem.
Mas, de que forma os Estados Unidos conseguem segurar a Europa para que não se afaste de sua política?
Nos últimos quinze anos, após a crise financeira, a Europa estava cada vez mais próxima da Ásia, mais dependente da energia russa, mais dependente da tecnologia e dos investimentos da China. Contudo, nos últimos dez anos, essa tendência a uma integração natural com a Ásia é algo que tem preocupado a classe dominante dos Estados Unidos. O próprio Trump foi até a OTAN e disse: “por que estão comprando energia da Rússia e, ainda assim, acreditam que vamos proteger vocês [?]”.
Em sua opinião, qual poderia ser uma saída para a guerra na Ucrânia?
A China.
A China, se permitirem.
A China apresentou uma proposta de paz, de diálogo.
Quem são os que estão dispostos a aceitar a proposta de paz da China e quem não?
Zelensky disse que era uma boa ideia, Macron disse que era uma boa ideia, os russos disseram que estariam dispostos a discutir. Quem não disse que era uma boa ideia?
Os Estados Unidos?
Exato, O Poderoso Chefão.
Dez anos atrás, você escreveu um livro excepcional: “Las naciones oscuras. Una historia del Tercer Mundo”. O poder esmagador do Ocidente em escrever a história produz a miragem de que tudo o que acontece de importante está dentro das fronteiras dos países ricos e é protagonizado por seus líderes. Diante disso, nesta obra, você narra o combate dos países pobres e colonizados contra a exploração pelas metrópoles e os ricos. Uma luta que começa com líderes gigantes que já não estão no Terceiro Mundo: Nasser, Nehru e Tito. Sua análise, então, era pessimista. Quais novidades surgiram dez anos depois? Considera que a China pode ser uma esperança para o Terceiro Mundo? Enxerga um mundo multipolar mais próximo?
A China não pode salvar o mundo, é preciso que nós, do Sul Global, no Terceiro Mundo, criemos nossos próprios projetos. A ideia da China deu a muitos a oportunidade de criar outras formas de consenso, outro modelo de relações internacionais. Contudo, se os países do Terceiro Mundo perderem essa oportunidade, todos nós perderemos.
A China não pode nos salvar, a China só pode mudar a correlação de forças. Qual é o projeto da América Latina? Qual é o projeto da África? Qual é o projeto da Ásia? Devemos responder a tudo isso.
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“A saída da guerra na Ucrânia está na China”. Entrevista com Vijay Prashad - Instituto Humanitas Unisinos - IHU