20 Fevereiro 2023
O sínodo geral convocado por Francisco está trazendo à tona os mal-estares profundos que atravessam a igreja de um extremo ao outro do mundo. O papa quis fazer do evento um encontro amplo e participativo, capaz de envolver a base dos fiéis, as comunidades locais para subir aos vértices dos episcopados nacionais. O que ele talvez não podia prever, no entanto, era que saísse da caixa de Pandora das discussões internas um retrato de uma igreja fragmentada, dividida em seu âmago sobre tantas questões e capaz ao mesmo tempo de pedir com força mudanças profundas.
A reportagem é de Francesco Peloso, publicada por Domani, 14-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A questão da liderança e das ordenações femininas, entre outras coisas, com vários e diferentes nuances, retorna em quase todos os documentos conclusivos dos sínodos nacionais; outros temas que encontraram espaço são os da crise de credibilidade da igreja devido aos abusos, do anacronismo do celibato obrigatório, da persistência de clericalismo e misoginia, da necessidade de acolher pessoas LGBTQ quanto divorciados recasados, de rever o ensino sobre a sexualidade e, finalmente, de construir uma igreja inclusiva e aberta a todos. Ao mesmo tempo, veios de várias partes o pedido para estar profeticamente ao lado dos pobres e ouvir o grito da Mãe Terra.
E, no entanto, tendo chegado à fase continental da discussão, o sínodo corre o risco de naufragar em meio a censuras e chamadas à ordem vindas do Vaticano. Neste sentido se orientava a carta enviada a todos os bispos do mundo pelos Cardeais Mario Grech e Jean-Claude Hollerich, respectivamente secretário geral e relator geral do sínodo, na época das assembleias sinodais continentais das quais tomavam parte as delegações de todas as igrejas nacionais (a europeia foi realizada em Praga de 5 a 12 de fevereiro). No texto, os dois recordaram como o tema atribuído pelo Papa à XVI Assembleia geral ordinária do sínodo dos bispos é claro: "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão.
Esse é, portanto, o único tema que somos chamados a aprofundar em cada uma das fases do processo.
As expectativas em relação ao Sínodo 2021-2024 são muitas e variadas, mas não é tarefa da assembleia abordar todas as questões em torno das quais na igreja se debate”: o temor, nem mesmo velado, é que a agenda do sínodo alemão, fortemente voltada para a revisão das estruturas hierárquicas tradicionais da igreja a partir do escândalo dos abusos, torne-se central a respeito de um proceder mais prudente e moderado.
Dos encontros continentais em parte já concluídos e em parte ainda a serem realizados, em qualquer caso, deveriam resultar os documentos que irão fluir para o texto base que servirá de suporte para a fase final da discussão. Esta última será dividida em dois momentos distintos previstos para outubro de 2023 e o sucessivo para 2024. Um calendário, decidido pelo papa, que pareceria sugerir uma conclusão capaz de chegar, após longo discernimento, a decisões importantes; porém por enquanto parece que o medo de divisões e as várias ameaças cismáticas veiculadas pelos ambientes mais conservadores tenham prevalecido.
Claro, as igrejas da Europa Ocidental, da Alemanha à Irlanda, da Inglaterra à Áustria, da Bélgica à Espanha, sublinharam com urgência a necessidade de avançar para um novo modelo de igreja; traço comum de tal convulsão é constituído pela denúncia da marginalidade das mulheres nos papéis de liderança, apesar de ser a componente feminina determinante para a sobrevivência do catolicismo.
Essa preocupação também afeta as igrejas da Europa Oriental, bem como as de outras realidades continentais. Na síntese do processo sinodal na Inglaterra e no País de Gales, lemos a esse respeito: "O lugar da mulher dentro da Igreja tem sido motivo de apaixonada preocupação, repetido e fortemente expresso na escuta sinodal.
Tem sido um tema constante, que ocupou partes substanciais de todos os relatórios diocesanos, e deveria ser considerado um dos principais resultados do sínodo na Inglaterra e no País de Gales".
"A exclusão", prossegue o documento, "aparece em geral sob duas categorias: a incapacidade de fazer bom uso da contribuição das mulheres na igreja e a questão específica dos ministérios das mulheres. Em ambos os casos, ‘a questão é que metade da Igreja não é envolvida com a profundidade e a amplitude que poderia ter e, portanto, a Igreja está perdendo algo’".
Outros aspectos relevantes emergiram do sínodo irlandês: "Os participantes, jovens e idosos", consta no documento produzido pela Igreja da Irlanda, "pediram o celibato facultativo, padres casados, mulheres padre e o retorno dos que deixaram o sacerdócio para se casar. O clericalismo, em todas as suas formas, foi frequentemente associado a ofensas e abusos de poder. Alguns declararam que as estruturas da Igreja não são inclusivas, mas patriarcais, hierárquicas e feudais. Foi expressa a preocupação de que muitos sacerdotes sejam resistentes à mudança, sentem que não têm mais nada a aprender e consideram a paróquia local como ‘a minha paróquia’ e não como ‘a nossa paróquia’".
"As consultas nas dioceses e em nível nacional", relata em outra frente não menos significativa o documento vindo da Áustria, "indicaram que a relação entre sacerdotes e fiéis é difícil em muitos lugares. Por um lado, critica-se a distância percebida entre consagrados e leigos; em alguns lugares, os sacerdotes são até mesmo vistos como um obstáculo para uma vida comunitária eficaz".
Mas, ao mesmo tempo, destacam-se os desafios que os sacerdotes têm que enfrentar: a falta de vocações e a diminuição do voluntariado são causas de estresse; além disso, os sacerdotes nem sempre se sentem ouvidos e veem seu próprio papel posto em discussão.
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O Vaticano trava as pressões mais radicais do sínodo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU