13 Fevereiro 2023
"O seu mérito indiscutível foi o de saber haurir, com fidelidade criativa, da tradição viva do evento de Cristo guardado e tratado pela tradição eclesial, a orientação decisiva para interpretar e assumir os desafios do nosso tempo: da proteção e promoção da dignidade da pessoa na sua vocação eclesial e social originária até a aceitação radical da crise ambiental", escreve Piero Coda, doutor em Filosofia pela Universidade de Turim e doutor em Teologia pela Universidade Lateranense, em artigo publicado por Settimana News, 12-02-2023. A tradução de Luisa Rabolini.
Ioannis Zizioulas foi sem dúvida um dos protagonistas, na segunda metade do século XX, de um promissor e produtivo retorno da teologia no caminho da Igreja e no cenário cultural.
Seu testemunho e sua obra, ricos e multifacetados e, ao mesmo tempo, unitários e coerentes, estão ligados na origem ao inédito florescimento vivido pela teologia na Igreja Ortodoxa em uma feliz união entre o impulso para uma renovação em grande estilo, que vinha do mundo eslavo, e a reencontrada consciência de um enraizamento criativo na tradição dos Padres orientais, que estava despertando no mundo grego.
Zizioulas manteve-se tenazmente fiel a essa dupla e definitivamente convergente inspiração, intuindo nela um fator positivo e fecundo de renascimento e amadurecimento da fé. E já nisso é possível perceber uma mensagem para os dias atuais em que vivemos: quando, pelo menos em nível oficial, as coisas não parecerem mais tão certeiras.
Bispo Ioannis Zizioulas falecido em 02-02-2023. (Foto: Wikimedia Commons)
O seu mérito indiscutível foi o de saber haurir, com fidelidade criativa, da tradição viva do evento de Cristo guardado e tratado pela tradição eclesial, a orientação decisiva para interpretar e assumir os desafios do nosso tempo: da proteção e promoção da dignidade da pessoa na sua vocação eclesial e social originária até a aceitação radical da crise ambiental.
Sem cair em modismos arcaicos, mas sabendo discernir os vetores mais promissores no desenvolvimento do pensamento moderno, identificando suas potencialidades e alertando para possíveis desvios. Contribuindo assim, com a contribuição específica de uma teologia de clara matriz ortodoxa, para a grande empreitada em que se empenharam, com sua peculiar ênfase, os maiores teólogos em âmbito católico, evangélico e anglicano do século passado: em uma convergência da qual talvez ainda não percebamos todo o significado e alcance na imaginação do futuro da Igreja.
Também para Zizioulas, assim como mais de um século antes para Antonio Rosmini, das "entranhas da revelação" não só nasceu no passado - em diálogo crítico com a cultura e a filosofia - uma visão original do sentido do ser do homem, da história e do cosmos, mas também hoje é possível, aliás mais necessário do que nunca, empenhar-nos para que isso volte a acontecer num diálogo abrangente. Afeta não só o destino da Igreja, mas também o da humanidade.
Daí a importância que assumem os sinais significativos para a articulação de uma ontologia trinitária global revelada pelo cerne da revelação oferecida por Zizioulas à luz do eschaton que aconteceu de uma vez por todas em Cristo e como tal tornado eficaz, ao longo dos tempos, graças ao mistério eucarístico e à ação transformadora do Espírito Santo.
Mas há outro aspecto, e de primeira grandeza, que qualifica o desempenho teológico de Zizioulas e que em si está repleto de frutos em grande parte ainda por amadurecer: é o seu empenho, em tantos aspectos decisivo e em todo o caso apaixonado e construtivo, no caminho ecumênico rumo à unidade plena e visível das muitas Igrejas na única Igreja de Cristo.
Apreciei pessoalmente tal empenho, nestes últimos vinte anos, na retomada – não dada como certa e nada fácil - do diálogo teológico entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica na comissão mista internacional constituída para isso, e da qual Zizioulas por muito tempo, com grande autoridade, foi copresidente com Walter Kasper.
Basta dizer que o documento de Ravenna sobre Comunhão eclesial, sinodalidade e autoridade, produzido em 2007 (mas sem a assinatura do Patriarcado de Moscou), é impensável sem levar em conta a contribuição de Zizioulas.
Ora – é preciso destacar – esse documento não constitui apenas um marco importante no caminho do diálogo realizado até agora, mas em perspectiva desempenha um papel estratégico na definição do caminho da reconciliação criativa entre as duas Igrejas irmãs do Oriente e do Ocidente.
No documento, de fato, se por um lado são condensados os promissores resultados alcançados nos documentos anteriores, por outro lado se traçam as linhas de desenvolvimento de uma eclesiologia em que podem encontrar uma explicitação pertinente as compatíveis e complementares instâncias feitas valer pela Igreja Ortodoxa e pela Igreja Católica.
O princípio da "interdependência" entre primado e sinodalidade nos vários níveis de realização da Igreja (local, regional, universal), que estrutura o documento e que se deve em grande parte à intuição teológica e à perícia dialógica de Zizioulas, permite ler as diferentes e até contrastantes fases de desenvolvimento da eclesiologia no Oriente e no Ocidente (assim como para o primeiro milênio fez o Documento Chieti de 2013 e como – esperamos – poderá fazer o previsto documento sobre o segundo milênio), mas também se abrir a um novo e mais maduro equilíbrio a ser expresso, na fidelidade à grande tradição e com abertura aos impulsos do Espírito Santo, neste nosso terceiro milênio.
Não é por acaso que, do lado católico, as coisas caminham decisivamente nessa direção, depois do claro desejo formulado por João Paulo II na Ut unim sint (1995).
A Constituição Apostólica do Papa Francisco sobre o Sínodo dos Bispos, Episcopalis communio (2018), e a convocação do "processo sinodal" (2021-2024) são um bom presságio.
Afinal, basta reler o documento da Comissão Teológica Internacional sobre A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (2018) para perceber os frutos do intercâmbio entre a teologia ortodoxa e a teologia católica propiciados por um ministério teológico sincero, iluminado e perseverante como o de Zizioulas, cujo legado, tenho certeza, com o passar do tempo assumirá todo o destaque que merece.
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O legado de Ioannis Zizioulas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU