Autocefalia da Igreja Ortodoxa Ucraniana: carta de Cirilo a Bartolomeu

Catedral de Santa Sofia, em Kiev, na Ucrânia | Foto: Pinterest

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

04 Janeiro 2019

“Ainda não é tarde demais para parar”: conclui-se assim a longa carta enviada na segunda-feira passada, 31 de dezembro de 2018, pelo patriarca de Moscou, Cirilo, ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu, arcebispo de Constantinopla, sobre a recente criação da nova “Igreja Ortodoxa Autocéfala da Ucrânia”.

A reportagem é de Giovanni Zavatta, publicada por L’Osservatore Romano, 03-01-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O Patriarcado de Moscou considera a criação de tal entidade totalmente ilegítima e nula, porque, reitera-se, “o atual processo, politizado, de unificação forçada está longe das normas e do espírito dos sagrados cânones”. Por isso, Cirilo expressa “dor, estupor e indignação com as ações anticanônicas” que levaram, no dia 15 de dezembro, na Catedral de Santa Sofia, em Kiev, à realização do “concílio de unificação” e à consequente eleição do metropolita de Perejaslav e Belaya Tserkov, Epifânio (Dumenko), precisamente como “primaz da nova Igreja Ortodoxa Autocéfala da Ucrânia”.

Cirilo lembra que quem presidiu o “concílio”, além do Metropolita Emanuel, representante de Constantinopla, foi um leigo, isto é, o presidente da República da Ucrânia, Petro Poroshenko, e principalmente as lideranças da “Igreja Ortodoxa Ucraniana – Patriarcado de Kiev”, Filarete (Denisenko), e da “Igreja Ortodoxa Ucraniana Autocéfala”, Macário (Maletych), considerados pelos ortodoxos russos como cismáticos, ao contrário do Metropolita Onófrio, primaz da “Igreja Ortodoxa Ucraniana – Patriarcado de Moscou”, a única “canônica” de acordo com o patriarcado liderado por Cirilo.

Entre outras coisas, apenas dois dos 90 bispos dessa Igreja participaram do encontro de unificação, circunstância que levou Cirilo a dizer, dirigindo-se a Bartolomeu: “Os seus conselheiros tinham lhes assegurado que o episcopado da Igreja Ortodoxa Ucraniana (canônica) estava pronto para apoiar o projeto político das autoridades de Kiev, que um número considerável de bispos canônicos só esperavam a sua bênção para se separar da Igreja deles. Eu repetidamente lhe adverti” – escreve Cirilo, dirigindo-se diretamente a Bartolomeu – “que estava enganado. Nas suas decisões, o senhor se refere à vontade do povo ortodoxo ucraniano”, mas “foi a vontade da esmagadora maioria do clero e dos leigos, o verdadeiro povo eclesiástico da Ucrânia, que levou o episcopado da Igreja Ortodoxa Ucraniana (canônica) a não responder aos seus convites e a se recusar a participar do ‘concílio de unificação’ do cisma ucraniano”.

O patriarca de Moscou – em vista do dia 6 de janeiro, solenidade da Teofania, dia em que, no Fanar, Bartolomeu entregará “o tómos de constituição da nova Igreja autocéfala irmã” –, portanto, faz agora uma tentativa extrema, pedindo que o arcebispo de Constantinopla retroceda em relação às suas próprias decisões, para “salvaguardar a unidade da ortodoxia”.

Esse processo começou oficialmente no dia 11 de outubro, quando uma nota, divulgada no fim do Sínodo do Patriarcado Ecumênico, anunciou a vontade de Bartolomeu de prosseguir com a concessão da autocefalia da Igreja da Ucrânia, de restaurar o stauropegion do Patriarca Ecumênico em Kiev e de reintegrar canonicamente ao seu grau hierárquico ou sacerdotal Filarete Denisenko e Macário Maletych e os fiéis das suas Igrejas. Em resposta, alguns dias depois, Moscou rompeu a comunhão eucarística com Constantinopla.

Com o comunicado de 11 de outubro, Bartolomeu “revogou o vínculo jurídico” da carta sinodal de 1686, com a qual Constantinopla, “para as circunstâncias da época”, concedia ao patriarca de Moscou o direito de ordenar o metropolita de Kiev, eleito pela assembleia clérico-leiga da sua diocese, que, no entanto, “comemoraria o Patriarca Ecumênico em cada celebração da divina liturgia, proclamando e afirmando a sua dependência canônica da Igreja-mãe de Constantinopla”.

Na carta de 31 de dezembro, Cirilo faz referência explícita a esse documento, reivindicando, em vez disso, a sua validade. A partir desse texto, o Patriarcado de Moscou remonta a sua “jurisdição” sobre a metropolia de Kiev: “Vocês estão tentando reinterpretar o significado do complexo dos documentos assinados em 1686 pelo seu antecessor, o Patriarca Dionísio IV e pelo Sagrado Sínodo da Igreja de Constantinopla. A matéria de tais documentos históricos não causou desentendimentos entre as nossas duas Igrejas por centenas de anos. E agora vocês dizem para ‘revogar’ a carta patriarcal e sinodal, porque ‘as circunstâncias externas mudaram’”.

O apelo de Cirilo a Bartolomeu, no entanto, parece ser superado pelos fatos. Precisamente no dia 2 de janeiro, uma nota da Sagrada Arquidiocese Ortodoxa da Itália e Malta (que está sob a jurisdição canônica do Patriarcado Ecumênico) explicita que “o metropolita de Kiev e de toda a Ucrânia, Epifânio”, chegará em Istambul na manhã de sábado, 5 de janeiro, para visitar o Patriarca Bartolomeu. Naquele dia, Epifânio presenciará a doxologia (Te Deum) na igreja patriarcal e, em seguida, será oficialmente recebido na Sala do Trono, onde ocorrerá a “sagrada função de proclamação, com a assinatura do tómos, da autocefalia da santíssima Igreja da Ucrânia”. Também estará presente o presidente ucraniano, Poroshenko.

No domingo, 6 de janeiro, para a solene festa da Santa Teofania, o Metropolita Epifânio concelebrará com o Patriarca Bartolomeu, que, após a leitura do Evangelho, lhe entregará oficialmente o pergaminho de concessão da autocefalia.

Leia mais