31 Janeiro 2023
“A Santa Sé vê o perigo de um enfraquecimento do ofício episcopal. Eu vejo a consulta sinodal como um fortalecimento positivo desse ofício” – esta é a expressão mais contundente que na segunda-feira, 23 de janeiro, o bispo do Limburgo, Georg Bätzing, presidente da Conferência Episcopal Alemã, utiliza na sua resposta à carta de três cardeais de Roma em que é expressamente dito que “nem o Caminho Sinodal, nem qualquer órgão por ele estabelecido, nem qualquer Conferência Episcopal tem competência para estabelecer o ‘Conselho Sinodal’ a nível nacional, diocesano ou paroquial”.
A reportagem é de 24-01-2023.
Irme Stetter-Karp, presidente do Comité Central dos Católicos Alemães (ZdK) e, por essa função, co-presidente do Caminho Sinodal Alemão, reagiu ao texto assinado pelos cardeais Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, Luis Ladaria, prefeito da Doutrina da Fé, e Marc Ouellet, prefeito da Congregação dos Bispos. Em entrevista de 24 de janeiro ao katholich.de (o portal de notícias da Igreja Católica na Alemanha), afirmou: “Recebemos novamente um sinal de pouco apreço pelo empenho dos leigos.” Mas, quando questionada sobre se este era o fim do Conselho Sinodal, respondeu: “Não, não vejo que assim seja. (…) O que está claro é que a Igreja Católica na Alemanha precisa de um futuro para se reposicionar após o escândalo dos abusos. É por isso que precisamos de reformas estruturais e também precisamos de formas de separação de poderes. Estou convencida de que as pessoas precisam de uma Igreja na qual seja possível mais participação e maior diversidade”. Stetter-Karp não referiu a questão da “separação de poderes” por acaso. Ela é central em todo este processo.
Mas no âmbito do longo e controverso ‘diálogo’ que há mais de dois anos a Igreja Católica na Alemanha vem travando com o Vaticano, a questão da instituição de um Conselho Sinodal (CS) pode parecer bizantina, perante todas as outras questões de doutrina, disciplina e pastorais (denúncia do clericalismo, celibato dos padres, ordenação de mulheres, novos ministérios, revisão da doutrina católica sobre a homossexualidade, participação da comunidade na escolha do bispo, pastoral dos divorciados recasados, etc…) sobre as quais o Caminho Sinodal alemão tem tomado posição para grande desconforto dos sectores marcados por uma visão da Igreja pré-Vaticano II. Mas não é. A questão não é nada bizantina, pois diz diretamente respeito ao poder e autoridade individual de cada bispo diocesano e, em última análise, tem a ver com quem (que órgãos) pode(m) ser tido(s) pelos alemães, e não apenas pelos católicos alemães, como sendo o(s) porta-voz(es) da Igreja Católica no seu país.
Como é tradição da Igreja Católica, nas questões que realmente importam, o debate radica nas subtilezas e nas interpretações, mais do que naquilo que é dito e escrito. Tanto assim é que, enquanto a carta dos três cardeais merecia em jornais católicos conhecedores dos meandros do Vaticano títulos do tipo “Terramoto na Alemanha: Vaticano ‘proíbe’ o Conselho Sinodal” [Vida Nueva, 24 de janeiro], o bispo Bätzing escreve na já mencionada resposta: “Para nós, na Alemanha, o documento de Roma [a carta] significa que devemos pensar muito mais intensamente sobre as formas e possibilidades de consulta sinodal e de tomada de decisões para desenvolver uma cultura de sinodalidade. Considero-o útil e exequível no conjunto de tarefas do Comité Sinodal, respeitando os limites e as possibilidades oferecidas pelo direito canónico. A comissão sinodal não é questionada pela carta romana.”
Porém, aquele texto “útil e exequível” dos três cardeais refere explicitamente que “O ‘Conselho Sinodal’ formaria então uma nova estrutura de governo da Igreja na Alemanha que parece colocar-se acima da autoridade da Conferência Episcopal Alemã e, de facto, substituí-la”. E para serem mais contundentes, os cardeais assinalam que o Papa aprovou a sua carta ‘in forma specifica’, isto é, tal qual está escrita.
Em que ficamos? Para procurar entender o dissenso é preciso recuar ao momento (setembro de 2022) em que a quarta e penúltima assembleia do Caminho Sinodal alemão votou o documento “Fortalecer de forma sustentável a sinodalidade”.
Naquela atribulada assembleia, foi votado um texto de três páginas instituindo um Conselho Sinodal (CS) da Igreja Católica na Alemanha, que deverá ver a luz do dia “o mais tardar até 2026” e cuja instalação foi entregue a um Comité Sinodal de 27 bispos, 27 leigos eleitos pelo ZdK e 20 membros a eleger na última assembleia do Caminho Sinodal que terá lugar no próximo mês de março.
O confronto presente não tem só a ver com a estrutura desse Comité, mas sim com as atribuições desde logo definidas para o futuro CS: garantir que “as boas experiências do Caminho Sinodal não se perdem” e, pelo contrário, “se tornam uma prática permanente”, assegurando “a convivência entre bispos e crentes em nível supradiocesano”. Nesta perspetiva, e na linha do documento “Poder e Separação de Poderes” adotado em assembleia anterior, o futuro CS é um “órgão consultivo e decisório sobre os desenvolvimentos essenciais na Igreja e na sociedade e, com base nisso, toma decisões fundamentais de importância supradiocesana sobre planeamento pastoral, questões futuras da Igreja e questões financeiras e orçamentais da Igreja que não são decididas ao nível diocesano”. A sua composição “deve ser semelhante às da assembleia sinodal” (que é composta por mais leigos do que clérigos e em que os bispos têm apenas um terço dos lugares) e “as resoluções do Conselho Sinodal têm o mesmo efeito jurídico que as resoluções da Assembleia Geral Sinodal”.
Vários bispos interpretaram estas funções como sobrepondo-se ao seu poder e autoridade e questionaram Roma sobre se tinham “de participar no ‘Comité Sinodal’ porque a Assembleia Sinodal assim o decidiu?”. A resposta do Vaticano chegou no dia 20 de janeiro: “A Santa Sé [já] declarou explicitamente que o Caminho Sinodal ‘não é competente para obrigar os bispos e os fiéis a adotar novas formas de governo e novas orientações de doutrina e moral’, o que seria ‘uma violação da comunhão eclesial e uma ameaça à unidade da Igreja’.”
Responde Bätzing, acompanhado por uma larga maioria do Conselho Permanente do Episcopado Alemão: não há razões para alarme, porquanto, “o texto da resolução [que cria o CS] refere o direito canónico aplicável e afirma que as resoluções deste órgão têm o mesmo efeito jurídico que as resoluções da Assembleia Geral Sinodal [que não são vinculativas para os bispos que com elas não concordarem]” o que “deixa claro que a preocupação expressa na carta de que um novo corpo poderia estar acima da conferência dos bispos ou minar a autoridade dos bispos individuais é infundada”.
É verdade: a argumentação é imbatível; mas como escreve o comentador Felix Neumann no portal de notícias da Igreja Católica na Alemanha nesta terça, 24, “então para quê tanto esforço para criar um órgão de decisão [o CS] parcialmente legitimado democraticamente, quando, afinal, ele deverá ser apenas consultivo – ou seja, ineficaz?” Neuman desvela o verdadeiro pomo da discórdia, referindo que a questão não se coloca a nível factual ou jurídico, mas sim ao nível do “poder normativo fático: a aparente ineficácia do Conselho Sinodal promete ou, dependendo da perspetiva, ameaça tornar-se obrigatória”, porque “um bispo pode ter a liberdade de rejeitar o conselho emitido por tal Conselho”, mas “no entanto, essa liberdade é muito mais difícil de exercer contra a pressão moral do CS do que sem ela” e conclui: “Ao nível da Conferência Episcopal, olhando as votações havidas durante o Caminho Sinodal, as maiorias tornam ainda mais provável que a confirmação das resoluções do CS seja apenas uma questão formal.”
Para o Vaticano, o que parece, ainda que se diga que não, é. E, portanto, ao contrário dos bispos alemães, não pretende sequer debater o bem-fundado de um futuro Conselho Sinodal Alemão, afirma tão-só que nem o Caminho Sinodal Alemão, nem os bispos alemães têm poder para instituir tal estrutura. Foi esta a frase que Georg Bätzing, bispo de Limburgo, presidente da Conferência Episcopal Alemã e, por inerência, copresidente do Caminho Sinodal Alemão, não quis ler: “Nem o Caminho Sinodal, nem qualquer órgão por ele estabelecido, nem qualquer Conferência Episcopal tem competência para estabelecer o ‘Conselho Sinodal’ a nível nacional, diocesano ou paroquial”. Ou seja, preto no branco, Roma não perde muito tempo a discorrer sobre as funções de tal órgão. Afirma, simplesmente, que ele não deve existir.
Mas, como recorda Felix Neumann no artigo citado, “a última vez que houve tanta vontade de enfrentar Roma foi há quase 25 anos na disputa sobre os centros de aconselhamento católicos para grávidas em dificuldade” que emitiam ‘certificados de aconselhamento’, documentos que permitiam que estas pudessem, em certas circunstâncias, realizar abortos no âmbito do sistema nacional de saúde alemão. “Naquela época”, continua Neumann, “Roma estava por cima: todos os bispos, exceto Franz Kamphaus, de Limburgo, obedeceram ao Papa e, finalmente, Limburgo também teve” de ceder. Mas “até agora não há sinais de que os bispos se estejam a afastar do seu compromisso com o Caminho Sinodal”, mostrando mesmo que “o vento contrário de Roma parece tê-los fortalecido ainda mais”.
Até quando?
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Vaticano mostra novo cartão amarelo aos bispos alemães - Instituto Humanitas Unisinos - IHU