18 Janeiro 2023
Afirmando que a comunidade cristã é regida por dois princípios - o petrino e o mariano - o papa reitera o "não" à mulher nos ministérios "altos". Os cardeais Ladaria e Ouellet lhe dão apoio, tentando assim colocar o Synodaler Weg alemão em um canto e condicionar o Sínodo dos Bispos a ser realizado no próximo mês de outubro.
O comentário é de Luigi Sandri, jornalista italiano, publicado por Confronti, janeiro de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O ano que se inicia terá uma importância muito particular para a Igreja Católica Romana, porque em outubro será realizada no Vaticano a primeira sessão (a outra será em 2024) do Sínodo dos Bispos - dedicado justamente à natureza daquele órgão institucional – que não poderia deixar de fora um tema decisivo: a mulher nos ministérios. Claro, com manobras hábeis, será possível retirar esse tem da ordem do dia, aduzindo a motivação - bem fundamentada – que causaria divisão (até mesmo um risco de cisma?) na comunidade eclesial.
Eventualidade a ser levada em conta, desde que não se esqueça de outra: o afastamento efetivo, ainda que silencioso ou às vezes polêmico, de milhares de pessoas já cansadas de esperar em vão por reformas decisivas, bem fundamentadas nas Escrituras.
Em entrevista à revista América, importante publicação dos jesuítas estadunidenses, em 28 de novembro, Francisco – a respeito das mulheres na Igreja - disse que esse problema pode ser resolvido à luz de duas perspectivas básicas: o princípio petrino e o princípio mariano: “A Igreja é esposa. Não desenvolvemos uma teologia da mulher que reflita isso. O caminho não é apenas o do ministério [ordenado], a Igreja petrina. O princípio petrino é o do ministério. Mas há outro princípio, ainda mais importante, do qual não falamos, e é o princípio mariano, o princípio da feminilidade na Igreja, da mulher na Igreja, onde a Igreja vê um espelho de si mesma porque é mulher e esposa.
Uma Igreja com apenas o princípio petrino seria uma Igreja reduzida ao princípio ministerial”.
E, por fim, há também uma terceira “via”, aquela “administrativa”, agora implementada – observou – com muitas mulheres que ocupam cargos de chefia no Vaticano.
Foi especialmente o teólogo suíço Hans Urs von Balthasar (falecido em 1988 na véspera de ser nomeado cardeal por João Paulo II) que insistiu nos dois princípios citados.
E, talvez, neles tenha se inspirado o papa quando, na carta apostólica Ordinatio sacerdotalis, em 22 de maio de 1994, retomando essencialmente o que, por vontade de Paulo VI, a Congregação para a Doutrina da Fé havia declarado em 1976 – “Cristo chamou apenas homens para serem seus apóstolos” – sentenciou: “Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cfr Lc 22,32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja.".
A locução como definitiva era uma referência implícita ao dogma da infalibilidade papal definido em 1870 pelo Concílio Vaticano I. Mas – como muitas e muitos expoentes do mundo teológico católico comentaram depois – a de Wojtyla foi e é uma pretensão, autoritária e inadmissível: de fato, ele deliberou sem ter consultado formalmente o episcopado católico e pelo menos uma representação das mulheres (Superioras Gerais de congregações religiosas, líderes de associações leigas e professoras em várias universidades do mundo).
Francisco foge desse embaraçoso background e não explica de forma alguma como, concretamente, o princípio mariano poderia pesar nas decisões eclesiais: hoje, aliás, não há nenhuma estrutura onde os representantes do princípio petrino se confrontem com o outro.
As palavras do pontífice suscitaram amplos e variados comentários; não podendo – aqui – nos aprofundar nas citações, relatamos a voz de Virgínia Saldanha, uma católica da Índia, uma das teólogas mais conhecidas da Ásia: “Como mulher, não sei se rir ou chorar pelas reflexões de Francisco sobre a posição da mulher na Igreja. Como uma instituição, comandada apenas por homens, pode ser ‘mulher’? Como tal instituição pode ser a ‘esposa’ de Cristo?”. E, recordando “os abusos sexuais de padres homens, representantes de Cristo, contra mulheres”, continuou: “A insistência de Francisco nos princípios petrino e mariano mostra que ele, como líder da Igreja, não leu os escritos das teólogas feministas dos últimos cinquenta anos. As feministas especialistas em Escrituras apontaram que Jesus não ordenou nenhum padre. Na Última Ceia, Ele disse tanto aos homens quanto às mulheres presentes ‘Fazei isso em minha memória’. Ele escolheu uma mulher [Maria Madalena] para trazer as boas novas de sua ressurreição ao mundo. Mas Jesus realmente não quer mulheres líderes em sua Igreja?”.
Muitas mulheres, particularmente na Alemanha, e também em seu Synodaler Weg (o Caminho Sinodal) pensam como a teóloga indiana; mas citamos ela e não aquelas para demonstrar como a rejeição do "não" dos papas às mulheres nos ministérios "altos" é uma opinião que atravessou o Ocidente e também está presente em outros lugares. Haverá, aqui e ali, quem esteja de acordo com o magistério papal; muito bem, que seja dada a palavra no Sínodo; mas terão uma igual possibilidade aqueles que pensam como Virgínia da Índia? Ou haverá um dramático (teologicamente) confronto entre episcopados sobre o não dos pontífices?
Em novembro [Confronti 12/22], a Conferência Episcopal Alemã (Dbk) esteve no Vaticano; a "questão feminina" esteve no centro do embate entre Mons. Georg Batzing, presidente da DBK, e os cardeais prefeitos de dois importantes dicastérios: Luis Ladaria (doutrina da fé) e Marc Ouellet (dos bispos). Seus textos foram publicados quando nós já havíamos fechado o número de dezembro; portanto, um discurso é necessário agora para a complementação.
Ladaria, diante dos bispos reunidos em Roma, escolheu como alvo um texto do Synodaler Weg, que afirma: a Igreja Católica “não respeita a dignidade fundamental da mulher, porque elas não podem ter acesso à ordenação sacerdotal". Não é verdade, respondeu o cardeal: “Na verdade, a posição do magistério é mais específica. O ponto decisivo a esse respeito não é que na Igreja Católica as mulheres não possam ter acesso à ordenação sacerdotal; o ponto é que se deve acolher a verdade segundo a qual, como diz a Ordinatio sacerdotalis, ‘a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres’".
E Ouellet: “É surpreendente a atitude assumida [no Synodaler Weg] em relação à decisão de São João Paulo II sobre a impossibilidade de a Igreja Católica proceder à ordenação sacerdotal de mulheres. Revela um problema de fé no Magistério e um certo racionalismo”. O cardeal tinha ousado a pedir uma "moratória" para efetivamente enterrar a iniciativa alemã: proposta, porém, categoricamente rejeitada pela DBK.
Batzing havia frisado aos dois cardeais: “Na minha opinião pessoal, a demanda sobre o papel da mulher na Igreja é decisiva para o futuro”.
E, em todo caso, cabe às mulheres, não aos “padres”, decidir “se” e “quais” ministérios eclesiais acolher, recusar. Aqui está o grande nó do próximo Sínodo; as previsões, depois das afirmações que documentamos são preocupantes; mas, quem sabe! Poderá acontecer uma boa surpresa, pelo menos em temas não dogmáticos, como a abolição do celibato obrigatório sacerdotal do clero latino; ou a aceleração da nomeação, preanunciada por Francisco, de prefeitas nos dicastérios da Cúria.
No entanto, isso será suficiente para resolver o problema-mulheres na Igreja? Tudo nos leva a crer que, além do Sínodo, seria necessário um Concílio de “padres” e “madres” para tratar de temas doutrinários que não podem irresolvíveis segundo o magistério vigente. Uma árdua tarefa que pesará sobre vários pontificados. A escolha é entre reiterar uma normativa indefensável na base e ousar, inclusive indo além do Vaticano II, uma audaz reforma evangélica da Igreja Romana. Pro mundi vita, para ajudar na salvação do mundo.
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A mulher nos ministérios mais importantes continua sendo um problema que gera divisão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU