04 Janeiro 2023
“O Papa Bento, o Professor Ratzinger, foi um verdadeiro mestre para mim...”.
O cardeal teólogo Christoph Schönborn, 77 anos, arcebispo de Viena, fala devagar e mede cuidadosamente as palavras, está cansado e entristecido. Ele é o aluno mais famoso de Joseph Ratzinger, mesmo que ele se considere humildemente "um dos alunos". Dominicano como Tomás de Aquino, estudou teologia e psicologia em Viena, Paris e Regensburg, é o pensador mais influente do colégio cardinalício, estimado tanto por Bento quanto por Francisco, que lhe confiou o encargo muito delicado de apresentar sua exortação conclusiva do Sínodo sobre a família e que diante das perguntas teologicamente mais delicadas respondeu aos repórteres: "Perguntem a Schönborn". E agora que seu antigo professor está morto, o primeiro pensamento do cardeal de Viena vai para o que resta, de Joseph Ratzinger: “Antes de tudo, sua obra”.
A entrevista com Christoph Schönborn é de Gian Guido Vecchi, publicada por Corriere della Sera, 03-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eminência, o que restará do pensamento de Ratzinger-Bento XVI?
Coloco-o ao lado dos grandes, como Doutor da Igreja, Pai da Igreja. Na minha biblioteca coloquei as obras do Papa Bento ao lado das obras de Santo Agostinho.
O autor das Confissões e A cidade de Deus, talvez o maior dos pensadores cristãos...
Sim, comparo-o a Santo Agostinho, seu mestre, ouso colocá-los lado a lado. Seu ensinamento, obras, ministério episcopal e petrino. Depois de séculos, tivemos um Papa teólogo, um mestre de teologia. Tive a honra de ser seu aluno, junto com muitos outros, e ele não foi apenas um professor altamente capaz, com o dom da clareza, mas um verdadeiro mestre, tanto nos textos escritos quanto na palavra viva.
Aprendi muito com ele e penso que é precisamente a sua capacidade de ensinar, de transmitir a fé e de refletir sobre a fé que já o tornam quase um pai da Igreja. Ele permanecerá entre os grandes que lembraremos nos séculos vindouros, recordaremos Joseph Ratzinger no século XX como nos lembramos de John Henry Newman no século XIX ou Tomás de Aquino e Boaventura da Bagnoregio no século XIII.
Ele foi um pensador "não atual", a profundidade de sua obra será melhor compreendida com o tempo?
Sim, o legado de Ratzinger certamente ainda não se esgotou, daqui há algumas décadas a riqueza de sua obra teológica será cada vez mais compreendida. Entre tantas temáticas, penso antes de tudo na sua obra sobre Jesus de Nazaré: na história, é o primeiro Papa a escrever um livro teologicamente científico e aprofundado sobre o próprio Jesus, e é importante que o tenha feito em diálogo com o pensamento judaico, a começar por Jacob Neusner.
Outro ponto é o ensinamento político de Ratzinger: o grande tema da liberdade de consciência em seu discurso ao Parlamento de Londres, a referência ao que chamamos de lei natural em seu discurso em Berlim, o diálogo com o filósofo Jürgen Habermas sobre os fundamentos éticos da política. E, finalmente, sua reflexão sobre a presença dos cristãos na sociedade secular, o papel das "minorias criativas": Ratzinger não reclama dos males de seu tempo, mas vê a oportunidade da minoria criativa, também aqui em um diálogo com o judaísmo, sobretudo com Jonathan Sacks. Judaísmo e cristianismo em diálogo como minorias criativas... Todas contribuições que ficarão para as próximas gerações.
O que o distinguiu como teólogo?
Fui aluno dele, seu ensinamento me enriqueceu muito, e não sou o único a dizer isso. Foi um mestre para toda a Igreja e também fora dela, por meio de seu pensamento teológico cheio de sabedoria, clareza e luz. Mas além do professor, do mestre, ouso dizer que ele foi uma figura paterna para mim. Porque o verdadeiro mestre não é só o professor, é aquele que te guia e te acompanha, aquele que abre horizontes. Os anos de colaboração com o Cardeal Ratzinger, e anteriormente com o Professor Ratzinger e, finalmente, com o Papa Bento XVI, representaram para mim um autêntico dom de paternidade espiritual. E além disso, ao longo dos anos, cresceu uma verdadeira amizade.
O que pensou quando o Papa decidiu renunciar?
O dia 11 de fevereiro de 2013 foi certamente uma reviravolta, uma surpresa inesperada, um choque que ficará na memória da Igreja. Mas acolhi sua renúncia com respeito porque acreditei no que ele disse: ele não se sentia mais capaz de servir como bispo de Roma e sucessor de Pedro. E esse ato que tanto surpreendeu o mundo, na minha opinião, teve um efeito importante sobre a figura do Papa.
Em que sentido?
A escolha de viver retirado, como homem de Deus e de oração, de certa forma humanizou o ministério petrino. Porque Bento XVI disse humildemente: bem, não consigo mais. E o simples fato de o papa tenha podido dizer: não tenho mais forças, os desafios que temos pela frente são demasiado grandes, é preciso que alguém mais jovem assuma o leme, é um ato de coragem que abre uma porta para o futuro do papado.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O primeiro papa teólogo depois de séculos. Ficará ao lado de Santo Agostinho”. Entrevista com Christoph Schönborn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU