12 Novembro 2022
A assembleia da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA – USCCB deste ano provavelmente não atrairá a mesma atenção que em 2021, quando os prelados deveriam debater se deveriam negar a comunhão a políticos pró-escolha.
Ao resolver suas diferenças a portas fechadas no ano passado, essa discussão nunca se materializou exatamente e a agenda desta vez carece de substância substantiva para manchetes atraentes. Mas a reunião dos prelados de 14 a 17 de novembro em Baltimore ainda terá marcos notáveis e pontos cruciais para a Igreja Católica nos Estados Unidos.
A reportagem é de Brian Fraga, publicada por National Catholic Reporter, 11-11-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
“Acho que uma maneira de avaliar a próxima assembleia dos bispos é se eles mostram as divisões de dois anos atrás ou a busca por um terreno comum de um ano atrás. Isso será um teste real para eles como pastores e líderes”, diz John Carr, ex-funcionário da Conferência Episcopal que fundou e coordena a Iniciativa sobre Pensamento Social Católico e Vida Pública na Universidade de Georgetown.
Os bispos elegerão um novo presidente e vice-presidente da conferência. Dom José Gomez, de Los Angeles, e dom Allen Vigneron, de Detroit, estão terminando seus mandatos como presidente e vice-presidente, respectivamente, após um turbulento mandato de três anos em que profundas e amargas divisões entre os bispos eclodiram em meio à eleição de novembro de 2020 que elegeu Joe Biden, democrata católico que apoia o direito ao aborto.
“Eu nunca pensei em Gomez como alguém que queria ser confrontador, mas a política da conferência episcopal o empurrou nessa direção”, afirma o jesuíta Thomas Reese, jornalista que cobre o episcopado há décadas.
Como presidente da conferência, Gomez fez uma forte declaração de felicitações após a eleição de Biden em novembro de 2020, onde o arcebispo criticou o presidente eleito por sua posição sobre o direito ao aborto e anunciou que estava nomeando um grupo de trabalho especial para examinar a “situação difícil e complexa”.
Em 2021, Gomez irritou os católicos negros nos Estados Unidos quando fez um discurso a um grupo católico na Espanha, onde ofendeu os movimentos modernos de justiça social como o Black Lives Matter como “pseudorreligiões” anticristãs e de inspiração marxista.
Gomez deve fazer seu discurso final como presidente da USCCB durante a primeira de duas sessões gerais públicas em 15 de novembro.
Nichole Flores, professora de estudos religiosos da Universidade da Virgínia que estuda a relação entre catolicismo e democracia, disse ao NCR que Gomez ajudou a liderar a Igreja dos EUA na direção de “encerrar as conversas antes mesmo de começarem”.
“Fiquei muito preocupada com a forma como ele não apareceu para a tarefa de responder à divisão dentro da Igreja, especialmente no que diz respeito à sua participação na política secular”, afirma Flores, que acrescenta que via Gomez como “um líder muito promissor” na Arquidiocese de Denver, onde Gomez foi bispo-auxiliar antes de ser nomeado para Los Angeles.
“A resposta à eleição do segundo presidente católico na história dos Estados Unidos realmente merecia mais destaques do que uma campanha para lhe negar a comunhão”, disse Flores. “Acho que há uma oportunidade perdida para uma conversa real sobre não apenas o que significa ser católico na vida pública, mas o que significa ser pró-vida”.
Stephen Schneck, da Comissão de Liberdade Religiosa Internacional dos EUA, falou ao NCR que admira pessoalmente Gomez e tinha grandes esperanças quando o bispo mexicano foi eleito presidente da conferência em novembro de 2019.
“Mas, na verdade, acho que ele lutou como presidente e provavelmente seria o primeiro a dizer isso”, disse Schneck. “Ele realmente parecia ter dificuldade em impedir que as divisões entre os bispos irrompessem em público”.
O encontro dos bispos também será sua primeira reunião pública coletiva desde que a Suprema Corte dos EUA em 24 de junho derrubou a sentença do caso Roe vs. Wade, a decisão histórica sobre o aborto que os bispos trabalharam quase cinco décadas para derrubar. Espera-se que eles discutam propostas para apoiar mulheres e famílias.
“Acho que vamos ter uma imagem melhor de qual é a posição dos bispos sobre questões de aborto pós-Dobbs”, declarou Reese, referindo-se à nova jurisprudência sobre o aborto a partir da sentença do caso Dobbs vs. Organização de Saúde da Mulher da cidade de Jackson.
Cathleen Kaveny, professora de teologia e direito do Boston College, afirma ao NCR que os bispos precisam mudar a maneira como discutiram o aborto e reafirmar sua independência dos partidos políticos.
“Acho que o que eles precisam pensar não é simplesmente ‘como continuaremos a proibir mais abortos?’, mas realmente, ‘como podemos reformular isso?’”, opina Kaveny. “E eles precisam querer isso de fato, não apenas dizer”.
Além de discutir os EUA pós-Roe, os bispos revisarão o documento quadrienal “Forming Consciences for Faithful Citizenship” (“Formando Consciências para uma Cidadania Fiel”, em tradução livre) elaborado pela conferência para eleitores católicos, o qual alguns analistas dizem que precisa ser reformulado para refletir as novas ameaças enfrentadas pela democracia estadunidense.
“Acho que é indiscutível que o desafio agora é a continuação de nossa república democrática”, diz Kaveny, acrescentando que “definitivamente é hora de reescrever ‘Faithful Citizenship’”, que foi atualizado substancialmente pela última vez em 2007.
Schneck também diz que o documento “precisa de uma verdadeira reescrita para ser atualizado” para incluir os insights que o Papa Bento XVI escreveu em sua encíclica Caritas in veritate (2009) e que o Papa Francisco enfatizou em suas encíclicas Laudato Si': sobre o cuidado da Casa Comum (2015) e Fratelli tutti (2020).
No entanto, Russell Shaw, escritor católico que anteriormente atuou como secretário de assuntos públicos da conferência dos bispos, disse ao NCR que duvida que alguma mudança significativa seja feita na “Faithful Citizenship”.
“Suponho que o que os bispos querem fazer nesta reunião seja concordar com uma maneira de proceder que evite o incômodo público embaraçoso que ocorreu com a redação da versão anterior e evite o tipo de polêmica que se concentrou na declaração [dos bispos] no momento da posse de Biden”, disse Shaw.
Os bispos na reunião também ouvirão atualizações sobre o projeto de renascimento eucarístico de 28 milhões de dólares da conferência, que inicialmente surgiu de um esforço fracassado de censurar Biden e outros políticos católicos pró-escolha. Eles também devem ter uma discussão sobre o Sínodo dos Bispos de 2023-2024 sobre a sinodalidade, que o Papa Francisco estabeleceu como uma prioridade para a Igreja universal.
E duas décadas desde que o Boston Globe expôs o tamanho da crise de abuso sexual do clero na Arquidiocese de Boston, os bispos reconhecerão o 20º aniversário da Carta para a Proteção de Crianças e Jovens, documento comumente conhecido como Carta de Dallas, que estabeleceu novas normas e políticas nos Estados Unidos para investigar acusações de abuso sexual em ambientes da Igreja.
“Não seria particularmente útil se os bispos simplesmente dissessem que a Carta de Dallas funcionou bem e que pretendem permanecer eternamente vigilantes. Há duas grandes questões sobre a mesa agora sobre carta”, respondeu Shaw ao NCR, por e-mail.
“Uma, refletida na recente pesquisa nacional de padres, é a desconfiança dos padres sobre seus bispos que temem que seu superior simplesmente os atropele com base em uma alegação não comprovada e falsa. A outra é quão bem está funcionando a colegialidade episcopal”, afirma Shaw.
Em relação às eleições para o novo presidente e vice-presidente, bem como para a seleção de presidentes para seis dos comitês permanentes dos bispos, Shaw sugeriu que os resultados dependerão em grande parte “de quão ativistas” os candidatos escolherem ser.
“E como os candidatos não anunciam suas plataformas antes da eleição, não há uma maneira confiável de saber isso com antecedência”, disse Shaw.
Para presidente e vice-presidente, cargos com mandatos de três anos, os bispos escolherão entre uma lista de dez candidatos. O mais votado é eleito presidente; o vice-presidente é selecionado entre os candidatos restantes.
A lista de candidatos deste ano não inclui cardeais, o que sugere uma falta de interesse de sua parte em liderar a conferência, analisa Reese.
“Estou disposto a apostar que eles foram indicados, mas eles disseram ‘não, obrigado’, então a próxima pessoa da lista foi indicada”, disse Reese ao NCR.
Um prelado de barrete vermelho pode não liderar a conferência tão cedo, mas a lista deste ano inclui alguns nomes de alto perfil, alguns com personalidades fortes que podem levar a conferência em direções específicas se eleitos.
“O presidente da USCCB pode fazer muito nos bastidores para movimentar a organização de uma forma ou de outra, ou pode simplesmente relaxar e deixar a máquina da conferência operar sem se envolver demais”, disse Shaw.
Entre os candidatos mais conservadores estão dom Salvatore Cordileone, arcebispo de San Francisco, que se opôs abertamente aos direitos LGBTQIA+ e apoia a negação da comunhão a políticos a favor do direito ao aborto. Cordileone entrou em conflito com a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, democrata católica de San Francisco que Cordileone proibiu de receber a comunhão em sua arquidiocese.
Outro candidato visto como de direita é dom Timothy Broglio, arcebispo do Ordinariato Militar dos EUA. Como monsenhor, Broglio serviu como secretário particular do falecido cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano sob o Papa João Paulo II, que protegeu o então padre Marcial Maciel Degollado, o abusador sexual em série e fundador dos Legionários de Cristo.
Em 2018, Broglio apoiou um capelão da Força Aérea dos EUA que, em uma homilia, culpou padres gays “afeminados” pelo abuso sexual do clero. Em uma resposta por e-mail a uma mulher que reclamou da homilia do padre, Broglio disse que “não há dúvida de que a crise de abuso sexual por padres nos EUA está diretamente relacionada à homossexualidade”. Um relatório de 2011 do John Jay College of Criminal Justice sobre as causas e contextos do abuso sexual do clero não encontrou evidências estatísticas para apoiar essa afirmação, que é popular entre os católicos conservadores.
Com exceção de dom Paul Etienne, arcebispo de Seattle, que é visto como um bispo relativamente progressista nos moldes de Francisco, e talvez dom Gustavo García-Siller, bispo de San Antonio, a maioria dos candidatos restantes pode ser descrita como prelados moderados ou de centro-direita.
Os nomes mais notáveis incluem o dom William Lori, arcebispo de Baltimore, que atua como presidente do Comitê de Atividades Pró-Vida da USCCB; dom Kevin Rhoades, bispo de Wayne-South Bend, Indiana, que liderou o Comitê de Doutrina que redigiu o documento de compromisso da Comunhão em 2021; dom Paul Coakley, arcebispo de Oklahoma City, presidente do Comitê de Justiça Doméstica e Desenvolvimento Humano; e dom Daniel Flores, bispo de Brownsville, Texas, atual chefe do comitê de doutrina.
Entre esses candidatos, o nome de Flores desperta o maior interesse dos analistas externos que notam sua franqueza em questões como migração e controle de armas. Flores também foi o bispo estadunidense que orientou o recente processo de escuta sinodal nos Estados Unidos, que divulgou um relatório abrangente em agosto.
“Ele tem uma das melhores mentes desta geração de bispos”, diz Schneck.
Massimo Faggioli, teólogo e historiador da Villanova University, disse ao NCR que a candidatura de Flores e os votos que ele obtém podem determinar o quão popular, ou impopular, o sínodo é entre os bispos.
Católicos conservadores, incluindo alguns líderes da Igreja, reclamaram que o estilo aberto de diálogo do sínodo e o reconhecimento franco de divergências sobre questões como ordenação de mulheres e direitos LGBTQIA+ ameaçam minar os ensinamentos da Igreja.
“Eu leio a eleição das autoridades da USCCB através das lentes do processo sinodal”, diz Faggioli.
Observando a história recente de tensões entre o Vaticano e a conferência dos bispos, Kaveny, do Boston College, disse que espera a eleição de bispos menos ideológicos.
“Gostaria de ver uma lista mais moderada que esteja pelo menos disposta a trabalhar com [o Papa Francisco], especialmente em questões que são tão importantes para os jovens, como a economia, que é tão importante para todos neste momento, mas também o meio ambiente e violência armada”, disse Kaveny.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
EUA. A assembleia da Conferência dos Bispos dos EUA na próxima semana pode mostrar as fortes divisões do catolicismo no país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU