03 Dezembro 2021
“Para os católicos negros que suportaram o racismo nas paróquias, nas escolas católicas e de padres e bispos, está ficando claro que as declarações sobre a oposição ao racismo não são suficientes. Se a Igreja Católica nos EUA não quer perder uma parte importante e vibrante do catolicismo no país, caberia ao chefe da conferência episcopal se desculpar por seus comentários imprudentes, que ameaçam tornar a Igreja Católica apenas mais um movimento 'pseudo-político'”, escreve Anthea Butler, professora de estudos religiosos e estudos africanos na Universidade da Pensilvânia, em artigo publicado por MSNBC, 29-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Novembro é o mês da história católica negra, mas a ignorância dos fiéis sobre as questões históricas de raça, racismo e invisibilidade continuam distanciando as relações entre negros católicos com católicos estadunidenses e bispos. O discurso insensível e incendiário de 04 de novembro do arcebispo de Los Angeles José Gomez, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, ajuda a explica por quê.
Gomez conseguiu ofender os católicos negros, leigos e clérigos, com seus comentários imprudentes e inoportunos sobre os movimentos de justiça social serem “pseudo-religiões”. O discurso, proferido online para o Congresso de Católicos e Vida Pública em Madrid, se referiu obliquamente, mas evitou nomear explicitamente, ao movimento Black Lives Matter. Chamando os movimentos de justiça social de “uma narrativa rival de 'salvação'”, Gomez prosseguiu dizendo que os movimentos de justiça social são movimentos religiosos e políticos e “substituem e rivalizam com as crenças cristãs tradicionais”.
Claramente, o arcebispo não considerou a pesquisa do Pew Research Center de fevereiro, que mostrou que 77% dos católicos negros consideram a oposição ao racismo essencial para sua fé. Esse tipo de conversa sobre a cultura da supremacia branca do chefe da USCCB é, francamente, um desastre para a igreja americana – se ela quiser que os católicos negros permaneçam nos bancos da igreja.
A reação negativa ao discurso do arcebispo na comunidade católica negra dos EUA e na comunidade católica em geral foi rápida. Na quarta-feira, mais de 13 mil pessoas assinaram uma petição condenando os comentários do arcebispo, pedindo que ele se desculpasse e apoiasse os movimentos de justiça social como o Papa Francisco fez. A Conferência Nacional das Irmãs Negras, um grupo de freiras negras em ordens religiosas nos Estados Unidos, em um comunicado também pediu ao arcebispo para que ele se desculpasse, e reiterou o papel dos católicos no movimento pelos direitos civis: “Quando as vidas dos afro-americanos são sistematicamente desvalorizados neste país e na Igreja Católica, devemos nos manifestar. O BLM não é uma pseudo-religião; nem é um ‘substituto perigoso para a religião verdadeira’. É um movimento muito na linha da tradição do Ensino Social Católico”.
O racismo dentro da Igreja Católica dos EUA tem sido um problema por muito tempo. Em 2017, a USCCB formou um comitê ad-hoc contra o racismo na esteira do violento comício da supremacia branca em Charlottesville, Virgínia. Desde a década de 1980, a USCCB publica uma série de declarações sobre o racismo. A mais recente, “Open Wide Our Hearts”, foi uma carta pastoral emitida após os acontecimentos de Charlottesville. No entanto, a história do racismo tem atormentado a Igreja Católica no país. Essa história inclui os jesuítas de Georgetown vendendo seus escravos para salvar a instituição.
Para ser franco, os católicos negros estão cansados. A Igreja Católica nos EUA repetidamente afirmou estar ciente da ferida profunda da escravidão e do racismo na Igreja. No entanto, do topo da conferência dos bispos ao padre diocesano, parece que a necessidade de se identificar com o racismo e a supremacia branca continua a destruir qualquer progresso que a igreja tenha tentado fazer. Considere a suspensão de um padre de Indiana sobre as declarações que ele fez no verão de 2020 sobre os manifestantes Black Lives Matter serem “vermes e parasitas”, ou o padre de Michigan que comparou os manifestantes Black Lives Matter a terroristas.
Os comentários de Gomez agradam a esses padres. Isso é escandaloso.
A ironia é que Gomez chama o movimento Black Lives Matter e outros semelhantes de “religiões políticas”, mas a predileção da USCCB ao Partido Republicano e o desdém de alguns de seus membros pelo Papa Francisco são tão motivados politicamente quanto eles acreditam que o Black Lives Matters seja. E sua política tem consequências mais terríveis para suas igrejas.
As consequências incluem a alienação e saída dos católicos negros da Igreja. A pesquisa Pew “Faith Between Black Americans” estimou que 6% dos negros americanos são católicos, mas o Religion News Service, que relatou o estudo, apontou que “quase metade dos que tiveram educação católica não se identificam mais como católicos (46%, em comparação para 39% de todos os americanos criados como católicos). Cerca de 1 em cada 5 adultos negros que foram criados como católicos tornaram-se não filiados (19%) e um quarto tornou-se protestante (24%)”.
É por isso que a série do Congresso Nacional Negro Católico “Católicos Negros e a Lacuna Milenar” é importante. Com tantos católicos negros deixando a Igreja, o arcebispo pode querer repensar sua postura de guerreiro cultural para sustentar um rebanho já minguante.
Para os católicos negros que suportaram o racismo nas paróquias, nas escolas católicas e de padres e bispos, está ficando claro que as declarações sobre a oposição ao racismo não são suficientes. Se a Igreja Católica nos EUA não quer perder uma parte importante e vibrante do catolicismo no país, caberia ao chefe da conferência episcopal se desculpar por seus comentários imprudentes, que ameaçam tornar a Igreja Católica apenas mais um movimento “pseudo-político”.
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EUA. Católicos negros se organizam contra o arcebispo que reclamou que os “movimentos por justiça social são pseudo-religiões” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU