‘Tornamo-nos dependentes e criamos uma sociedade na qual não conseguimos olhar para o futuro além de um ano. Não é sustentável’. Entrevista com Greta Thunberg

Foto: Neal Wellons | Flickr CC

14 Outubro 2022

 

Se as centrais nucleares "já estão em operação, acho que seria um erro fechá-las e focar no carvão", mas com respeito ao futuro "depende do que vai acontecer". Quem fala é Greta Thunberg, entrevistada em Estocolmo sobre os grandes temas da crise energética em combinação com a crise climática por uma das estrelas do jornalismo da TV pública alemã, Sandra Maischberger, transmitida ontem à noite na Ard.

 

A entrevista com Greta Thunberg é de Sandra Maischberger, editada por Uski Audino, publicada por La Stampa, 13-10-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Greta Thunberg. (Foto: Stefan Muller | Flickr CC)

 

Eis a entrevista.

 

Neste momento a Europa fala de guerra. Está preocupada que a questão climática passe para o segundo plano, mesmo com as emissões disparando como resultado da guerra? Qual será o impacto do conflito?

 

Toda guerra é um desastre em vários níveis. Mas precisamos ser capazes de lidar com várias coisas ao mesmo tempo. Também para criar correlações entre elas. Foi nisso que falhamos no passado. Após a pandemia, muitos pensaram: agora a questão climática virá à tona. Mas não aconteceu. E isso mostra que não conseguimos focar em mais de uma coisa. Muitos agora parecem já ter esquecido a guerra e estão olhando para a crise energética.

 

Estamos em uma crise energética porque somos muito dependentes do gás e do petróleo russos. O governo alemão decidiu manter em funcionamento as usinas a carvão para reduzir os preços da energia. O que você pensa disso?

 

Isso é inevitável quando se é dependente de combustíveis fósseis de regimes autoritários. Mas há outros caminhos a seguir, com as energias renováveis, por exemplo. Se continuarmos a investir em energia fóssil, nossas sociedades terão que enfrentar temperaturas muito altas para se adaptarem no futuro ou com graves perdas de bens.

 

No momento, as pessoas olham para suas contas. O governo está tentando proteger seus cidadãos. Você entende a necessidade dessas medidas?

 

É claro. Em casos como esse, as pessoas cuidam de si mesmas e tentam sobreviver no dia a dia. Mas isso é apenas mais um sintoma da crise. Tornamo-nos dependentes e criamos uma sociedade na qual não conseguimos olhar para o futuro além de um ano. Não é sustentável.

 

Atualmente na Alemanha estamos discutindo se seria melhor manter em funcionamento por mais tempo as centrais nucleares no lugar daquelas a carvão. O que você acha?

 

Pessoalmente, acredito que uma má ideia recorrer ao carvão enquanto outras ainda estão de pé. Mas é claro que se trata de um debate muito acalorado.

 

Mas para o clima: as centrais nucleares seriam a melhor escolha, pelo menos por enquanto?

 

Depende! Se já estão em operação, acho que seria um erro desligá-las e focar no carvão.

 

E depois? Fechá-las ou não?

 

Depende do que acontecer.

 

Quando essa guerra acabar, será uma oportunidade para as pessoas entenderem que economizar energia é importante e que investir em energia renovável é muito mais do que apenas uma questão climática?

 

Certamente. A falta de energia renovável é considerável e nos faz sentir como somos vulneráveis e dependentes das energias fósseis e dos hidrocarbonetos russos. Eu sei que na Alemanha se fala de economia de energia. Mas aqui na Suécia é absolutamente proibido falar sobre isso. Porque as pessoas falam coisas como: "Ah, não, isso é comunismo!" É um absurdo. Não há um único político na Suécia que diga que deveríamos consumir menos energia. Embora os estudos mostrem que, com o consumo, o preço também diminuiria.

 

Eles acusaram a Alemanha de ser um dos grandes vilões do clima. Quando os Verdes chegaram ao poder no país, você achou que alguma coisa mudaria?

 

Honestamente, não realmente! (Risos)

 

Por quê?

 

Na Suécia, os Verdes fizeram parte do governo por muito tempo. E ainda somos um dos campeões mundiais de greenwashing. Claro, alguns partidos são menos ruins do que outros. E é claro que é bom que muitas pessoas apoiem esses partidos. Mas quanto mais nos iludirmos de que podemos resolver a emergência climática dentro do sistema existente sem tratá-la como uma verdadeira crise, mais tempo perderemos. Sem pressão externa, não haverá mudanças significativas.

 

Nos últimos quatro anos, você tentou aumentar a conscientização sobre as mudanças climáticas, mas as emissões continuam aumentando. Novamente este ano vimos secas e inundações extremas. Um terço do Paquistão foi inundado. Já lhe aconteceu de pensar que não faz mais sentido dar o alarme?

 

Não, absolutamente não. A crise climática obriga-nos a mudar o nosso comportamento. Precisamos de uma mudança cultural e isso não acontece da noite para o dia, nem em um ano ou em quatro anos. Infelizmente, não temos tempo para fazer tudo passo a passo. Mas temos que fazer isso! É muito fácil dizer que o movimento pelo clima fracassou. A verdade é que algo está acontecendo. Do nosso lado há cada vez mais gente, ciência, verdades e moralidade. Isso simplesmente não acontece rápido o suficiente.

 

Você falou com políticos de todo o mundo. Conheceu algum que tenha lhe dado a sensação: essa é uma pessoa que entende do que estou falando e está pronta para agir de acordo?

 

Os políticos podem dizer que entendem o problema, e às vezes pode ser verdade. Mas ainda não conheci um que realmente fale e aja com base numa necessidade. Percebo que, como indivíduo, é muito difícil mudar as coisas por dentro e é por isso que pode ser mais eficaz levantar-se de fora e dizer: "Assim não funciona, não quero fazer parte disso." Isso atrai mais atenção, cria um movimento de opinião e conscientização.

 

Você lançou o alarme, mas seu último livro também é sobre soluções. O que os estados devem fazer quando reconhecem a crise climática como tal?

 

Muitas coisas. Naturalmente, não há panaceia que resolva tudo de uma vez. O livro contém propostas concretas. Mas a primeira coisa que precisamos fazer é reconhecer que estamos em uma situação difícil. Porque esse é o pré-requisito para analisar adequadamente a situação e encontrar uma solução. Devemos perceber que estamos em uma situação de emergência. Todo o resto é inútil. E ainda não chegamos lá.

 

Por que os governantes são incapazes de mudar a situação? Seu livro fala de políticos que só pensam na próxima eleição.

 

Em muitos casos, só pensam no noticiário da noite ou nas manchetes do dia seguinte. Afinal, não é mais apenas uma opinião de que não podemos resolver a crise climática com nosso sistema atual. De acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre o Desnível das Emissões, até 2030 usaremos o dobro da energia fóssil que seria compatível com a meta de 1,5 grau. Isso significa que se quisermos ficar abaixo desse valor – e já estamos com 1,2 graus e as pessoas estão morrendo –, teremos que suspender os projetos econômicos e anular os acordos existentes. E isso hoje não é possível nem política nem economicamente.

 

Há outros interesses também: a economia tem que funcionar, as pessoas precisam de emprego. Para atingir as metas que você descreveu, os estados teriam que reduzir a produtividade.

 

Em nosso sistema, seria catastrófico.

 

E a solução?

 

Boa pergunta! Eu gostaria que alguém a tivesse.

 

A pandemia de Covid-19 mostrou que é possível tomar medidas que limitem as liberdades individuais. E as pessoas as aceitaram, apesar de alguns protestos. Por que isso funciona para a saúde e não para o clima?

 

O problema do clima é também um problema de saúde. Nós apenas temos que olhar para o quadro inteiro. Muitas pessoas me perguntaram: "Não te frustrou que houve uma reação à Covid e que ninguém parece se interessar pelo clima?" Claro que não! Isso demonstra que podemos lidar com uma emergência como tal. Mas a crise climática nunca foi tratada como uma verdadeira emergência. Eu diria que foi a mídia que decidiu tratar a Covid como uma crise imanente e depois as pessoas reagiram.

 

Tem certeza de que não foram os políticos que decidiram que tinham que reagir porque as pessoas estavam morrendo?

 

Se os governantes não tivessem tido o apoio da mídia, ou seja, se a mídia tivesse reagido como fez com a crise climática, eles não teriam se comportado como fizeram. Foi dito às pessoas como mudar seu comportamento. Foi relatado 24 horas por dia, 7 dias por semana. Houve coletivas de imprensa diárias para comunicar uma emergência aguda. Sem esse relato constante, muitas coisas não teriam sido possíveis.

 

Falando em comportamento, faz diferença se, por exemplo, eu parar de comer carne, andar de avião e dirigir uma SUV? Toda pessoa tem que mudar?

 

Faz a diferença porque sinaliza às pessoas à nossa volta que existe uma crise. Neste caso, o comportamento muda. E além disso, claro, reduz a pegada ecológica. Mas é sobretudo uma forma de ativismo.

 

Deveríamos todos nos tornar ativistas?

 

Sim! Precisamos de bilhões de ativistas pelo clima!

 

Você está pessimista ou otimista em relação ao resultado?

 

Sou realista. Se fizermos as coisas necessárias, podemos evitar uma catástrofe. Caso contrário, sofreremos as consequências. Depende de nós.

 

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